Depois de publicar vários textos sobre o processo de pedestrianização realizado desde 1999 em Pontevedra, capital da Galizia, tivemos finalmente a chance de caminhar nesta cidade que se tornou conhecida como uma "cidade sem carros". Em setembro passado o Concello de Pontevedra comemorou os 24 anos dessa política para pedestres e na semana passada o prefeito Miguel Anxo Fernandez Lores foi aclamado como presidente da Rede de Cidades que Caminham, uma associação de cidades espanholas que estimulam a mobilidade a pé.
Pontevedra iniciou esse processo em 1999 - quase ao mesmo tempo que Copenhague, na Dinamarca - com a primeira eleição do médico Miguel Anxo como presidente do Concello, cargo equivalente ao de prefeito. Eleito pelo partido Bloco Nacionalista Galego, de esquerda nacionalista, seu programa era quase um receituário para melhorar a saúde da cidade e de seus moradores: reduzir o uso de automóveis, estimular a caminhada e o uso de bicicletas e permitir apenas a circulação de alguns veículos motorizados nas ruas centrais, somente para moradores e pessoas que tenham limitações de mobilidade, enfim, o trânsito essencial. Foi e ainda é um processo difícil, com oposição de setores econômicos envolvidos com automóveis, mas supostamente aprovado pela maioria da população. Um sinal inequívoco disso foi a reeleição de Lores por sete vezes, desde 1999.
Na área sem trânsito a cidade é uma festa de pessoas ao ar livre, entre crianças brincando, idosos, cadeirantes e um vib ante comércio de rua, com mesas ao ar livre.
Na prática, a área "pedonil" resume-se a algumas quadras, comparável aos calçadões da cidade de São Paulo. Fora desse centro histórico, o movimento de veículos é muito intenso e até congestionado em horários de pico. E mesmo uma simples travessia de rua exige paciência pela demora na abertura dos sinais verdes para os pedestres. Apesar disso, mesmo nas vias mais motorizadas, a cidade oferece calçadas largas, confortáveis, boa arborização e rampas de acessibilidade em todas as esquinas. Uma condição invejável.
De volta ao Brasil, fizemos contato com o Concello de Pontevedra e encaminhamos algumas perguntas ao prefeito para entender o que vimos na cidade e o momento atual desse ciclo de mudança, que parece ser irreversível.
Prefeito Miguel Anxo Fernandez Lores Foto: Concello de Pontevedra
Quando e por que o Concello decidiu criar as zonas sem carros de Pontevedra?
A mudança no modelo de cidade e de mobilidade começou em 1999, quando chegamos à prefeitura. Foi iniciado imediatamente, um mês após a posse, com a retirada de carros estacionados e a proibição da passagem de veículos pelo centro histórico da cidade. Era um modelo previamente estudado durante anos, quando estávamos na oposição.
Havia muitos problemas causados pelo trânsito?
Pontevedra era uma cidade doente, uma cidade com uma doença evidente, resultante do excesso de trânsito motorizado. Era um tráfego motorizado proporcionalmente maior do que tráfego de Londres. E os problemas do excesso de trânsito são conhecidos: a insegurança dos pedestres e a impossibilidade de desfrutar das ruas e praças. Nós restringimos o trânsito de passagem, que pretende cortar o centro da cidade, e o trânsito "de agitação", daqueles veículos que procuram constantemente local para estacionar. Os veículos necessários ao funcionamento da cidade podem circular na maioria das vias.
Qual foi o investimento necessário para a criação dessa área sem carros?
O investimento inicial foi pequeno. Foi realizado, e continua sendo realizado, com investimentos do orçamento municipal. Vencemos as eleições de 1999 em maio e já em agosto o acesso de veículos ao centro histórico foi limitado. Repito: não é uma zona sem carros, é simplesmente uma zona com os carros necessários para que possa continuar a funcionar da melhor forma possível e que haja plena convivência.
Como foi a negociação política para restringir o trânsito? Moradores e comerciantes reclamaram muito?
Quando ganhamos as eleições, a pedestrianização da zona monumental estava em nosso programa e era nosso dever torná-la realidade depois de empossados. Toda mudança traz uma certa resposta negativa; a mudança é sempre assustadora. Houve e ainda há oposição política a este paradigma de melhor qualidade de vida, mas as pessoas sabem que esse é o caminho, que Pontevedra é uma referência mundial.
E hoje, quais são os ganhos aferidos pela cidade?
Pontevedra é hoje uma cidade para as pessoas, uma cidade vanguardista, dinâmica, uma cidade segura e uma cidade para todos, acessível e atraente. Somos a cidade mais jovial da Galizia, um centro urbano e um grande centro comercial com pontos comerciais locais e serviços próximos ao cidadão.
Via externa à área pedestrianizada: trânsito intenso de veículos Foto: Mobilize Brasil
Na visita que fizemos, em outubro passado, notamos que na verdade apenas uma parte mais central de Pontevedra foi reservada para as pessoas. Que percentual da área urbana ficou "livre" do trânsito?
As restrições de tráfego foram implantadas gradualmente. Começamos pelo centro histórico, depois o anel oitocentista que o rodeia, que pudemos alargar, e assim continuamos a expandir por todos os bairros da cidade e pelos diferentes espaços que a compõem. Há que ter em conta que aqueles espaços com preferência ao pedestre, os mais centrais, aqueles com pavimentação contínua, sem passeios e acessos de carros, são os que têm maior pressão de pessoas. Nas outras vias, a prioridade foi dada aos pedestres por meio de outros recursos, como o alargamento das calçadas ou a criação de faixas de tráfego de mão única para garantir a segurança de trânsito. Resta estender este modelo a outros bairros da cidade. Ainda há muito a ser feito.
Rua Lourenço Crespo: calçadas largas e mão única para maior segurança Foto: Concello de Pontevedra
No entorno da cidade - fora dessa área especial - o trânsito continua muito intenso, tornando o caminhar bem desconfortável. Há planos para expansão do projeto de pedestrianização?
A intenção deste governo sempre foi e continua sendo o de levar o modelo de Pontevedra a todas as ruas da cidade, pois todas as pessoas - cidadãs e cidadãos - têm os mesmos direitos, o que inclui o poder de gozar da mesma qualidade de vida. Não pretendemos fechar a cidade; simplesmente queremos que os veículos circulem por onde devam e possam circular. Eles não devem circular nas zonas residenciais, mas podem circular nos acessos à cidade.
Há algum plano de comunicação para melhorar a relação dos motoristas com pedestres e ciclistas fora da região central de Pontevedra?
O Concelho de Pontevedra tem competência e autoridade para regular a mobilidade no contorno urbano. Fora desse círculo, as regulações, obras viárias e outras intervenções dependem de outras administrações. Mas, sem dúvida, sempre apostamos e reivindicamos medidas como limitações de velocidade, construção de faixas elevadas de travessia e outras medidas que ajudem as pessoas.
*Entrevista realizada por e-mail, com mediação da assessoria do Concello de Pontevedra
Veja mais fotos de Pontevedra:
E agora, que tal apoiar o Mobilize Brasil?
Acesse a plataforma Abrace uma Causa e contribua!
Leia também:
Uma cidade (quase) sem carros, Na Espanha.
Colocamos pessoas em 1º lugar, não carros, diz prefeito
A caminhabilidade: medida urbana sustentável
Ciclistas se preocupam mais com o bem comum do que motoristas