Calçada também dá voto, senhor prefeito

Candidato à reeleição, prefeito de São Paulo Ricardo Nunes investe R$ 1 bilhão no recapeamento das vias. Mas as calçadas seguem esquecidas...

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Marcos de Sousa/ Mobilize Brasil  |  Postado em: 13 de julho de 2023

Obra de recapeamento na zona sul de São Paulo

Obra de recapeamento na zona sul de São Paulo:

créditos: Programa Recape


O atual prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), parece ser obcecado por asfalto. Nesta semana, a Prefeitura anunciou com banda e queima de fogos a marca de 8 milhões de metros quadrados de pistas recapeadas ou em processo de reasfaltamento dentro de um programa municipal para recuperação das pistas, o Recape.  A cidade precisa mesmo de programas de manutenção permanente das pistas por onde circulam milhares de carros, motos, caminhões e ônibus. E Nunes precisa de votos para 2024.


O programa tem uma face sedutora. As vias foram escolhidas com base no Decreto 50.917/2009, que estabelece os seguintes parâmetros: "volume diário de trânsito; demanda de transporte coletivo sobre pneus; condições do pavimento existente; histórico de operações de conservação de pavimentos viários; e outras demandas da comunidade."

 

 

Conforme a Prefeitura, a seleção foi feita também com base em um mapeamento de todas as vias asfaltadas da cidade, a partir de dispositivos acoplados em carros de aplicativos e táxis que permitiram verificar diariamente as condições do asfalto. Outro aspecto destacado no programa foi a adoção de materiais reciclados nas obras de recapeamento. O material é fresado, reprocessado com uma mistura asfáltica de polímeros e fibras, borracha moída, além de concreto reciclado, granulado na forma de pedriscos. Tudo parece muito bom, sustentável e seguro. Mas...

 

Asfalto novo, calçada velha
As pesquisas origem-destino realizadas na capital paulista revelam que os automóveis transportam pouco mais de 30% das pessoas que se deslocam na cidade. Os restantes 70% são feitos a pé, e em transportes públicos, além de uma parcela crescente de viagens com bicicletas.


Surge daí a questão: por que tanto empenho em recapear as vias, sinal evidente de estímulo ao uso de automóveis individuais? Por que não investir prioritariamente no transporte público, nos ônibus que ficam presos no mar de carros que ocupam essas avenidas?


Quem circula a pé ou de bicicleta pela cidade também nota o contraste entre o pavimento brilhando de novo e o estado de abandono das calçadas por onde passam crianças, idosos, pessoas com deficiências, e também ciclistas, porque as ciclovias simplesmente desaparecem debaixo das novas camadas de asfalto. Somem nas obras as faixas de pedestres, as ciclofaixas e toda a sinalização de solo, sem que nenhuma alternativa seja colocada para orientar pedestres e também motoristas.


Em 2019, o Mobilize Brasil realizou um amplo levantamento das condições de calçadas e da sinalização para pedestres em todas as capitais brasileiras, incluindo São Paulo. O trabalho realizado há quatro anos avaliou as áreas próximas a equipamentos públicos, como escolas, hospitais, centros de saúde, delegacias e outros equipamentos públicos que são de responsabilidade do poder público.


Em seguida, talvez por coincidência, a gestão do então prefeito Bruno Covas iniciou um programa de manutenção de calçadas nas vias com maior circulação de pedestres. Não foram obras exemplares, mas apontavam um caminho de restauração dessas vias de caminhar. Infelizmente o processo foi abortado e as calçadas hoje - mesmo em avenidas referenciais como a Paulista - estão repletas de fraturas, buracos, tampas soltas e outras armadilhas para caminhantes.

 

Calçada no acesso ao Detran-SP, nas proximidades da av. Santos Dumont, que passa por recape asfáltico Foto: Mobilize



Mil quilômetros de calçadas
O chamado Programa Recape envolve um investimento inicial de R$ 1 bilhão, conforme o site da Prefeitura. Considerando o custo médio de execução de uma calçada de concreto na RMSP*, com o mesmo investimento, seria possível reconstituir entre 1.000 km e 1.200 km de passeios, com largura média de 2 metros. É pouco, se comparado aos 17 mil km oficiais ou aos 20 mil km de vias que a cidade realmente tem, conforme um levantamento realizado em 2019 pela própria gestão municipal.  

 

Mas também são irrisórios os 8.000.000 m2 de asfalto ostentados pela Prefeitura: correspondem a somente 400 km de vias, considerando pistas com largura média de 20 metros. Ao final do programa Recape, se os números publicados forem cumpridos, a Prefeitura terá recuperado 20 milhões de metros quadrados de asfalto, o que corresponderá a cerca de 1.000 km de avenidas. Nada mal, porém...


Cidades não são rodovias
Cidades são estruturas para o convívio, o encontro, a vivência cotidiana, os namoros, as brincadeiras infantis, além das atividades econômicas, que geram trabalho e renda. Assim, mesmo em meio a obras, é fundamental que se preserve alguma segurança, algum conforto para as pessoas que passam ou moram nessas ruas.

Quem circula a pé ou de bicicleta pelas proximidades das obras já deve ter notado o emporcalhaento das calçadas com o material asfáltico que se espalha ao redor das máquinas e trabalhadores. Se a sujeira é inevitável, que se faça uma limpeza, uma simples varrição ao final de cada jornada de trabalho. Não dá para desconsiderar que esse "lixo", esses pedriscos de betume espesso resultantes do petróleo, são poluentes e vão parar nos bueiros e rios. 

 

E já que a cidade está em obras, sugerimos ao prefeito um programa paralelo para avaliar e refazer todas as calçadas nesses 1.000 km de vias que serão recapeadas. Afinal, sr. Nunes, os pedestres também são eleitores. E são a maioria.

________________
*Nota:
O custo médio para uma calçada de concreto, aferido na RMSP, varia entre R$ 200 e R$ 400 por metro quadrado. E conforme a Tabela de Custos Unitários para Infraestrutura Urbana utilizada pela Prefeitura, o custo para execução de passeios com ladrilhos hidráulicos era de R$ 222,70 em janeiro de 2023.

 

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