Bruno Paiva, diretor da divisão de ônibus elétricos da BYD, conversou com o Mobilize Brasil na manhã desta segunda-feira (13). A entrevista foi realizada via redes porque Paiva está em Shenzhen, na China, cidade que já tem todo o transporte público e de cargas eletrificados. Lá está a sede mundial da empresa, que prepara uma
visita ao Brasil no final de novembro para colocar em marcha a produção de veículos elétricos na segunda fábrica da BYD no Brasil, agora em Camaçari, na Bahia. A primeira foi instalada em Campinas (SP) e dedicada somente à produção de chassis para ônibus elétricos. Na entrevista, Bruno Paiva faz um balanço da operação no Brasil e aponta a expectativa de amplo crescimento desse mercado em 2024.
Quais são as metas da BYD na produção/montagem de ônibus elétricos no Brasil? Há alguma projeção do potencial desse mercado?
A BYD chegou ao Brasil há oito anos e nesse período fizemos várias ações para apresentar os grandes benefícios econômicos, ambientais e de conforto oferecidos pelos ônibus elétricos. Agora, estamos sendo muito procurados pelos governos, pelas prefeituras de todo o país, especialmente capitais. O mercado brasileiro amadureceu muito nesse período. Quanto às metas, a fábrica de Campinas foi projetada para 2.400 ônibus por ano, e em 2024 chegaremos a esse número em razão das demandas de cidades como São Paulo, Goiânia, Campinas e Belo Horizonte, além de Salvador, onde há um projeto para substitutir os ônibus do BRT por veículos elétricos. Ainda neste mês, uma delegação da China vai visitar a capital da Bahia. E na semana passada também recebemos um contato da prefeitura de Belém.
Quantos ônibus elétricos já foram entregues pela unidade da BYD de Campinas e quantos desses veículos se destinaram ao Brasil e ao Experior?
Foram, até o momento, 130 ônibus, incluindo urbanos e veículos de fretamento, todos para o Brasil. No começo, eram ônibus fabricados na China, que não conseguiram funcionar bem nas condições brasileiras, especialmente em relação à qualidade dos pavimentos. Essa etapa nos permitiu detectar os problemas e ajudou no amadurecimento do produto. A empresa decidiu desenvolver um design de chassis específico para as condições brasileiras, aplicável a ônibus com piso alto, piso baixo, e articulados, como que estão sendo usados no corredor Linha Verde, em São José dos Campos. Lá, após um ano de operação, os treze veículos articulados já rodaram mais de 644 mil quilômetros e deixaram de emitir quase 1.700 toneladas de gases de efeito estufa, além de reduzir o ruído urbano, que é um fator muito agressivo e pouco discutido quando se fala de poluição.
O Mobilize Brasil já incluiu o ruído urbano entre os itens que afetam a atratividade dos espaços públicos. Esse foi um dos fatores para avaliação da Campanha Calçadas do Brasil...
Sim. As pessoas falam de emissões de carbono, de poluentes gerados pelos motores a combustão, mas pouco se fala sobre a poluição sonora.
Aqui em Shenzhen, onde todos os ônibus, táxis e veículos de carga são elétricos, o silêncio nas ruas provoca até um estranhamento para quem chega do Brasil. E chama muito a atenção se comparado, por exemplo, com o ruído na avenida Paulista, em São Paulo. Veículos elétricos são muito silenciosos.
Voltando ao tema da produção, como está sendo equacionada a parceria com as montadoras de ônibus do país? Qual é o nível de nacionalização dos ônibus elétricos da BYD?
Desde sua entrada no Brasil, a BYD tem buscado parcerias com as montadoras de ônibus brasileiras. Já trabalhamos com praticamente todas as fabricantes de ônibus, mas especialmente com a Caio, Marcopolo Mascarello e Neobuss, montadoras que já tem veículos homologados. Essa opção depende mais do operador, da companhia de transportes. Temos também parcerias com empresas de componentes, mas precisamos de mais escala, de mais mercado, para que novas parcerias se viabilizem. Muita coisa vem da China por falta de demanda, mas nós queremos aumentar o conteúdo nacional em todos os nossos produtos. Já temos uma fábrica de packs de baterias em Manaus para atender aos veículos que serão produzidos no país.
A fábrica de Campinas não vai fornecer ônibus também aos países vizinhos, na América do Sul?
O projeto inicial previa que o Brasil se tornasse o centro das operações da BYD no continente, mas isso ainda não aconteceu. Na América do Sul, o país que conta com mais ônibus elétricos em operação é a Colômbia, especialmente no BRT Transmillenio, em Bogotá. Lá existem 1.485 ônibus elétricos em operação, todos monoblocos montados na China. Bogotá definiu uma área da cidade onde somente os ônibus elétricos podem ingressar. No Chile, em Santiago, a substituição está sendo feita aos poucos, por garagens, desde 2017. Mas todos os ônibus também são fabricados na China.
A nova fábrica, em Camaçari também produzirá ônibus?
Quando a BYD comprou a fábrica já previa a produção de carros e também de chassis para ônibus e caminhões, mas isso depende do desenvolvimento do mercado. Hoje mesmo eu participei de uma reunião sobre esse tema e agora, no final de novembro, uma delegação da BYD estará na Bahia para visitar a fábrica e planejar a operação.
Quais são os preços médios dos ônibus montados, que vantagens econômicas eles oferecem e qual é sua durabilidade?
Um ônibus padrão com doze ou treze metros está custando entre 2,3 a 2,6 milhões de reais, considerando que cada veículo tem 300 kW de baterias. O investimento inicial é mais alto do que em ônibus diesel, mas a manutenção é bem mais barata, porque os veículos elétricos são mais eficientes, consomem menos energia e têm menos componentes. Vou citar o exemplo de uma operadora de Shenzhen, uma garagem com 300 ônibus, e que tem apenas cinco boxes de manutenção. Se fossem ônibus diesel, eles precisariam ter vinte boxes. Em geral, o investimento inicial precisa de oito anos para se pagar, dependendo da operação. No Chile, o plano é rodar 15 anos e trocar as baterias no oitavo ano.
Como a empresa vê as políticas públicas para estímulo/financiamento de veículos para o transporte público?
Nossos produtos, incluindo as baterias, já estão homologados na Caixa, no Banco do Brasil e no BNDES. As operadoras estabelecem convênios com os bancos estatais, que financiam a compra dos veículos. A indústria tem que ampliar o conteúdo local, com grande potencial de geração de novos negócios e empregos.
Paiva à frente de um ônibus elétrico, na fábrica de Shenzhen Foto: Arquivo Pessoal
Considerando a diversidade das regiões brasileiras, há algum plano da BYD para flexibilizar a motorização dos ônibus, incluindo alternativas híbridas, como biocombustíveis, células de combustíveis e outras opções?
A empresa está focada na tecnologia de baterias. Afinal, a BYD começou como uma fabricante de baterias e produz todas as baterias para seus veículos. Eu pessoalmente não conheço muito sobre a operação com céulas de hidrogênio, mas sabemos que os ônibus híbridos e a gás emitem mais carbono e também têm uma manutenção mais cara.
No Brasil, nós apostamos em eletricidade. O país tem uma matriz elétrica excelente e as redes de distribuição de energia já estão instaladas, evitando o transporte de combustíveis em caminhões ou em dutos. A eletrificação da frota tem um grande potencial e o desafio é aproveitar a infraestrutura existente para alimentar as baterias.
A produção e o descarte de baterias ainda é um tema polêmico. Como a BYD está trabalhando para permiitir a reciclagem e a redução de impactos dessa cadeia produtiva?
A BYD já tem negócios com empresas que trabalham no conceito de segunda vida. Quando a bateria estiver falhando, o cliente pode encaminhá-la para nossas unidades, que nós a encaminharemos para empresas parceiras, que trabalham com a segunda vida. Baterias de lítio são duráveis e podem funcionar por oito anos sem interrupção. Depois desse prazo, elas podem ser rebalanceadas para uso em instalações estacionárias: podem suprir energia em empresas, em situações de risco ou falha no fornecimento pela concessionária, e podem integrar sistemas de geração eólica ou fotovoltaica. Também podem ser usadas em conteineres de baterias: por exemplo, nos Estados Unidos, há empresas que acumulam energia durante a noite, quando o custo é menor, para vendê-la durante o dia.
Mas, e depois dessa segunda vida?
As baterias contêm muito lítio, que pode ser reciclado e reaproveitado. Algumas empresas já estão trabalhando nessa reciclagem, mas a escala ainda é pequena ante o mercado potencial. Com a possibilidade de uma "segunda vida" os preços poderão cair. E em breve as baterias serão mais leves, eficientes e seguras. Eu mesmo pude assistir a um ensaio destrutivo aqui em Shenzhen, em que uma bateria é perfurada com violência, mas não pega fogo.
Além dos ônibus, que outras alternativas de transporte coletivo são estudadas ou já disponíveis para as cidades brasileiras?
A BYD está pronta para atender a qualquer necessidade de mobilidade, sobre pneus ou trilhos. Cabe lembrar que a fábrica da BYD em Shenzhen conta com um monotrilho para transporte dos milhares de funcionários.
Por fim, uma provocação: o que é melhor para a BYD: produzir e vender milhares de veículos para o transporte público ou vender automóveis elétricos?
Nós consideramos todas as modalidades de transporte, sejam coletivas ou individuais, sem distinção.