A cidade de Paris se prepara para triplicar o valor do estacionamento nas vias públicas dos carros tipo SUV, acusados de, entre outros problemas, causarem um maior impacto ambiental do que os veículos de passeio convencionais. O balanço superior de emissões de gases de efeito estufa varia conforme o modelo, mas o consumo de energia pode até ser mais intenso que o de um trajeto de avião.
Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), um 4x4 emite em média 20% a mais do que um carro comum médio. As principais razões para explicar as variações são o tipo de motor, a aerodinâmica – menos favorável – e o peso do automóvel. Assim, os SUVs costumam consumir pelo menos 8% mais combustível, ao pesarem ao menos 300 kg a mais do que um carro tipo sedã. Mas essa diferença pode ser bem maior, se comparada com um carro popular.
Enquanto os modelos vendidos na Europa têm em média 1,5 tonelada, os americanos podem atingir 2,7 toneladas, ou seja, mais do que o dobro do que um veículo convencional. O espaço interno e porta-malas mais volumosos, além da maior sensação de segurança, fizeram com que nada menos do que 48% dos novos carros vendidos no mundo em 2023 tenham sido SUVs, sem distinção entre os modelos.
“Eles sempre serão mais poluentes na medida em que o aumento de peso é aproximadamente proporcional ao aumento de consumo de combustível, ou de redução de rendimento energético. Uma SUV certamente fará menos quilômetros por litro do que um veículo compacto”, aponta Márcio de Almeida D’Agosto, professor de engenharia dos transportes na UFRJ e fundador do Instituto Brasileiro de Transporte Sustentável.
O sucesso crescente desses carros nos meios urbanos levou a uma disparada das emissões dos veículos individuais, ao ponto de anular os resultados positivos gerados pela eletrificação progressiva das frotas nas cidades na última década, afirma um estudo da organização ambientalista Greenpeace.
Impacto ambiental de andar sozinho de SUV
Os SUVs e seus modelos mais compactos crossover já representam 25% dos carros em circulação no mundo – mas geraram mais de 31% das emissões dos automóveis, afirma a AIE. A alta foi a segunda maior razão do aumento dos despejos totais de CO2 em 2022, atrás apenas da produção de energia, porém à frente dos transportes aéreo e marítimo juntos.
“Se nós considerarmos o perfil dos SUVs vendidos no Brasil em 2022, em média eles têm um consumo de 1,3 MJ (megajoule) de energia por quilômetro. Uma viagem de avião doméstico no Brasil consome em média 0,9 MJ por passageiro, por quilômetro”, resume Márcio D’Agosto, que foi um dos autores líderes do capítulo sobre esse assunto no quinto relatório do IPCC, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas.
“Isso significa que uma viagem de SUV pode consumir mais energia do que uma de avião, porque você está trabalhando com um veículo pesado que carrega em geral apenas uma pessoa dentro. Brinco que fazemos viagens aéreas urbanas: ao pegar os seus SUVs, as pessoas estão fazendo viagens de avião dentro da cidade”, afirma, baseado em dados do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV) e do Inventário de Emissões do Transporte Aéreo, da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil).
O relatório da AIE indicou, ainda, que o aumento da eletrificação dos SUVs – que corresponderam a mais da metade do total de vendas de carros elétricos no mundo – não impediu que essa categoria despejasse um recorde de 1 bilhão de toneladas de CO2 na atmosfera em 2022. Isso significa o dobro do que o Brasil emite no período de em um ano, ou o equivalente a França e Alemanha juntos.
O Conselho Superior para o Clima, organismo independente que orienta as políticas ambientais do governo francês, avalia que estes carros são simplesmente “incompatíveis” com a transição ecológica.
Eletrificação não resolve
Outro problema da eletrificação destes modelos é que, por serem maiores e mais pesados, eles exigem mais quantidades de metais raros na fabricação – matérias-primas cruciais para a transição energética das economias, assinala Jean Burkard, da organização WWF.
“Precisamos dos veículos elétricos para a transição ecológica, mas carros que sejam o mais leve possível. As SUVs elétricas continuam sendo mais pesadas, logo precisam de mais metais raros como o lítio, o cobalto, o níquel ou o cobre”, observa. “Essa forte demanda pode provocar ruptura de matérias-primas para outras necessidades”, disse Burkard.
“E depois, no fim de vida desse veículo, você provavelmente terá muito mais trabalho, se é que vai conseguir, para reintroduzi-lo no sistema produtivo, na circularidade econômica como nós queremos para termos sustentabilidade”, complementa D’Agosto.
Para frear esse fenômeno, entidades como a Possible, do Reino Unido, defendem que o peso passe a ser um critério na hora de taxar a venda dos veículos. Na França, os carros com mais de 1,6 toneladas a combustível térmico já estão sujeitos à medida – ou seja, 9% dos novos registros, calculou a consultoria AAA Data, a pedido do jornal econômico Les Echos. Noruega e Irlanda também adotam medidas semelhantes.
*Título original da reportagem na RFI, de Lúcia Müzell: "Andar de SUV na cidade pode consumir mais energia que trajeto de avião; entenda impacto ambiental do modelo"
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