Mobilizações em defesa do transporte público coletivo têm reunido jovens ambientalistas e sindicalistas na Alemanha. Em uma aliança intitulada #wirfahrenzusammen, jogo de palavras que pode ser traduzido como “andamos juntos”, os dois grupos têm somado forças nos últimos anos para organizar greves climáticas, cobrar priorização do transporte público e defender melhores condições de trabalho no setor.
As parcerias ganharam corpo em 2023 e abriram horizonte para novas mobilizações agora em 2024. O movimento conta com o apoio do ver.di, segundo maior sindicato da Alemanha que representa, entre outros, os trabalhadores dos serviços públicos de transporte, e com integrantes da juventude ambientalista do Fridays for Future, além da simpatia de partidos e políticos.
Mobilização
Estão previstas para as próximas semanas audiências públicas em parlamentos municipais, paralisações conjuntas em defesa do transporte, formações e debates – a Fundação Rosa Luxemburgo apoia um ciclo de eventos que inclui atividades em Göttingen, Leipzig e Stuttgart, as duas últimas entre as dez cidades mais populosas do país. Entre os temas abordados na programação, estão “melhores condições de trabalho e duplicação do transporte público até 2030” e “o que podemos aprender com o #wirfahrenzusammen”.
A formação de uma aliança sócio-ecológica não foi simples, mas está consolidada e tornou-se chave para a defesa de uma transição social e ambiental na mobilidade. A parceria pode servir de referência para outras construções relacionadas. A premissa, no caso, é que cidades que priorizam as redes de transporte público coletivo são mais equilibradas e sustentáveis do que as que investem em políticas rodoviaristas.
Em termos de eficiência e consumo de energia, é mais razoável apostar em deslocamentos massivos diários em ônibus e, principalmente, sistemas sobre trilhos, do que em veículos motorizados individuais – leia-se carros e motos congestionando e impactando a qualidade de vida nas cidades.
Os ativistas e sindicalistas chamam a atenção, por exemplo, para quão grave é a multiplicação de SUVs e picapes cada vez maiores nos centros urbanos e cobram medidas concretas. Também reclamam a ampliação das redes atuais, mais subsídios para custear e ampliar o acesso ao transporte e melhores condições para trabalhadores e trabalhadoras. A ideia é de que o transporte público, como parte da solução para a crise climática nas cidades, deve ser prioridade.
Desafios
A base para a aproximação entre jovens ativistas vinculados ao movimento internacional Fridays for Future com trabalhadores do setor foi construir relações de confiança mútua, conforme Rika Müller-Vahl, coordenadora da #wirfahrenzusammen.
Ela explicou em evento em Bruxelas em dezembro de 2023 que, como um primeiro passo, ambientalistas tomaram o cuidado de ouvir e apoiar as demandas mais imediatas dos trabalhadores e trabalhadoras do setor. Organizaram coletas de assinaturas para apoiar e fortalecer as negociações por melhores condições e, assim, criaram redes de solidariedade e mobilização.
Hoje a rede formada conta com centenas de ativistas na Alemanha em mais de 60 cidades que realizam coletas de assinaturas pela expansão do transporte público, criando bases para mais mobilizações, campanhas e atos.
Em abril de 2023, uma cartilha reunindo métodos concretos e estratégias práticas para ações conjuntas foi publicada com o sugestivo título de “Meu pronome é motorista de ônibus” (pdf disponível em alemão), reforçando a identificação com os profissionais do setor. Em outubro de 2023, saiu uma brochura com dados e argumentos em favor da importância da aliança estratégica socioecológica na mobilidade (pdf disponível em alemão).
No Brasil
A aproximação de ambientalistas e sindicalistas em defesa do transporte público coletivo ainda não ganhou a mesma proporção no Brasil, mas há iniciativas promissoras. Em 2023, foi consolidada a Coalizão Triplo Zero, que reúne movimentos sociais e organizações da sociedade civil em defesa de uma plataforma ao mesmo tempo ambiental e social.
A aliança foi formada ao redor de três pautas principais: Zero Tarifa, Zero Emissões e Zero Mortes. A ideia de que o transporte público deve ser valorizado é uma premissa, o que abre espaço para ampliar futuras articulações com organizações de trabalhadores e trabalhadoras pela valorização da categoria.
Aproximações recentes relacionadas ao avanço da pauta da Tarifa Zero, por exemplo, podem abrir espaço para construções parecidas com a #wirfahrenzusammen. O Sindicato dos Metroviários e Metroviárias de São Paulo participou de audiências públicas e passou a defender a liberação das catracas como alternativa à paralisação da rede de metrô nos dias de greve – o que foi recusado pelo Governo do Estado de São Paulo, que conseguiu bloquear tal tática na Justiça.
No plano nacional, o debate sobre transição justa também ganha espaço entre os trabalhadores. Em outubro, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) organizou em São Paulo o III Fórum Sindical Internacional para uma Transição Social e Ecológica. Não houve debates específicos sobre mobilidade, mas tanto os representantes nacionais quanto os convidados internacionais reforçaram a necessidade de ampliar alianças futuras entre ambientalistas e trabalhadores.
Há caminhos possíveis para andar junto.
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*Daniel Santini é jornalista e autor do livro "Passe Livre – As possibilidades da tarifa zero contra a distopia da uberização" (Autonomia Literária, 2019).
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