Responsável pelo planejamento dos transportes dentro do Ministério dos Transportes e Telecomunicações do Chile, Jorge Daza Lobos esteve no Brasil em março passado para participar do evento Smart City Expo Curitiba, na capital paranaense. O executivo exerce o cargo de Subsecretário de Transportes, função correspondente à de subministro, respondendo diretamente ao ministro Juan Carlos Muñoz Abogabir.
Daza Lobos é formado em Administração Pública e em Relações Internacionais, além de um mestrado em Gestão de Pessoas, formações consolidadas em mais de 20 anos de atividade na administração pública nas áreas de saúde, infância, adolescência e juventude, e na municipalidade de Pedro Aguirre Cerda, uma das 32 comunas que compõem a cidade de Santiago. Antes de assumir o cargo de Subsecretário de Transportes, atuou como Secretário Ministerial Regional de Obras Públicas da Região Metropolitana de Santiago.
Nesta entrevista, iniciada pessoalmente em Curitiba e completada por e-mail, Daza Lobos mostra os planos de uma estratégia iniciada no governo anterior e reforçada na gestão de Gabriel Boric para descarbonizar os transportes públicos do Chile, com horizonte no ano de 2030: trens, teleféricos, barcos, metrôs, ônibus elétricos e bicicletas. Os resultados são visíveis: Santiago é hoje a cidade do mundo com mais coletivos elétricos depois das cidades chinesas. São 2.480 ônibus elétricos na capital chilena.
Em sua apresentação durante o evento Smart City em Curitiba, o senhor mostrou uma série de avanços que estão ocorrendo no Chile para a transição da frota de veículos, principalmente nos transportes públicos. Quando esses planos foram feitos? Houve alguma mudança após a eleição do governo Boric, em 2022?
A Estratégia Nacional de Eletromobilidade é uma política de Estado que vem avançando continuamente desde 2021. E exatamente nesse sentido, o governo do presidente Gabriel Boric decidiu promover uma série de ações para acelerar o desenvolvimento da eletromobilidade no país. Um exemplo é a renovação da frota de ônibus do sistema de transporte público metropolitano RED, de Santiago, com a troca dos veículos a diesel por ônibus elétricos. Hoje (final de março de 2024) já são mais de 2.400, o que faz de Santiago a cidade com mais ônibus elétricos do mundo depois da China. O plano também prevê a construção de novas linhas de metrô em Santiago, além de um incremento da eletromobilidade em outras cidades do país, com novos ônibus elétricos, e a melhora da qualidade do transporte público em todas as regiões. Outra ação está prevista no Plano de Desenvolvimento Ferroviário, de forma que o Chile possa ter uma ampla rede ferroviária no centro e sul do país. Por fim, queremos estabelecer novas leis que facilitem a transformação de veículos de combustão interna em elétricos.
Como está prevista a fabricação e manutenção desses novos ônibus nos próximos anos? O Chile pretende nacionalizar essa produção ou haverá espaço para fornecedores de outros países, como a China e até o Brasil?
Nosso modelo de licitação contempla a participação no mercado, gerando um espaço de diálogo entre o Estado, os operadores de transporte público e as empresas fabricantes de ônibus, de forma que possamos conhecer, em primeira mão, as experiências do setor e as oportunidades para o sistema. Hoje são principalmente as empresas chinesas as fornecedoras majoritárias de ônibus elétricos para o país.
Coletivo elétrico de dois pisos no centro de Santiago, capital do Chile Foto: RED
Além dos ônibus elétricos a bateria, sabemos que o país também está desenvolvendo veículos movidos a células de hidrogênio. Já há planos para que esses ônibus tomem as ruas do Chile? Estão sendo discutidas outras alternativas, como os biocombustíveis?
Como governo, estamos promovendo o uso de energias renováveis, como o hidrogênio verde. No momento, estamos aprofundando um amplo trabalho que vai desde o planejamento integral do sistema logístico até a adequação das regulamentações para adoção do hidrogênio e seus derivados. Por exemplo, promovemos uma consulta de mercado para saber o interesse na futura integração dos caminhões com hidrogénio verde, homologamos o primeiro automóvel movido a hidrogênio verde, e a médio prazo esperamos incorporar um projeto-piloto com o primeiro ônibus com estas características no sistema de transporte público metropolitano RED.
Aqui no Mobilize Brasil já publicamos informações sobre os novos trens que estão sendo inaugurados no Chile. E os trens urbanos também serão revitalizados?
Um eixo central do Ministério dos Transportes e Telecomunicações é o Plano Nacional de Desenvolvimento Ferroviário, cujo objetivo é construir novas obras, renovar a infraestrutura ferroviária e implantar novos serviços até 2030. A meta é agregar mais de 100 trens elétricos ou bimodais à frota da Empresa de Ferrocarriles del Estado (EFE), principalmente para atender as viagens regionais, como o trem mais rápido da América do Sul, que hoje chega a Talca e em breve chegará a Chillán, a pouco mais de 400 km ao sul de Santiago. Este plano também inclui novas rotas que ligarão a capital a Valparaíso, no litoral, além de três novos serviços ferroviários entre as regiões de Maule e Los Lagos [mais ao sul], no âmbito do plano denominado “Trens suburbanos 30/30”, ou seja, percorrer 30 km de distância em até 30 minutos, preenchendo lacunas territoriais e melhorando a qualidade de vida das pessoas. Só nesta região da Araucanía está previsto um investimento de 230 milhões de dólares até 2025.
Falando em ferrovia, além do ônibus, que outros meios de transporte estão sendo planejados para as cidades: metrô, ferry, bonde, teleférico, bicicleta. Quais cidades serão atendidas?
O nosso foco está na promoção de sistemas de transporte público modernos, seguros e sustentáveis, como os ônibus elétricos, metrô e trens. Mas também estamos trabalhando agora, em fase de pré-viabilidade, para implantar sistemas de teleféricos nas cidades de Viña del Mar, na região de Valparaíso; Talcahuano, na região de Biobío, e Iquique, na região de Tarapacá, norte do país. Essa opção esta sendo considerada pela geografia dessas cidades, já que grande parte da população vive em áreas altas. Em termos de transporte marítimo, estamos promovendo o plano “Barcas para o Chile”, que busca gerar um novo modelo de licitação para os serviços prestados com embarcações, a fim de atrair investimentos com contratos de maior prazo, passando de três anos para oito anos em média, o que nos permitirá renovar os navios e prestar um melhor serviço às pessoas, especificamente nas regiões de Los Ríos, Los Lagos, Aysén e Magalhães, no sul do país.
O Chile tem alguma política para promover a mobilidade ativa, com ciclovias, bicicletas públicas, bem como facilidades de acessibilidade para pessoas com deficiência?
O Ministério dos Transportes e Telecomunicações do Chile está focado em promover a mobilidade sustentável através de diversas ações e projetos que incluam este componente, essencial para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Nossa política é baseada na Estratégia Nacional de Mobilidade Sustentável (ENMS), que pretende ser um instrumento transversal para construir cidades limpas, com transporte menos poluente, eficiente, seguro e econômico para os usuários. Este documento é um roteiro com sete objetivos específicos e trinta medidas de ação de curto, médio e longo prazo. Como ministério, estamos promovendo esta estratégia com diferentes instâncias de participação cidadã, especialmente nas várias regiões, onde é essencial aplicar medidas que promovam transportes mais eficientes e que ao mesmo tempo permitam encurtar distâncias, conectar melhor e melhorar os tempos de viagem.
Além dos projetos para melhorar e “descarbonizar” o transporte público, existe alguma estratégia para desencorajar a posse e o uso de carros particulares nas cidades chilenas?
Creio que o melhor caminho seja o de atrair as pessoas para o transporte público. Para isso, temos que implementar sistemas de transporte público de qualidade, eficientes e sustentáveis, para incentivar a sua utilização e também viabilizar infraestruturas que priorizem o transporte público, como as faixas exclusivas para ônibus, além de incorporar tecnologia aos métodos de pagamento. E temos que promover a mudança nos modos de transporte, com a ampliação e criação de novas linhas de metrô e a promoção de novos serviços ferroviários em diversas áreas do país . Por fim, mas não menos importante, devemos estimular os planos diretores de ciclovias para melhorar a infraestrutura cicloviária do país. Todas essas ações podem desencorajar o uso de automóveis particulares.
Como o senhor e seu governo veem o futuro da mobilidade no Chile até 2030, que é a data de referência para o seu planejamento atual?
Devemos mudar a forma como entendemos a mobilidade das cidades e promover o uso do transporte público, bem como de sistemas não motorizados, para gerar cidades mais amigáveis e eficientes que façam do Chile um lugar melhor para se viver. A prestação de um bom serviço de transporte público impacta profundamente o dia a dia das pessoas. Por exemplo, um serviço mais eficiente, com transferências mais confortáveis e rápidas, como as do metrô, do trem ou dos ônibus elétricos, pode permitir que uma pessoa passe mais tempo com a sua família. Portanto, no presente e no futuro, devemos continuar a promover modos de transporte modernos, seguros, eficientes e sustentáveis, não só para melhorar a qualidade de vida das pessoas, mas também avançar para uma vida mais sustentável e cuidar do nosso ambiente.
Lea en español: "Santiago ya cuenta con más de 2.400 buses eléctricos"
Saiba mais sobre a Estratégia Nacional de Mobilidade Sustentável (ENMS) do Chile.
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