Em janeiro passado o engenheiro Ivo Reck esteve na Alemanha para conhecer os sistemas de transportes daquele país. De volta ao Brasil e à sua Curitiba, Reck gentilmente enviou uma série de imagens sobre os “tram”, bondes, ou veículos leves sobre trilhos que conheceu em terras germânicas. Nesta pequena entrevista, realizada por meios eletrônicos, o parceiro do Mobilize falou sobre as vantagens desse transporte urbano sobre trilhos que ocupou as ruas brasileiras até os anos 1960. Agora, os trilhos urbanos estão sendo cogitados pelas prefeituras curitibana e paulistana. Daí a atualidade do tema.
Que cidades você visitou nesta viagem à Alemanha?
Foram dez cidades: Stuttgart, Frankfurt, Kassel, Magdeburg, Bremen, Berlim, Nuremberg, Munique, Colônia e Wuppertal. Nesta última conheci o monotrilho Schwebebahn, o primeiro monotrilho do mundo (veja vídeo). Passei também em Zurique, na Suíça, e fiz uma esticadinha também para Arhus, na Dinamarca.
Esses veículos urbanos sobre trilhos têm nomes diferentes em cada país. Mas, na maior parte do mundo são chamados de tram, tranvía nos países hispânicos, ou elétricos, em Portugal. No Brasil, por motivos históricos, eles eram chamados de bondes, e agora, de veículos leves sobre trilhos, uma tradução literal de light rail vehicle. Há alguma diferença significativa entre os velhos bondes e os modernos VLTs?
Normalmente os VLTs são compostos de vários carros, de dois a até quatro carros, que podem ser conectados, permitindo chegar a capacidades de até 800 passageiros ou mais, dependendo da composição. Outro ponto é a forma de embarque. Em geral, nos VLTs o embarque é feito em nível, por uma plataforma elevada, como são os do Rio de Janeiro e o de Santos, diferentemente dos bondes, que tinham estribos para embarque. Mas há também alguns sistemas em que o ponto de embarque é integrado à calçada e apenas ligeiramente elevado.
Parada de VLT (tram) no centro de Bremen Foto: Ivo Reck
Você viu algum sistema de VLT que mereça destaque entre as cidades visitadas?
Na verdade, eu percebi que há muita similaridade em todos os sistemas que conheci. Claro que existem diferenças na construção das composições, nos acabamentos, mas a capacidade dos carros, os leiautes internos e os sistemas de informação são muito semelhantes. Por exemplo, em todas as cidades as paradas contam com painéis eletrônicos que informam os horários e a ordem de chegada das próximas composições.
Mas o importante a relatar aqui é que na União Europeia os países seguem as referências do Livro Branco do Transporte, um protocolo firmado em 2011 com várias metas até 2050, como reduzir emissão de gases e a dependência do petróleo, e recuperar a competitividade do transporte público. Esse documento tem metas para o transporte urbano, entre cidades e até para o transporte de cargas. Então, há um norteador para esse investimento em sistemas eletrificados, mais sustentáveis e ecológicos.
Como são as tarifas dos transportes públicos na Alemanha?
Vou usar como referência a capital, Berlim. A cidade está dividida em três zonas tarifárias: AB, BC e ABC. A zona tarifária AB inclui o centro urbano de Berlim, bem como a área até os limites da cidade. A zona tarifária ABC inclui a área circundante de Berlim, o Aeroporto BER e a Estação Central de Potsdam.
Um deslocamento de curta distância, na região AB, custa 3,20 Euros, ou 2 Euros para menores de 14 anos. O bilhete único de 24 horas para essa região AB custa 9,50 Euros e para a região ABC custa 10,70 Euros. Enfim, existem vários tipos de bilhetes, adequados a cada tipo de usuário.
E há o bilhete alemão que eu comprei, que vale em todos os sistemas de transportes do país. Esse projeto que eles lançaram em maio de 2023 tem objetivo de estimular a migração de pessoas, do carro para os trilhos, para o transporte público. O bilhete custa 49 Euros e vale por um mês, com renovação automática e débito direto da conta bancária de cada pessoa.
Quais seriam as vantagens desse tipo de transporte sobre trilhos em relação aos corredores de ônibus, tal como os existentes em Curitiba?
Em primeiro lugar, cabe lembrar que estamos vivendo um momento único, um momento singular, de emergência climática. Nessa condição, qualquer transporte público coletivo é melhor do que um carro, porque a pessoa que anda de ônibus, de metrô ou trem está ajudando a reduzir as emissões, além de ocupar menos espaço nas ruas das cidades.
Mas se compararmos os VLTs com os ônibus atuais, com motores diesel, além da emissão de gases, de ruídos, há também a questão do conforto térmico. Ao calcular os ganhos de um sistema de transporte, a gente tem que incluir os benefícios para a saúde pública, os vários fatores para a qualidade de vida do usuário e também do trabalhador do sistema. Um motorista de ônibus passa várias horas do dia submetido àquela vibração, ao ruído e ao calor gerado pelo motor a combustão. Se ele estiver conduzindo um bonde, um VLT elétrico, o desgaste físico será muito menor.
Trolebus em Ulm, Alemanha, usam a mesma rede elétrica dos VLTs Foto: Ivo Reck
Até na questão de segurança, por exemplo, a gente vê que sistemas de VLT apresentam um índice mais baixo de acidentes do que os sistemas de ônibus, como o BRT.. Aqui mesmo em Curitiba, os acidentes são frequentes por conta da velocidade, da pressão de horário sobre os motoristas. Qualquer que seja a opção, é importante que governos municipais, estaduais e governo federal atuem de forma coordenada para a construção de uma política pública capaz de responder a essa necessidade da emergência climática e para garantir um futuro para as crianças, essa turminha que tem um chão de vida pela frente. Mas, todas as decisões precisam ser pensadas sem trazer mais custos para o bolso de quem usa o transporte público,
Os ônibus elétricos ou os veículos sobre pneus que circulam sobre trilhos virtuais, como os existentes na China, não seriam mais adequados e flexíveis, para atender às mudanças que acontecem nas cidades brasileiras, ou na oferta e preço da energia elétrica?
Eu lembro que em 2012, a cidade de Curitiba investiu em uma frota de ônibus híbridos - diesel e elétrico - mas o custo dessa iniciativa desequilibrou as contas dos transportes e afetou diretamente a tarifa. Quando o poder público pensa em sistemas inovadores, disruptivos, precisa considerar as soluções que já estão por aí, como os VLTs, que circulam nas cidades desde o século dezenove.
VLT no centro de Zurique, na Suíça Foto: Ivo Reck
Então, já que há a necessidade de substituir as frotas por veículos de baixa emissão, porque não trocar por elétricos, que podem ser VLTs ou ônibus elétricos de grande capacidade. Na Alemanha, em algumas cidades, eu vi bondes antigos, VLTs modernos e mesmo trólebus circulando pela mesma faixa e utilizando a mesma catenária e rede aérea para alimentação dos motores. Ou seja, é possível conciliar vários tipos e gerações de transportes elétricos usando a infraestrutura já existente. Mas, creio que os bondes são mais amigáveis e seguros na relação com a cidade, com as ruas, com os pedestres e ciclistas.
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*Ivo Reck é engenheiro ambiental, especialista em transporte terrestre e mestre em meio ambiente. Atualmente é chefe de gabinete do deputado estadual Goura, do Estado do Paraná.
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