Há pouco mais de um ano, Porto Alegre começou a receber novos abrigos de ônibus, em substituição às antigas paradas, muitas das quais já bastante danificadas. São fruto de mais uma concessão da atual gestão da prefeitura. Em que pese não tenham passado por algum tipo de concurso, as estruturas estão ajudando a revitalizar esses espaços importantes da vida cotidiana na cidade.
A instalação desses abrigos privilegiou inicialmente áreas centrais e nobres de Porto Alegre. Conforme a própria prefeitura, esse novo modelo de parada começou a chegar às periferias só em agosto, com promessa de instalação de 91 delas em Lomba do Pinheiro, Restinga e Rubem Berta até fevereiro de 2024. Até então, 330 abrigos já tinham sido alocados em outras regiões da capital. Assinado dentro do contexto de concessões da gestão [Sebastião] Melo, o contrato que o município assinou prevê a instalação e a manutenção de 1.507 desses abrigos ao longo de 20 anos, a contar de 2022.
A concessionária Eletromídia é a responsável pela instalação, gestão e manutenção dos abrigos, que contam com dois tipos distintos de estrutura: A (com quatro assentos) e B (com três assentos disponíveis). Parte dos abrigos instalados são sustentáveis, com placas fotovoltaicas para geração de energia. Além disso, quase 20% das estruturas disponibilizam acesso gratuito ao wi-fi, com conexão 5G.
Não há dúvidas que a disponibilidade do acesso à tecnologia é um avanço relevante. No entanto, o modelo da concessão que está sendo implementado deixa de lado questões prévias e essenciais, como a manutenção das calçadas e uma melhor sinalização para pessoas com deficiência.
Sem questionar o design usado para os abrigos, o departamento gaúcho do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB RS) chama a atenção para uma possível falta de um estudo mais transparente quanto à aplicação dos módulos, conforme a demanda dos locais. Aparenta não haver uma pesquisa aprofundada a respeito e seria desejável a prefeitura apresentar um modelo de um abrigo estendido, e não apenas instalando meramente sequencial, como ocorre em alguns casos.
A propósito, quanto ao tamanho da estrutura, o IAB RS chama a atenção da sociedade ao não notar essa renovação dos abrigos nos corredores de ônibus da cidade, por onde passam centenas de milhares de trabalhadores diariamente. Se é sem dúvida um local mais confortável enquanto se espera pelo transporte coletivo, a população precisa ser atendida desta forma. Além disso, é preciso manter uma unidade estética do mobiliário urbano.
Tinha um display no meio do caminho
E tão intrínseca ao uso, distribuição e adequação dos novos abrigos está a discussão a respeito de sua comercialização, este sim um ponto a ser criticado. O modelo a partir do qual a concessão foi construída autorizou a instalação de displays publicitários, como contrapartida à empresa. Desta forma, a calçada acaba sendo comercializada para que um ente privado arrecade dinheiro.
Já são mais de duas centenas desses totens, que foram autorizados a ficar distantes até 40 metros dos abrigos, mas que ainda assim tornaram-se parte do mobiliário urbano de Porto Alegre. Para o IAB RS, uma série de críticas deve ser feita, começando pelo desrespeito com as pessoas com deficiência, a partir da falta de um piso tátil no entorno dos displays. Em não tão raras situações, os displays acabam por prejudicar pedestres, atrapalhando a mobilidade principalmente de crianças e idosos, como ocorreu na virada do ano, quando um desses equipamentos havia sido instalado em pleno Brique da Redenção – posteriormente foi retirado.
Outras questões estruturais devem ser levadas em consideração, como a desproporcionalidade da estrutura em alguns locais, especialmente onde a calçada é mais estreita. Tal display consegue, simultaneamente, atrapalhar pedestres, não ter utilidade aos usuários dos ônibus e, não bastasse, poluir visualmente as ruas.
Essenciais no mobiliário urbano, paradas precisam garantir segurança
Tal cuidado e atenção com os abrigos provém da compreensão do IAB RS das paradas dos ônibus como parte essencial do cotidiano urbano. Essenciais e sensíveis a partir de serem um local onde a maioria das mulheres se sentem inseguras, como apontou a pesquisa “Meu Ponto Seguro”, realizada pela Think Olha e a consultoria ASK-AR. Não custa lembrar que vivemos numa sociedade em que mulheres são maioria dentre a população, e também compõem o maior contingente de usuários do transporte público.
Há diversos fatores para se construir a segurança no entorno e num abrigo de ônibus. No entanto, ainda sobre segurança, não é possível contentar-se com a possibilidade apresentada pela empresa concessionária de uma conversa com um atendente através do painel alocado ao lado da parada.
Abrigo instalado em agosto passado no bairro Lomba do Pinheiro Foto: PMPA
A mesma pesquisa cita que as mulheres relacionam segurança a trajetos com maior circulação de pessoas e mais iluminados, por exemplo. Ainda que a iluminação não deixe de ser um ponto positivo dos novos abrigos de Porto Alegre, outras questões – e de responsabilidade do poder público – se envolvem com este debate, e o IAB RS espera ver comprometimento tanto nos abrigos das regiões centrais, quanto na periferia.
Uma novidade interessante dos abrigos e que também se relaciona à segurança é o painel com informações sobre o tempo de chegada dos ônibus às paradas. Infelizmente, esse display está numa minoria dos abrigos novos. A previsão é que chegasse a 39 neste ano, o que representa menos de 15% das estruturas já instaladas. Quanto dessa tecnologia está disponível em bairros menos centrais?
O IAB RS acredita ser necessário reconhecer a importância da renovação destes mobiliários urbanos em Porto Alegre. Entretanto, a prefeitura precisa garantir maior qualidade na instalação deles, respeitando a padronização necessária no espaço público e não inviabilizando o ir e vir dos pedestres por meio de uma verdadeira obstrução das calçadas a partir dos displays dos “parceiros”.
*Paula Motta é copresidenta do IAB RS
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