Uma audiência pública realizada na capital pernambucana nesta segunda-feira (4) pela Comissão de Defesa do Consumidor debateu o transporte coletivo na Região Metropolitana do Recife (RMR). No centro da discussão, a recente implantação do bilhete único no Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife.
A medida está valendo desde o último domingo (3), e extinguiu o Anel B, reduzindo a tarifa de R$ 5,60 para R$ 4,10. No entanto, a diminuição ocorre em um cenário de queda de receita e problemas de manutenção da infraestrutura do sistema.
O encontro na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) reuniu representações de passageiros, profissionais do setor e do Grande Recife Consórcio de Transporte, órgão gestor do transporte público na RMR. Este último órgão é vinculado ao governo do estado, através da Secretaria Estadual de Mobilidade e Infraestrutura.
Debate reuniu usuários e gestores do sistema de transporte metropolitano Foto: Nando Chiappetta
Queda na demanda
Representante do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Pernambuco (Urbana-PE), Bernardo Braga, apontou a forte queda na demanda. De acordo com ele, o número de passageiros dos ônibus caiu praticamente pela metade entre 2013 e 2023.
Em relação a 2022, a redução no último ano foi de 6%. “É preciso adotar um modelo de custeio adequado, que não dependa da arrecadação tarifária”, analisou.
Especialista em mobilidade urbana, o professor da UFPE Maurício Pina expôs um diagnóstico sobre a atual situação do transporte metropolitano: “Além da má qualidade do serviço, questões como desemprego, aplicativos de transportes e a facilidade para compra de motocicletas são algumas causas da redução da demanda”, observou. “O sistema precisa ser atrativo para conseguir mais passageiros”, afirmou o professor.
Manutenção dos ônibus
Queixas estruturais, apresentadas por muitos participantes, marcaram a audiência. A necessidade de climatização dos ônibus foi um dos pontos mais debatidos.
O presidente do Sindicato dos Rodoviários de Pernambuco, Aldo Lima, descreveu as condições de quem utiliza o sistema de transporte público na RMR: “O trabalhador do setor e o usuário sentem na pele o que é estar no coletivo lotado, numa temperatura de quase 40 graus, muitas vezes por mais de uma hora. No caso dos profissionais, pode chegar a doze horas”, relatou.
“A climatização não chega a 15% da frota”, afirmou o presidente da União dos Estudantes de Pernambuco (UEP), João Mamede.
A Lei nº 16.787/2019, que estabelecia condições para a renovação da frota entre 2020 e 2023, foi lembrada em vários momentos. Segundo a norma, 70% dos veículos novos deveriam ser equipados com ar-condicionado.
O coordenador da Frente de Luta pelo Transporte Público, Pedro Josephi, questionou o texto: “A lei diz que só vai haver renovação de frota se houver aumento de tarifa. Nós comemoramos essa medida na época, mas na prática ela impede a troca dos veículos”, avaliou.
A falta de acessibilidade também foi destacada na reunião, pelo presidente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, Paulo Fernando: “Além da acessibilidade nas paradas e estações de BRTs, muitas plataformas elevatórias não funcionam, não têm manutenção”, pontuou.
O investimento no metrô do Recife foi outra questão levantada para melhorar a mobilidade na RMR. O presidente do Sindicato dos Metroviários de Pernambuco, Luiz Soares, denunciou o estado do sistema: “Desde 2017 há um sucateamento. O metrô só funciona por causa dos trabalhadores. Se não fosse a categoria, ele já teria parado ou teria acontecido uma tragédia”, lamentou.
Sustentabilidade financeira
O deputado Diogo Moraes(PSB) representou a Assembleia Legislativa na última reunião do Conselho Superior de Transporte Metropolitano, que sacramentou a implantação do bilhete único. Ele comunicou que deu entrada em um pedido de informação para sanar dúvidas sobre o impacto orçamentário da nova tarifa.
“Há um déficit claro de quase R$ 170 milhões. Está previsto um aporte de R$ 311 milhões, mas a lei orçamentária só prevê R$ 173 milhões”, frisou. “Existe uma preocupação com o corte de frota e de linhas. Ganha-se de um lado, com o bilhete único, mas há o risco de perder por outro”, completou o parlamentar.
O diretor-presidente do Grande Recife Consórcio de Transporte, Matheus Freitas, afirmou que a implantação do bilhete único demonstra sensibilidade do governo com as questões relacionadas ao transporte público.
Melhoria do sistema
“Temos ciência da necessidade urgente de melhorar a percepção da população sobre o sistema e estamos continuamente trabalhando nisso. Assim como o bilhete único, outras ações serão implementadas”, ressaltou.
O secretário estadual de Mobilidade e Infraestrutura, Diogo Bezerra, informou que em 2023 entraram em circulação 80 novos ônibus, a maioria climatizados. O gestor ainda sugeriu que os deputados estaduais destinem emendas ao orçamento do estado para a renovação da frota.
“A Casa poderia aportar emendas para a compra de veículos, e isso ajudaria a melhorar o sistema e reduziria custos. Esse tipo de parceria é fundamental”, disse o secretário. Ele também afirmou que a redução no custo para o passageiro, com o bilhete único, torna o sistema mais atrativo, o que aumentaria a arrecadação.
O deputado Sileno Guedes (PSB), que presidiu a audiência, reiterou a importância das emendas parlamentares: “Quando a Alepe for discutir a peça orçamentária, o governo pode trazer essa sugestão e mobilizar a bancada”, frisou. O deputado reforçou, ainda, o questionamento sobre o subsídio para cobrir a redução de receitas que deve ser ocasionada pelo bilhete único.
“Ainda não há manifestação do Executivo via projeto de lei para autorizar esse subsídio, e sem essa previsão a qualidade do serviço pode cair ainda mais do que constatamos neste encontro”, considerou o deputado.
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