O ranking da mobilidade no mundo

Estudo mostra quais cidades mais dependem do carro e onde mais se anda a pé. Leia a análise de Mauro Calliari em sua coluna de hoje (12) no jornal Folha de S. Paulo

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Fonte: Folha de S. Paulo  |  Autor: Mauro Calliari*  |  Postado em: 12 de julho de 2024

Atlanta, na Georgia (EUA): apenas 1% vão a pé ou d

Atlanta, na Georgia (EUA): apenas 1% vão a pé ou de bike

créditos: Atlanta Regional Commission

Como são os padrões de mobilidade em cada país? Quanto as cidades dependem do automóvel? Quanto se anda a pé em cada lugar? Um estudo gigantesco chamado ABC of Mobility, publicado em março deste ano, conseguiu traçar um mapa de 794 cidades ao redor do mundo para responder a essas perguntas.

 

Todas essas cidades foram colocadas num triângulo que tem três vértices: carro, transporte público e mobilidade ativa. O resultado é provavelmente um dos maiores levantamentos do gênero e é riquíssimo para entender a diferença entre as cidades.

 

São Paulo na 194ª posição no ranking da mobilidade ativa, segundo o estudo Foto: Governo do Estado de São Paulo 

 

Nos EUA e Canadá, o carro manda nas ruas

A urbanização das cidades americanas e canadenses, tomadas por vias expressas, com subúrbios ricos que dependem totalmente do automóvel é expressa com clareza pelo estudo.

 

A medida de comparação, 94% dos deslocamentos são feitos em carro, muito mais do que os 50% das cidades europeias. Atlanta deve ser o caso mais emblemático de esgarçamento urbano. Apenas 1% de seus habitantes se deslocam a pé ou bicicleta, o que a coloca no finzinho do ranking mundial.

 

Os contrastes europeus

Não existe um padrão europeu de mobilidade. Se em Roma ou Manchester quase 70% das pessoas dependem do carro para se deslocar, a Europa do Norte é pródiga no oposto. Em Copenhague, 47% de todos os habitantes andam ou pedalam para o trabalho. Esse número vai a 75% numa cidade como Utrecht, na Holanda.

 

Nas maiores cidades europeias o transporte público oferece alternativa ao carro: 45% dos londrinos e 60% dos parisienses vão de transporte público ao trabalho.

 

Não por acaso, Londres e Paris têm malhas de transporte invejáveis mas também são cidades que têm políticas explícitas de desestimular o uso do carro, diminuindo espaços e até cobrando pedágio para entrar no centro. Hoje, a capital francesa já tem mais gente andando a pé que de carro.

 

Tamanho e renda fazem diferença

O estudo mostra que os deslocamentos em transporte público aumentam com o tamanho da cidade. Na média global das cidades de 100 mil habitantes, transporte público representa 10% das viagens, mas aumenta para 25% nas cidades com mais de um milhão de habitantes. Nas metrópoles com mais de 20 milhões, esse número ultrapassa 40%.

 

A exceção a essa regra são EUA, Canadá e Austrália. Nesses países, as cidades pequenas mantêm mais de 90% de seus deslocamentos em automóvel.

 

Na outra ponta, a campeã do ranking é uma cidade de 300 mil habitantes em Moçambique, Quellimane, onde 91% das pessoas vão a seus afazeres diários a pé ou em bicicleta.


Quellimane, em Moçambique: 91% usam ir a pé ou de bicicleta no dia a dia Foto: Reprodução

 

Na Ásia, o carro ainda está crescendo

A China tem enorme participação de bicicletas e do pé nos deslocamentos, mas provavelmente esse número deve mudar rapidamente, uma vez que quanto maior a renda per capita, maior a participação do automóvel. No resto da Ásia, porém, há brilhantes exceções como as cidades densas que têm alta renda e enorme participação do transporte público, como Tóquio e principalmente Hong Kong.

 

As cidades brasileiras

Apenas quatro cidades brasileiras entraram no estudo: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba. Elas apresentam um quadro parecido que mostra um certo equilíbrio entre os modais. São Paulo, na verdade, é a cidade que fica bem no meio do triângulo do estudo global, com praticamente um terço dos deslocamentos para cada modo de transporte.

 

Essa situação expõe uma contradição: o maior modal é o andar a pé, mas o maior objeto de desejo é o carro. As infraestruturas existentes privilegiam o carro, mas os congestionamentos gigantes demonstram um ponto de exaustão. Por outro lado, o descaso histórico com o transporte público expõe o tamanho do desafio, tanto na qualidade como na capilaridade das redes de transporte.

 

Ao redor do mundo, o pico do uso do carro ainda não chegou, mas é sintomático que cidades ricas como Paris, Barcelona, Viena e tantas outras estejam justamente investindo no transporte público, na bicicleta e na caminhabilidade para reduzir emissão de gases e melhorar a experiência urbana.

 

Ranking da mobilidade ativa

A boa mobilidade deve integrar mobilidade ativa e transporte público. A seguir, uma amostra do estudo com algumas cidades para dar uma ideia da disparidade entre elas, baseando-se em dois aspectos: andar a pé e por bicicleta. O ranking completo está disponível na revista The Economist e na plataforma ScienceDirect.

 

 

Limitações da pesquisa

Para comparar dados de 794 cidades no mundo, os pesquisadores Rafael Prieto-Curiel, do Complexity Science Hub, e Juan Pablo Ospina, da EAFIT University, consultaram aproximadamente mil bases de dados diferentes. Isso permite juntar informações de cidades em diferentes continentes, mas gera algumas limitações nas comparações.

 

Como algumas cidades misturam transporte a pé e bicicleta, a pesquisa juntou tudo em "mobilidade ativa". Outra limitação é considerar apenas deslocamentos para o trabalho., além da ausência das cidades médias dos países subdesenvolvidos. Finalmente, o estudo desconsidera as viagens multimodais, em que as pessoas trocam de meios de transporte, por exemplo, andando de sua casa até o ponto de ônibus.

 

Mesmo com essas limitações, a pesquisa tem o mérito de dar um quadro geral a algo muito fragmentado e vai ser um grande estímulo para novos estudos.

 

*Mauro Calliari é administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

 

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