"Carro na frente dos bois" na eletrificação dos ônibus em SP

Reproduzimos artigo do diretor da NTU, Marcos Bicalho, em que defende: "A transição da matriz energética dos ônibus requer políticas públicas estáveis e planejamento"

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Fonte: Jota  |  Autor: Marcos Bicalho*  |  Postado em: 20 de março de 2024

Ônibus elétricos parados, por não ter como carrega

Ônibus elétricos parados, por não ter como carregar baterias

créditos: Divulgação/ SPTrans

O termo eletricidade, segundo a Wikipédia, abrange os fenômenos resultantes da presença e do fluxo da carga elétrica. É muito comum também associar eletricidade à corrente elétrica. Para aqueles que não são especialistas na área, é o bastante saber que, sem eletricidade, acaba a luz e a maioria dos aparelhos elétricos não funciona.

 

Essa cultura básica, aprendida pela maioria dos brasileiros dentro de casa, deveria ter sido usada pelos dirigentes da maior cidade do Brasil, quando decidiram eletrificar 20% da frota de ônibus de São Paulo, em um prazo ínfimo de dois anos.

 

Sim, 2.600 ônibus elétricos a bateria, de uma hora para outra, sem levar em conta que implantar um sistema de ônibus elétricos é muito mais complexo do que simplesmente comprar o veículo. 

 

Infelizmente, esqueceram que, para o ônibus elétrico funcionar, precisa da bendita eletricidade e, como dizia meu pai, colocaram o carro na frente dos bois.

 

O problema aflorou na hora de colocar os ônibus em operação. A grande maioria das garagens de ônibus na capital paulista não possui infraestrutura elétrica adequada para carregar as baterias dos veículos, na quantidade prevista para essa fase do programa de eletrificação da frota.

 

São necessárias obras que vão consumir recursos da ordem de R$ 1,6 bilhão e prazo de até um ano e meio para realizá-las, segundo informações divulgadas na imprensa.

 

Resultado: ônibus prontos, paralisados nas fábricas, sem ter quem os receba, e graves desentendimentos entre a prefeitura, a distribuidora local de energia e os operadores de ônibus, para definir quem se responsabiliza pelos descompassos e pelos investimentos.

 

Não, não é dessa forma que se dá a partida para um megaprojeto de mudança da matriz energética, de uma frota superior a 100 mil ônibus urbanos, como é a realidade brasileira. São Paulo, a maior cidade do país, tem a obrigação de dar o exemplo; e o governo federal tem a responsabilidade de direcionar essa iniciativa, visto que é de sua competência definir as políticas públicas de energia, transporte e meio ambiente.

 

Por trás dos ônibus urbanos, está um serviço público essencial para a vida nas grandes e médias cidades, responsável por atender 87% das viagens em meios coletivos no país, que não pode sofrer descontinuidade, além de um vigoroso mercado de veículos usados que alimenta na ponta as cidades pequenas e os serviços de transportes rurais.

 

Tais características do transporte coletivo urbano por ônibus no Brasil apenas aumentam a responsabilidade do Estado ao conduzir projetos de mudança, como o que estamos tratando.

 

Qualquer mudança tecnológica de grande porte precisa estar baseada em políticas públicas estáveis, domínio técnico, infraestrutura adequada, capacidade industrial e capacitação de pessoal, ou seja, precisa de planejamento. Isso é o mínimo necessário para que os investimentos possam ser realizados com segurança e os resultados almejados possam ser atingidos de forma plena e perene.

 

Esses preceitos de um bom planejamento são inimigos das decisões políticas apressadas e sem fundamentos, que já foram responsáveis, no passado, por inúmeras iniciativas fracassadas de mudança de matriz energética dos ônibus no Brasil.

 

Precisamos, enfim, seguir o passo a passo prudente, do que pode vir a ser uma maravilhosa mudança nos patamares de qualidade dos serviços públicos de transporte coletivo nas cidades brasileiras, desde que seja feito no ritmo certo, que nos permita aprender e colher os melhores resultados do avanço tecnológico. 

 

*Marcos Bicalho dos Santos é diretor de Gestão da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), engenheiro civil e MSc em engenharia de transportes

 

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