Há quase 10 anos a professora Ariadne Heloisa Gomes, moradora do centro de Osasco (SP), tomou uma decisão que deixou parentes e amigos perplexos: trocou o ônibus pela bicicleta no seu trajeto entre casa e trabalho. Na época, foi chamada de louca, maluca e irresponsável por pedalar nas perigosas ruas de sua cidade, onde ciclovias eram (e até hoje são) praticamente inexistentes.
Apesar da contrariedade, Ariadne consolidou sua rotina de sair de casa pedalando até a estação de trem, onde embarca rumo ao trabalho nas cidades vizinhas, exatamente como faz um grande —e desconhecido— número de osasquenses, que por economia, saúde ou consciência socioambiental, decidiram se locomover usando bicicletas.
A escolha de Ariadne começou quase simultaneamente com uma iniciativa liderada pelo coletivo CiclOsasco, que no início de 2014, vendo a falta de estruturas cicloviárias e o aumento da circulação de bicicletas no município, propôs à prefeitura uma contagem de ciclistas a fim de gerar um debate sobre a necessidade de um sistema de ciclovias.
Ariadne Heloisa Gomes: bicicleta e trem urbano Foto: Arquivo pessoal
"Nós precisávamos convencer a Secretaria de Transportes que tinha ciclista usando as vias da cidade", disse o ferroviário Ricardo Galdini, um dos fundadores do coletivo, ao lembrar a iniciativa. Galdini conta que a prefeitura, então gerida por Jorge Lapas (à época no PT), aceitou a sugestão da contagem, e o trabalho foi feito pelos próprios cicloativistas, a partir de um método desenvolvido por Klaus Schramm, outro fundador do CiclOsasco.
A princípio, o trabalho serviria para orientar a demarcação de ao menos algumas ciclorrotas. "A gente basicamente confirmou o que já se sabia, que Osasco tinha sim muitos ciclistas", lembrou Galdini. Na época, o resultado trouxe à cidade um panorama completo da circulação de ciclistas, com dados divididos por região, gênero, faixa etária, tipo de via, sentido do fluxo e barreiras impeditivas às bicicletas. A contagem seguiu sendo lapidada pelos idealizadores, a ponto de servir como referência para o Plano de Mobilidade de Osasco de 2016, que cruzou os resultados obtidos pelo CiclOsasco com a pesquisa Origem e Destino, do governo paulista.
"A pesquisa indica uma concentração de viagens tendo a bicicleta como modo principal fazendo a ligação entre a porção centro-sul e nordeste, com cerca de 1,3 mil viagens diárias", diz o caderno editado pela prefeitura em 2016, que traz 226 páginas de análise e propostas para resolver o que chama de "trânsito hostil".
O documento lembra também que a Política Nacional de Mobilidade Urbana, uma lei federal de 2012, tem como objetivo geral priorizar os modos de transporte ativo sobre os motorizados, e o "reconhecimento da bicicleta como meio de transporte urbano".
Segundo a vereadora Juliana Curvelo (PSOL), além da dificuldade "gigantesca" no acesso às estações, as pessoas com deficiência também encontram obstáculos nas calçadas de Osasco: "faltam guias rebaixadas, espaço apropriado para cadeirantes e falta treinamento para os motoristas dos ônibus atenderem melhor essa população". Curvelo também mostrou indignação com a rede cicloviária da cidade e com a oferta de bicicletários. "Quando tem bicicletário, o espaço é insuficiente e o horário é muito restrito", disse.
Vereadora Juliana Curvelo denuncia a falta de acessibilidade Foto: PSOL
Galdini, que acompanhou a criação do primeiro bicicletário da cidade em 2012, na estação Osasco, diz que a falta de espaço do equipamento obriga trabalhadores a amarrarem suas bicicletas no entorno da estação, e chama a atenção para a estagnação da administração municipal, do prefeito Rogério Lins (Podemos), em relação às estruturas cicloviárias: "Lá em 2016, na criação do Plano de Mobilidade, estabeleceram o prazo de um ano para criar um plano cicloviário e um plano de mobilidade a pé. Até hoje não foi feito, e a cidade tem apenas três trechos cicloviários, pequenos e desconectados".
Único na cidade, bicicletário da Efstação Osasco está sempre lotado Foto: Ricardo Galdini
O que diz a Prefeitura...
Questionada sobre a estrutura atual e projetos de melhoria, a Prefeitura de Osasco emitiu uma nota relacionando 3,4 km de ciclovias e uma ciclofaixa de lazer com 7 km, (que opera em horário limitado aos domingos e feriados). Disse que estão em estudo "percursos e trajetos de áreas cicláveis na cidade de Osasco, bem como implantação de paraciclos e bicicletários em pontos estratégicos da cidade". A gestão negou a existência de qualquer contagem de ciclistas e não respondeu sobre o desenvolvimento de um plano cicloviário.
...E a Via Mobilidade
Em nota, a ViaMobilidade informou que "adota constantemente procedimentos de melhorias operacionais para facilitar o acesso de usuários com bicicletas. Em conformidade com padrão do sistema de transporte de São Paulo, todas as estações possuem uma cancela (portinhola) ao lado da linha de bloqueios que pode facilitar o acesso. Com o processo de revitalização, previsto no Contrato de Concessão, todas as estações vão receber paraciclos para o estacionamento. De segunda a sexta-feira, os ciclistas podem acessar os trens entre 10h e 16h e das 21h às 24h. Os AAS (Agentes de Atendimento e Segurança) são orientados e treinados para viabilizar o acesso dentro dos horários estabelecidos, de forma a respeitar os níveis de conforto e segurança. Qualquer problema que o cliente venha a enfrentar, com restrição de acesso dentro dos horários definidos, solicitamos que nos informem para que possamos tratar pontualmente."
Osasco em Dados
Prefeito: Rogério Lins Wanderley (Podemos)
População: 728.615 habitantes
Área: 64,9 km2
Densidade demográfica: 11,2 mil habitantes/km2 (4º município mais denso do país)
PIB: R$ 76,3 bilhões (7º município mais rico do país)
Frota de automóveis: 293 mil unidades (20ª do país)
*Texto publicado originalmente na coluna Ciclocosmo, no site da Folha de S.Paulo, com o título "Em Osasco, apelo por ciclovias completará 10 anos".
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