Cidades são ótimos lugares para se viver. Seus benefícios encantam e atraem milhões de pessoas pelas suas facilidades, como a oferta de empregos e renda, lazer, cultura e serviços de saúde. Entretanto, as construções das urbes em muitos casos vieram acompanhadas de áridas florestas de prédios, poluídas e com trânsito caótico.
A dinâmica de crescimento das cidades parece ter chegado de mãos dadas com um movimento de biofobia, em que a natureza seria algo a ser superado e suprimido. O resultado desse movimento nos leva a questionar em que tipo de ambiente queremos erguer nossas casas. Qual é o lugar adequado para o bem-estar dos nossos filhos? Que território estamos deixando como legado para as próximas gerações?
A crescente urbanização e as más decisões tomadas para o “desenvolvimento” das cidades fizeram com que as metrópoles ficassem expostas a um efeito conhecido como “ilhas de calor”, em que edifícios e ruas pavimentadas criam uma inércia térmica que retém o calor e mantém as altas temperaturas. Além de feias esteticamente, muitas cidades se tornaram mais quentes e desconfortáveis para se viver.
Nesse contexto, também devemos arguir como se dá a produção das cidades. Ela é baseada em que lógica? É possível termos o direito à uma cidade com áreas verdes e caminháveis? Qual cidade queremos? A arquitetura e o urbanismo podem manifestar nossos sonhos no mundo real? Ou seguiremos criando cidades túneis num pesadelo diário de trânsito de três horas seguido de ameaças de enchentes letais? Todos enlatados num desolador cenário urbano? Felizmente, na antítese da biofobia, cresce a tendência da biofilia, em que o amor à vida e aos sistemas vivos é incorporado no planejamento e na construção das nossas cidades e casas.
Os exemplos de Medellín e Paris
A partir de 2016, a cidade de Medellín – a segunda maior da Colômbia – chamou a atenção do mundo com a implementação de “corredores verdes”, conectando estradas verdes, jardins verticais, parques e montanhas, melhorando substancialmente a qualidade do ar e alcançando a redução das temperaturas locais em 2°C, segundo um artigo da BBC Future. Conforme ressaltado pela Alcadía (prefeitura) de Medellín as intervenções permitiram “a regulação da temperatura, a absorção de poeiras e poluentes, o isolamento do ruído, bem como a captura de dióxido de carbono. Com tudo isso, gera-se oxigênio limpo e aumenta-se a biodiversidade”.
Proposta para remodelação da Champs-Élysées, em Paris Imagem: PCA Stream
Nessa mesma direção, um projeto liderado pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo, pretende fazer da capital francesa a cidade mais verde da Europa até 2030. Até 2026, serão plantadas mais de 170 mil árvores, com 50% da cidade coberta por áreas verdes até 2030. O plantio de “túneis de árvores” promete melhorar a qualidade do ar ao longo das avenidas, tornando-as mais amigáveis para se caminhar e pedalar. Dessa forma, é preciso redefinir a visão atrasada de que viver nas cidades implica estar apartado de áreas verdes.
A produção de cidades reconciliadas com a natureza cria lugares bons de se viver e que atraem as pessoas. Ruas nuas de árvores e jardins não incentivam a caminhada e outras formas de mobilidade ativa e estão fadadas a uma dinâmica urbana de pouca vitalidade. Integrados a um bom planejamento e uma legislação de uso e ocupação do solo moderna, o verdejamento das cidades pode moldar o comportamento de seus habitantes para uma vida mais saudável e ativa. O caminho da biofilia pode guiar a transformação da paisagem urbana a partir de um propósito de criar cenários promotores de bem-estar. Afinal, queremos viver em lugares feios e tristes ou belos e com vitalidade?
Jaime Lerner, destacado arquiteto brasileiro, escreveu: “se a vida, como disse Vinicius de Moraes, é a arte do encontro, a cidade é o cenário desse encontro.” Permitir que as áreas verdes cresçam como cenário das cidades é um ato de gentileza, pois melhora nosso bem-estar. Por outro lado, se a vida urbana ficar restrita aos espaços privados, a cidade morre, pobre de vitalidade e de encontros. Sem a natureza, até a “Garota de Ipanema” do poeta não seria assim tão linda e cheia de graça. Além disso, o influente urbanista dinamarquês Jan Gehl defende o conceito de Cidades para Pessoas. Gehl advoga que bons espaços públicos são caminháveis, estão protegidos dos carros, têm ciclovias e, em tempos de aquecimento global, têm árvores e áreas permeáveis em profusão. Esses conceitos estão em sintonia com a visão de biofilia e inspiram os debates sobre o futuro das cidades.
Por fim, a construção da cidade que queremos requer mais áreas verdes. Uma cidade para pessoas que incentive a caminhabilidade e as ciclovias. Uma cidade que se permita florescer.
*João Picanço é engenheiro do BNDES e mestre em políticas públicas. A opinião do autor não reflete necessariamente as opiniões do BNDES.
Notas dos editores:
1. O artigo foi recebido originalmente com o título "Qual cidade queremos?".
2. O conceito de Ilha de Calor foi citado originalmente pelo climatologista T. R. Oke em seu livro "Boundary Layer Climates", publicado em 1978 pela Methuen, de Londres. No Brasil, um trabalho referencial é o de Magda Adelaide Lombardo, "Ilha de calor nas metrópoles, o exemplo de São Paulo", publicado em 1985 pela Hucitec, em São Paulo.
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