Cidades permeáveis, a opção para driblar enchentes e humanizar a mobilidade

Mudanças climáticas pioram enchentes urbanas e despertam interesse pelo conceito de "cidades-esponja". Leia artigo de divulgação científica do pesquisador Franco Montalto

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Fonte: The Conversation  |  Autor: Franco Montalto*  |  Postado em: 11 de maio de 2024

Parque dos Manguezais em Sanya, na China

Parque dos Manguezais em Sanya, na China

créditos: Turenscape Architecture

Anos atrás, em uma discussão inspirada na ativista Jane Jacobs, o pesquisador e militante Lincoln Paiva lembrou o conceito de "jardins de chuva", uma forma de reduzir a impermeabilização nas cidades. Em síntese, a ideia é substituir vagas de estacionamento nas ruas por pequenos canteiros livres de qualquer pavimento, e plantados com várias espécies vegetais. Assim, as águas das chuvas seriam absorvidas pelo solo, alimentariam o lençol freático e evitariam as grandes inundações. Algumas cidades brasileiras, Rio e São Paulo entre elas, implantaram alguns desses jardins, mas de forma muito tímida e pontual. 


Neste mês de maio, enquanto o Rio Grande do Sul sofre os efeitos das mudanças climáticas, nos Estados Unidos cidades também enfrentam o problema das enchentes, que destroem edificações, estradas, pontes, ferrovias e todo o sistema de funcionamento urbano. Em artigo publicado nesta semana na revista The Conversation, o pesquisador Franco Montalto, da Drexel University, expõs em detalhes as ideias de cidades mais permeáveis às águas, com menos asfalto e concreto, e dotadas de muito mais parques, grandes áreas inundáveis, mais arborização e jardins, mas também com refazer as infraestruturas de drenagem, dimensionadas para absorver as novas águas que caem dos céus. Montalto defende que as propriedades privadas também sejam obrigadas a ter áreas permeáveis.


Cidades assim também podem ser muito mais amigáveis a ciclistas e pedestres, melhorando o clima e reduzindo o uso dos automóveis, hoje vistos como um dos vilões das emissões de carbono. Por isso, reproduzimos aqui parte do texto, que traz dados e propostas para a constituição de um novo urbanismo e uma nova engenharia, talvez menos danosa ao meio ambiente. Leia um resumo do artigo:


Em todo o território continental dos EUA, eventos extremos de precipitação em um único dia estão se tornando mais frequentes, impulsionados pelo aquecimento do ar, que assim pode reter níveis crescentes de umidade. Mais recentemente, áreas ao norte de Houston receberam de 30 a 50 centímetros de chuva em vários dias no início de maio de 2024, alagando estradas e provocando evacuações.

 

No início do ano, San Diego recebeu 7 centímetros de chuva em 22 de janeiro, o que danificou quase 600 casas e desabrigou cerca de 1.200 pessoas. Duas semanas depois, um rio atmosférico despejou 12 a 25 centímetros de chuva em Los Angeles, causando deslizamentos de terra generalizados e deixando mais de um milhão de pessoas sem energia.


Eventos como esse despertaram o interesse pelas chamadas “cidades-esponja”, uma abordagem ampla para a mitigação de enchentes urbanas que utiliza projetos inovadores de paisagismo e drenagem para reduzir e retardar o escoamento, permitindo que certas partes da cidade sejam inundadas com segurança durante condições climáticas extremas. As técnicas da cidade-esponja diferem de outras abordagens de gerenciamento de águas pluviais porque são dimensionadas para tempestades muito maiores e precisam ser aplicadas em quase todas as superfícies urbanas.

 

Vídeo explicativo do conceito de cidades-esponja Fonte: Tomorrows building 

 

Em resposta a episódios recentes de enchentes, algumas cidades dos EUA estão começando a tomar medidas para incorporar os conceitos de cidade-esponja em seus planos de gerenciamento de águas pluviais, mas a maioria desses projetos ainda é piloto. Para que esse conceito evolua e se torne o novo padrão de projeto urbano, autoridades municipais e desenvolvedores precisarão encontrar maneiras de ampliar e acelerar esse trabalho.

 

 O exemplo de Copenhague, na Dinamarca, em vídeo da DW


O problema das águas pluviais
Por mais de um século, depois que as cidades dos EUA começaram a instalar sistemas de esgoto centralizados em meados do século XIX, os canos levavam as águas pluviais - chuva ou neve derretida que escorre das ruas e edifícios - para rios ou portos próximos. Essa abordagem reduziu as inundações locais, mas poluiu as águas adjacentes e exacerbou os riscos de inundação mais a jusante.


A Lei da Água Limpa de 1972 foi projetada para tornar as águas do país aptas para pesca e natação até 1983, mas não conseguiu atingir essa meta. Um dos principais motivos foi o fato de a lei ter se concentrado inicialmente na redução apenas de fontes pontuais de poluição - descargas provenientes de uma fonte identificável, como um cano que despeja dejetos humanos ou industriais.

 

No final da década de 1980, o Congresso alterou a lei para tratar de fontes não pontuais, ou difusas, de poluição da água, incluindo águas pluviais. Os engenheiros começaram a projetar sistemas para capturar sedimentos na “primeira descarga” do escoamento, pois acreditava-se que poluentes nocivos, como metais pesados, aderiam a essas partículas.

 

Até hoje, a infraestrutura verde e outras práticas de gerenciamento de águas pluviais nos EUA são normalmente projetadas para deter, reter ou filtrar apenas os primeiros 2,5 a 5 centímetros do escoamento. Individualmente, elas não conseguem capturar todo o escoamento gerado durante tempestades maiores, o tipo de evento que está se tornando mais frequente devido às mudanças climáticas.

 

Além disso, o gerenciamento de águas pluviais frequentemente não é exigido em parcelas menores de terra, que podem representar coletivamente uma grande fração das bacias hidrográficas urbanas. Todos esses fatores limitam a capacidade da infraestrutura verde de reduzir os riscos de inundação.

 

 Jardim de chuva em Detroit (EUA) Foto: AP /Corey Williams

 

Cidades como Filadélfia, Nova York, Cincinnati, São Francisco, Cleveland, Washington, D.C., Detroit e Kansas City, Missouri, gastaram bilhões de dólares nos últimos 20 anos para reequipar paisagens urbanas com jardins de chuva, telhados verdes, pavimentos permeáveis, zonas úmidas construídas e outras medidas de controle de águas pluviais em escala local. A maioria desses sistemas, no entanto, foi instalada em áreas que produziam a maior poluição da água, e não foi dimensionada para gerenciar grandes tempestades.


Nos melhores casos, a infraestrutura verde foi instalada em terrenos de propriedade pública e exigida em empreendimentos de grande escala novos ou reprojetados. Foi muito mais desafiador incorporar a infraestrutura verde em parcelas menores de propriedade privada, que coletivamente constituem uma porcentagem significativa das áreas de bacias hidrográficas urbanas.

 

Toda superfície é importante
Em algumas cidades, alguns novos empreendimentos ainda são aprovados sem qualquer sistema de tratamento de águas pluviais ou análise das formas dramáticas pelas quais suas águas pluviais poderiam causar inundações em propriedades adjacentes e a jusante. E, em muitas cidades, permite-se que as águas pluviais de pequenas parcelas de terra passem sem tratamento para os sistemas de esgoto encanado. Se muitas dessas parcelas estiverem localizadas no mesmo bairro, essa prática comum pode aumentar os riscos de inundação a jusante.


No meu laboratório, na Drexel University, estamos estudando soluções para inundações na seção de Eastwick, no sudoeste da Filadélfia. Esse bairro fica na extremidade a jusante de uma bacia hidrográfica suburbana de 200 km  quadrados. Quando chove muito a montante, Eastwick inunda. Em 2020, a tempestade tropical Isaias inundou algumas casas com mais de 1,2 metro de água.


O termo “cidade-esponja” originou-se na China por volta de 2010, mas as cidades dos EUA têm empregado ideias semelhantes desde a década de 1970 para melhorar a qualidade da água em rios e córregos.
No início dos anos 2000, a ideia de projetar comunidades para filtrar e absorver as águas pluviais ficou conhecida como infraestrutura verde. Reguladores e empresas de serviços públicos a viram como uma estratégia potencialmente econômica para cumprir as regulamentações federais sobre água limpa. Nas cidades em que os sistemas de esgoto pluvial existentes descarregavam diretamente em córregos, lagos e rios, a infraestrutura verde tinha o potencial de filtrar os poluentes das águas pluviais antes que elas fluíssem para esses cursos d'água.

 

Em centenas de cidades, principalmente no Nordeste e no Centro-Oeste dos EUA, as águas pluviais e as águas residuais são transportadas nas mesmas tubulações de esgoto. A infraestrutura verde ofereceu uma estratégia para desviar as águas pluviais do sistema de esgoto para locais onde elas pudessem ser absorvidas pelo solo. Isso ajudou a reduzir as chances de os sistemas de esgoto transbordarem e enviarem águas pluviais e águas residuais não tratadas para as águas locais.


Leia o artigo completo na publicação The Conversation



*Franco Montalto
ocupa o cargo de Professor of Civil, Architectural and Environmental Engineering and Director, Sustainable Water Resource Engineering Laboratory, Drexel University, na cidade de Filadélfia, nos EUA. O artigo original foi divulgado no dia 8 de maio de 2024 pelaa revista de divulgação científica The Conversation, com o titulo "As climate change amplifies urban flooding, here’s how communities can become ‘sponge cities"

 

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