Representantes dos países reunidos na 28ª Cúpula do Clima da ONU (COP 28), em Dubai, aprovaram ontem (13) um roteiro para a “transição dos combustíveis fósseis”, a primeira vez que isso ocorre neste tipo de conferência. No entanto, esse aparente avanço ainda não atende aos repetidos apelos por uma “eliminação progressiva” do petróleo, carvão e gás.
Reagindo à adoção do documento final, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que a menção ao principal fator causador das alterações climáticas surge após muitos anos de bloqueios da discussão desta questão. Para aqueles que se opuseram a uma referência clara à eliminação progressiva dessa fonte de emissão de gases do efeito estufa no texto da COP 28, Guterres disse que “a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é inevitável...e esperemos que não chegue tarde demais”, acrescentou.
A conferência estava programada para terminar na terça-feira, mas intensas negociações durante a noite sobre se o resultado incluiria um apelo à “redução gradual” ou “eliminação gradual” do aquecimento do planeta por meio da exploração de petróleo, gás e carvão forçou a extensão da conferência. Este foi o principal ponto de conflito que coloca ativistas e países vulneráveis e oposição a nações mais desenvolvidas.
Em sua declaração, o líder da ONU disse que a ciência é clara: limitar o aquecimento global a 1,5°C, uma das metas fundamentais estabelecidas no marco histórico do Acordo de Paris de 2015, “será impossível sem a eliminação gradual de todos os combustíveis fósseis”. Essa urgência está sendo reconhecida por uma coalizão crescente e diversificada de países, acrescentou Guterres.
Os negociadores da COP 28 também concordaram em compromissos para triplicar a capacidade das energias renováveis e duplicar a eficiência energética até 2030, além de terem realizado progressos em relação à adaptação e ao financiamento. Os avanços incluem também a operacionalização do Fundo para Perdas e Danos - um recursos para socorrer e compensar os países prejudicados pelas mudanças climáticas, embora os compromissos financeiros sejam "muito limitados", comentou Antônio Guterres. “Muitos países vulneráveis estão afogados em dívidas e em risco de submergirem com a subida dos mares. É hora de um aumento nas finanças, inclusive para adaptação, perdas e danos e reforma da arquitetura financeira internacional", completou.
Decepções
Os representantes da sociedade civil e os ativistas climáticos, bem como as delegações dos pequenos países insulares em desenvolvimento, ficaram visivelmente descontentes com o resultado. Anne Rasmussen, representante samoana e negociadora principal da Aliança dos Pequenos Estados Insulares, ressaltou que a decisão foi tomada durante a sua ausência na sala plenária, uma vez que o seu grupo ainda estava coordenando uma resposta ao texto.
Rasmussen lamentou a falta de “correção de rumo” e expressou decepção com o “avanço incremental em relação aos status quo, quando o que realmente importava era uma “mudança exponencial”. Ao final da conferência, o representante da Rede Internacional de Ação Climática, Harjeet Singh, declarou que a resolução “está marcada por lacunas que oferecem à indústria dos combustíveis fósseis inúmeras rotas de fuga, dependendo de tecnologias não comprovadas e inseguras”.
Resumo da ópera
- Criação do Fundo para Perdas e Danos, concebido para apoiar os países em desenvolvimento vulneráveis ao clima. Os países prometeram centenas de milhões de dólares para a iniciativa.
- Compromissos no valor de US$ 3,5 bilhões para repor os recursos do Fundo Verde para o Clima.
- Mais de US$ 150 milhões para o Fundo dos Países Menos Desenvolvidos e o Fundo Especial para Mudanças Climáticas.
- Aumento anual de US$ 9 bilhões por parte do Banco Mundial para financiar projetos relacionados com o clima de 2024 a 2025.
- Apoio de quase 120 países à Declaração sobre Clima e Saúde para acelerar ações para proteger as pessoas dos crescentes impactos climáticos.
- Mais de 130 países assinaram a Declaração COP28 sobre Agricultura, Alimentação e Clima para apoiar a segurança alimentar e, ao mesmo tempo, combater as alterações climáticas.
- Endoso de 66 países ao Compromisso Global de Resfriamento (Global Cooling Pledge) para reduzir as emissões relacionadas ao resfriamento em 68% a partir de hoje.
Azerbaijão em 2024 e Brasil em 2025
A cidade de Baku, no Azerbaijão foi anunciada como anfitriã oficial da COP 29, em novembro de 2024. Mas, como lembrou Carlos Bocuhy, em artigo na Carta Capital, a localidade foi uma das pioneiras na utilização do petróleo, já no século 13. "Quando o comerciante genovês Marco Polo cruzou a cidade, em 1271, a região já apresentava produção de petróleo relevante para os padrões da época. Funções como iluminação, aquecimento, pavimentação, calafetação e lubrificação eram usos comuns para o betume...", explica o texto de Bocuhy. Pode ser um sinal preocupante.
O Brasil se ofereceu para sediar a COP 30 na Amazônia, em 2025, quando deve acontecer a próxima rodada de planos nacionais de ação climática, ou Contribuições Nacionalmente Determinadas. Até lá espera-se que os países tenham reforçado seriamente as suas ações e compromissos. Cabe lembrar que simultaneamente à sua participação na COP 28, o país realizava um leilão de novos campos petrolíferos e por isso ganhou o troféu simbólico "Fóssil do Ano". Também não é um bom presságio.
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