Dez anos após protestos, SP cogita a tarifa zero

Proposta poderia evitar o colapso do sistema de ônibus da capital, que perdeu 30% de seus passageiros desde 2013 em função do aumento das tarifas

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Fonte: Agência Brasil  |  Autor: Bruno Bocchini / Agência Brasil*  |  Postado em: 06 de junho de 2023

Contra tarifa, manifestantes ocuparam as ruas de S

Contra tarifa, manifestantes ocuparam as ruas de São Paulo

créditos: Marcelo Camargo / Agência Brasil 2013


Dez anos após o início dos grandes protestos de 2013 contra o aumento da tarifa do transporte coletivo público na capital paulista, a Prefeitura de São Paulo estuda a adoção da "tarifa-zero" na cidade.
O projeto está sendo desenvolvido pela São Paulo Transporte (SPTrans), empresa pública que faz a gestão do transporte no município.

 

A prefeitura e a empresa informam que o estudo ainda não está pronto, mas que já foram recebidas 37 manifestações da sociedade civil relativas ao projeto. “A SPTrans irá analisar e considerar todas as manifestações recebidas neste chamamento e incorporar o que couber aos estudos em andamento”, disse, em nota, a prefeitura.

 

Presidente da subcomissão da Tarifa Zero na Câmara dos Vereadores de São Paulo, o vereador Paulo Frange (PSB) afirma que a intenção da administração municipal é implementar gradativamente o passe livre, iniciando, por exemplo, pelas pessoas do Cadastro Único (CadÚnico) - base de dados do governo federal que serve para identificar e conhecer as pessoas e famílias mais vulneráveis.


“Estamos acreditando que a gradualidade é possível. São Paulo tem saúde financeira para isso neste momento”, destaca. Segundo ele, o financiamento do sistema não será feito com aumento ou a criação de taxas ou contribuições. “Temos que fazer nossa engenharia econômica dentro dos ajustes nossos, mesmo que demore um pouco mais. Mas não temos como criar mais nada que possa aumentar a receita com tributação maior. Não passa pela proposta do governo municipal e também não passa pela Câmara esse tipo de pensamento”, completa o vereador.


O transporte coletivo público da capital paulista custa cerca de R$ 12 bilhões por ano. Aproximadamente metade disso é paga pelos cofres da administração municipal. A outra metade é bancada pelos usuários do sistema que compram passagem. É essa quantia, de cerca de R$ 6 bilhões por ano, que precisaria ser financiada para o passe livre ser possível.


De acordo com Frange, entre as propostas de financiamento está a utilização dos recursos do vale transporte, que renderiam à prefeitura R$ 2,8 bilhões por ano. Para isso, no entanto, seria necessário alterar a legislação federal. “Nós teríamos que encontrar amparo na legislação federal para que os recursos do vale transporte - aquilo que as empresas hoje patrocinam para seus funcionários – viessem para os cofres do município e não direto no salário de cada um. Já seriam mais 2,8 bilhões para fechar essa conta”.

 O presidente da subcomissão cita ainda a possibilidade de novos recursos gerados pela exploração de publicidade nos veículos do transporte coletivo, além da utilização dos valores da Contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide-combustíveis), que hoje são repassados ao governo federal.



Fonte: Agência Brasil

 

 Em SP, ônibus perdeu 30% dos passageiros
O transporte coletivo da capital paulista perdeu 30% ou quase um terço de seus passageiros nos últimos 10 anos. Em 2013, o sistema transportou 2,9 bilhões de passageiros, número que caiu para 2,04 bilhões em 2022. No mesmo período, a população da cidade cresceu 3,2%, de 11,8 bilhões de pessoas para 12,2 bilhões.


A queda no número de passageiros foi acentuada durante a pandemia de Covid 19, a partir de 2020. No entanto a redução já era visível no período anterior, de 2013 (2,9 bilhões de passageiros transportados) a 2019 (2,6 bilhões), período em que caiu 9,8% e a população da cidade aumentou 3,6%. Os dados são do pesquisador Daniel Santini, baseados em informações da Prefeitura.


“Em 2013 eram 3 bilhões [de viagens] por ano. Em 2022 foram 2 bilhões. Nosso sistema encolheu em um terço. Se a gente passar por mais 20 anos assim, ele desaparece”, destaca Santini, que desenvolve pesquisa na Universidade de São Paulo (USP) sobre políticas públicas de tarifa zero.


“Não é só a Covid 19 [que causou a queda no número de viagens], a gente tem uma crise em curso. Havia uma linha dessa tendência, mesmo antes da Covid. Entre 2013 e 2019, São Paulo já tinha perdido cerca de 10% do número de passageiros, o que é muita coisa; e de 2013 até 2023, perdeu 30%”. Daniel Santini é autor do livro Passe Livre: as Possibilidades da Tarifa Zero contra a Distopia da Uberização, e coorganizador do livro Mobilidade Antirracista. Segundo o pesquisador, o encolhimento das viagens em São Paulo é representativo do que está ocorrendo nas demais cidades do país. Ele afirma que a forma de financiamento do sistema, baseada na cobrança de passagens nas catracas, cada vez mais caras, está se esgotando, e precisa ser repensada.


“Com esse encolhimento, torna-se mais difícil o equilíbrio financeiro a partir da receita da catraca. Para equilibrar, você tem que aumentar a passagem; o aumento da passagem torna o sistema mais excludente, e o desequilíbrio se aumenta porque você tem a redução do número de passageiros”.


Outra forma que tem sido adotada para enfrentar o problema da diminuição do número de passageiros, lembra Santini,  é redução da quantidade de ônibus nas ruas. “Se você não quer aumentar a passagem, o que que você faz? Você reduz a frota circulante; mas reduzindo a frota circulante, menos gente vai usar o ônibus e, de novo, você tem o mesmo problema”.


Tarifa proibitiva
O engenheiro Lúcio Gregori, secretário de transportes da gestão de Luiza Erundina na prefeitura (1989-1993) e elaborador do Projeto Tarifa Zero em São Paulo, afirma que, com as seguidas elevações no preço das tarifas do transporte, parte da população deixou de ter condição financeira de se locomover pelo transporte público.


“[A diminuição das viagens é decorrência] de reajustes de tarifas cada vez maiores; por exemplo, em função do aumento do preço de combustíveis. Mas no geral, a questão é tarifária. Quer dizer, a tarifa foi aumentando numa proporção que os usuários foram perdendo as condições de pagá-la e foram deixando de usar o transporte coletivo. Fundamentalmente é isso”.


A redução no número de viagens no transporte público urbano pode ser constatada também em nível nacional, a partir dos números da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). Os dados consideram as viagens mensais nas capitais Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Tomando o mês de abril como referência, foram feitas, em 2013, 381,1 milhões de viagens, ante 282,7 milhões em abril de 2019 (antes da pandemia), e 202,9 milhões, em 2021. Em 2020, no auge do isolamento sanitário, foram apenas 92,4 milhões de viagens, o que gerou forte crise no sistema de transporte dependente da tarifa paga nas catracas.

 

*Texto editado a partir de matérias de Bruno Bocchini da Agência Brasil.
Leia as matérias originais:
Dez anos após protestos, prefeitura de SP estuda adoção de passe livre
SP: transporte público da capital perdeu 30% dos passageiros


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