Hoje, 5 de junho, é o Dia Mundial do Meio Ambiente. A data é um alerta à degradação ambiental provocada pelas atividades humanas e foi formalizada em 1972 durante a 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, na Suécia. “Os impactos ambientais causados pelo homem no meio natural se tornaram um problema urgente tanto para os países desenvolvidos quanto para os em desenvolvimento, e esses problemas precisam da cooperação internacional para serem resolvidos”, destacava a Declaração de Estocolmo.
Meio século depois a humanidade começa a sentir na carne os efeitos graves das mudanças climáticas geradas pelo excesso de carbono na atmosfera. E como sabemos uma parcela importante dessas emissões é gerada pelos transportes, que ainda são movidos por pequenas fogueiras, no interior de milhões de motores a combustão, boa parte deles transitando nas ruas e avenidas aqui do Brasil.
Para discutir esse tema e os desafios a serem enfrentados para a busca de uma mobilidade "mais limpa" entrevistamos o ambientalista Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e autor de centenas de artigos sobre os problemas ambientais que ameaçam a sobrevivência da humanidade. Bocuhy não vê sentido em propostas que tragam mais carros para as cidades e defende que os governantes privilegiem os transportes públicos com motorizações de menor impacto ambiental.
O Brasil conta com uma legislação bem avançada na área de mobilidade urbana, a Política Nacional de Mobilidade Urbana, que avançou muito pouco nesses 10 anos. De forma geral, em todo o país prevalece a ideia de que a única alternativa realmente funcional de mobilidade é o transporte individual motorizado, com carros e motocicletas. Afinal, o transporte impacta mesmo o ambiente no país?
Impacta duramente. Os programas Proconve (Programa de Controle de Emissões Veiculares) e Promot (Programa de Controle da Poluição do Ar por Motociclos e Veículos Similares) estão atrasados. O Promot, por exemplo estabelece durabilidade de catalizadores para motos com padrão europeu, o que leva à saturação atmosférica por motos que rodam muito mais aqui em função do clima mais ameno. Depois de gastar completamente seus catalizadores, as motos continuam a rodar.
Assim, o Brasil está muito ultrapassado em tecnologia limpa para motos, carros, caminhões e ônibus. Em função disso são mais de 50 mil pessoas vitimadas pela poluição outdoor no Brasil, com bilhões de reais em perdas econômicas decorrentes de gastos com saúde pública e em estimativas decorrentes da perda de produtividade e outros elementos, que inclusive a médio prazo o potencial carcinogênico do material particulado. As áreas urbanas brasileiras apresentam poluição muito acima do índice tolerável à saúde conforme orienta a ciência médica e a Organização Mundial da Saúde.
Agora surge novamente a proposta do "carro popular"...Como o senhor avalia a proposta do governo Lula de estimular a venda de mais automóveis?
Um retrocesso para a matriz de transportes que, ainda mais individualizada, sufocaria o sistema viário e a atmosfera com poluentes. Primeiro porque não é uma medida popular. Estudos apontam que 29% dos brasileiros têm renda familiar inferior a R$ 497 reais. Portanto, estamos falando de 120 meses de poupança de toda essa renda para comprar um carro “popular” de R$ 60 mil. Do ponto de vista ambiental, sufocaria a cidade com mais esse acréscimo de emissões.
Nas discussões do Conama para adoção de novos e mais restritivos padrões de qualidade do ar, propostas pelo Proam, as perspectivas de mercado levaram à frágeis metas sem prazos, que foram aprovadas com aval do governo, indústria e Cetesb. A norma acabou judicializada e terá que ser revista por decisão judicial. Assim, indústria e governos estão procrastinando as medidas que poderiam despressurizar a poluição nas grandes áreas urbanas, que continuam reféns aguardando melhor tecnologia, que caminha a passos de tartaruga – e de uma política de sustentabilidade com estímulo ao transporte coletivo, que como se observa continua fora das propostas do governo.
Uma das motivações, segundo o governo, seria a geração de empregos e a dinamização da economia. Não seria mais razoável, a médio prazo, estimular a cadeia produtiva do transporte público, com trens, metrôs, ônibus, barcas etc.?
A proposta do "carro popular" beneficiaria apenas a cadeia de produção automotiva, a mesma que se recusa no Conama a colocar nos veículos melhores dispositivos para controle de poluição. Além disso, a priorização da matriz rodoviarista vem destruindo os modais sustentáveis, como o transporte sobre trilhos. Quanto mais rodoviarismo, mais atrasos com relação à sustentabilidade, ao bom transporte público. Basta olhar para a Califórnia e outros estados americanos para entender que o transporte individual é uma alternativa insustentável.
O setor automotivo tem apostado seu futuro em duas frentes: a dos combustíveis de fontes renováveis ou de menor impacto (biogás, álcool e biodiesel) e nos veículos elétricos. Mas todas as opções também trazem problemas ambientais. Seria possível pensar em uma equação que aponte para um futuro com emissões zero e atenda às várias necessidades regionais do país?
Não há dúvida de que a alternativa para diminuir impactos são as opções menos individualizadas para a mobilidade. Apenas a substituição do potencial individualizado vigente por matriz elétrica implicaria em volume assustador de baterias poluentes e altíssima produção energética. Voltamos à equação a ser solucionada: em metrópoles, o estímulo ao transporte individual é desastroso.
A solução seria a adoção de veículos com melhor tecnologia, menos poluentes, no mínimo detentores da geração de motores Euro 6, que mesmo a diesel emite 90 % menos poluição. Há formas de adaptação sobre a frota à diesel circulante. A Alemanha implementou o programa “nenhum diesel sem filtro” que obteve bons resultados para a redução da poluição do chamado black carbon*. Assim mesmo, resta o problema do carbono, de efeito nocivo para o aquecimento global. É preciso pensar que cada ônibus ou caminhão inserido hoje no mercado irá rodar por 20-25 anos. E que cada tonelada de carbono inserida na atmosfera lá permanecerá por mil anos.
Falando ainda de combustíveis, o Brasil pode ser um importante produtor do chamado hidrogênio verde, que seria uma boa fonte para a motorização elétrica sem a necessidade de tantas baterias de lítio. Por outro lado, o transporte desse gás exigirá caminhões, trens e barcos...Entre a energia elétrica transportada pelas redes já existentes e uma futura produção de H2v o que seria mais interessante para o país?
A questão é que estamos aquecendo o planeta mais rápido do que se esperava e os impactos vem sendo mais fortes do que se esperava. A produção de H2v ainda exige muita energia, e cerca de 520 usinas projetadas no mundo precisarão de investimentos de US$ 160 bi. Se a produção atingir a perspectiva esperada de 600 bilhões de toneladas por ano, na projeção atual da demanda, essa tecnologia poderá suprir em 2050 cerca de 22% da energia global. Mas até lá “Inês é morta”. Se as medidas de substituição de energia limpa não forem acompanhadas do decréscimo rodoviarista, já teremos ultrapassado provavelmente 3 graus Celsius de aquecimento médio e lançado o mundo em convulsão climática.
Não há dúvida de que os modos de transporte coletivo com energia limpa são a grande saída para as grandes cidades.
Por fim, um dilema que envolve não apenas a questão da mobilidade. A maioria absoluta da população brasileira vive em áreas urbanas. O índice indicado em 2010 era de 85%, mas foi revisado pelo próprio IBGE para ~ 70%). Isso significa que ao menos 150 milhões de pessoas se apertam em um território menor do que a da Paraíba. Não há aí um desequilíbrio perigoso?
Sim, é um desequilíbrio. A concentração de populações e atividades humanas em pequenos espaços geográficos sobrecarrega ecossistemas naturais e retira possibilidade de qualidade de vida. Estamos diante do fenômeno que caracteriza o Antropoceno, a fase civilizatória das metrópoles, que extrapolam os limites das alterações aceitáveis dos ecossistemas.
Veja a situação de São Paulo, não estamos mais falando de uma metrópole mas sim da macrometrópole que agrega praticamente duas centenas de cidades sem “interlands”, espaços que permitiriam serviços ambientais como produção de água, biodiversidade, refrigeração. E quando tratamos da poluição decorrente da matriz de transporte, são milhões de carros e motos que sobrecarregam a atmosfera com carbono (CO2) e precursores de ozônio (O3), elementos que provocam problemas de saúde pública e até morbidade.
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*Nota: Black Carbon, ou carbono negro são partículas nanométricas presentes nas emissões dos motores a diesel que invadem o sistema respiratório dos seres humanos e respondem por cerca de 30% do efeito estufa.
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