Em busca da educação nas ruas

Publicação para professores aborda os temas da mobilidade urbana e propõe atividades didáticas para crianças e adolescentes. Entrevistamos Silvia Stuchi e Fátima Lima

Notícias
 

Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Mobilize Brasil  |  Postado em: 24 de maio de 2023

Crianças caminham e vivenciam o entorno de uma esc

Crianças caminham e vivenciam o entorno de uma escola

créditos: Prefeitura de Arapongas (PR)


Uma série de livros sobre mobilidade urbana sustentável voltados a professores do ensino fundamental e ensino médio acaba de ser lançada pela Fundación Mapfre, com apoio técnico de educadores e especialistas em mobilidade. São cinco volumes criados para apoiar o trabalho dos mestres na discussão dos problemas de transporte que desafiam o futuro das cidades brasileiras.

Para saber mais sobre esse trabalho, entrevistamos Fátima Lima, representante da Fundação Mapfre no Brasil, e a urbanista Silvia Regina Stuchi Cruz, diretora do Instituto Corrida Amiga, ativista com ampla experiência em ações com crianças, e uma das autoras do módulo “A Escola e a Mobilidade Sustentável” no programa Educação Viária é Vital, da Fundación Mapfre.


Que motivos levaram a Fundación Mapfre a investir nesse programa de educação para a mobilidade, com ênfase na sustentabilidade?

Fátima Lima: Considerando os dados globais sobre sinistralidade no trânsito, falar sobre mobilidade se torna estratégico para a Fundación Mapfre, braço social da Mapfre, que tem o compromisso de incentivar a educação da população sobre essa temática. A questão do trânsito é um grave problema social e o programa Educação Viária é Vital tem sido muito importante para ajudar a reverter esse cenário e desenvolver crianças e jovens cada vez mais conscientes e responsáveis quando o assunto é segurança viária.


Fátima Lima, da Fundación Mapfre Foto: Fundación Mapfre 


O Brasil, infelizmente, ostenta altos índices de sinistros de trânsito e uma das explicações para esse cenário está no comportamento inadequado e inseguro de brasileiros no trânsito urbano e em rodovias. Daí a importância de levar o debate sobre segurança viária e transporte seguro para dentro da sala de aula. Nós apostamos na educação como um caminho seguro e viável para a transformação da convivência nos espaços públicos.

O programa está voltado para a  capacitação de educadores que desenvolvem trabalhos escolares em sala de aula porque reconhece o papel do professor no processo educacional e de formação de cidadãos mais conscientes. Assim, em primeiro lugar procura mudar a forma como os alunos e os próprios professores se relacionam com o trânsito no entorno das escolas onde é realizado. Junto com eles, buscamos melhorar as condições de circulação viária e a transformação das ruas em espaços de convivência e cidadania. E os professores são os atores principais dessa iniciativa.


O conceito de mobilidade sustentável sugere a redução do uso de carros particulares. De que forma as publicações trabalham o desestímulo a esse tipo de transporte individual?
Silvia Stuchi: Os livros procuram oferecer uma visão ampla sobre mobilidade, com toda a complexidade que o tema requer.. Os caminhos para a mobilidade urbana sustentável e segura exigem lidar com políticas urbanas integradas,  com visão sistêmica, interdisciplinar, intersetoriais e intersecretariais. Isso porque a pauta da mobilidade é transversal a muitas outras. Nós procuramos abordar o conceito da mobilidade de uma forma dinâmica, mostrando a evolução do sentido que o termo “mobilidade urbana” vem ganhando. Apresentamos os modos ativos - a pé, por bicicleta -  e sua relação com a acessibilidade, a saúde pública e a justiça climática, no sentido de pertencimento e direito à cidade.

Tratamos dos deslocamentos na cidade também como uma forma de ocupação do espaço urbano e de convivência social. Desta forma, apresentamos as cidades como lugares para se estar, para viver, e as ruas como espaços públicos que integram várias funções e usos. Temos que abordar as  vias urbanas para além do ponto de vista da circulação e segurança dos meios de transporte. 

Então, o desestímulo ao transporte individual é tratado por meio de dados, referências e evidências que apresentam os impactos negativos socioambientais do sistema que privilegia os carros. Há também propostas de atividades que levantam estratégias que abrem espaço para a migração de modal, a partir do desestímulo ao uso do automóvel e estímulo ao transporte público e ativo e, consequentemente, trazem melhorias na mobilidade, na cidade e para a sociedade.


A série de livros é dirigida aos professores....Mas, como é feita a interface com os alunos? Há alguma publicação voltada ao público de crianças e adolescentes? Se não, há planos para essa complementação?
Fátima Lima: A série é parte de uma estratégia educativa que capacita educadores e educadoras. Cabe a esses profissionais levar para dentro das salas de aula as reflexões sobre mobilidade, sustentabilidade, meio ambiente, segurança viária e demais temas abordados no programa.  A ideia é utilizar a coletânea como referência de conteúdo e a pedagogia de projetos como metodologia e estratégia de ensino aprendizagem. No âmbito do programa, professores e estudantes são estimulados a realizarem pesquisas e desenvolver projetos interdisciplinares para a melhoria de seus territórios, com engajamento de toda a comunidade escolar. É uma experiência coletiva, com mão na massa, que proporciona aprendizado.


Um dos aspectos mais importantes do conceito de mobilidade sustentável envolve o estímulo ao caminhar e usar bicicletas nas cidades, formas tradicionais e saudáveis de transporte. No entanto, infelizmente, as grandes cidades raramente oferecem condições de segurança e conforto para essa mobilidade ativa. Como o tema da segurança foi tratado pelas publicações? 

Sílvia Stuchi: Para tratar o tema e buscar ampliar a visão sobre segurança (pública e viária), nós abordamos o potencial das ruas como lugares seguros, acessíveis e economicamente sustentáveis.  Apresentamos a relação entre desenho urbano e mortes no trânsito, com exemplos dos principais desafios, políticas e sistemas de mobilidade urbana mais seguros. Trazemos exemplos de como o espaço urbano pode ser convidativo para pedestres, ciclistas e outros modos ativos, contribuindo para a prática de atividade física e, consequentemente, para a saúde. Lembramos também a “Segunda Década para a Segurança no Trânsito (2021 a 2030)” e  ressaltamos  a importância dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da ONU) e da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável das cidades, trazendo como foco a mobilidade urbana sustentável e as principais diretrizes para melhoria da qualidade de vida.

 



Sílvia Stuchi, do Instituto Corrida Amiga, uma das autoras do trabalho Foto: Arquivo pessoal

 

Outro ponto relativo ao conceito de mobilidade sustentável envolve a eficiência energética dos modos de transportes. Como essa temática foi tratada? Houve alguma correlação com os conhecimentos de ciências, matemática, geografia etc.?
Silvia Stuchi: De modo geral, tratamos eficiência por meio da estratégia “evitar, mudar e melhorar”, trazendo a promoção do planejamento urbano integrado, com a intensificação da ocupação e do adensamento populacional e produtivo nos entornos dos corredores de transporte, a melhoria da eficiência de viagem, com a substituição do modo de transporte urbano de maior consumo de energia (individual motorizado) para os modos de baixo carbono.

Discutimos também as tecnologias para maior eficiência energética de veículos e o uso de combustíveis menos poluentes, bem como na otimização da infraestrutura e na gestão dos sistemas de transporte. E, pensando em cidades de baixo carbono, fazemos a correlação com os conhecimentos de ciências, matemática, geografia, a partir de conceitos de Cidades de 15 minutos, modelo de planejamento e desenho urbano conhecido como Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS), voltado ao transporte público, gestão de mobilidade, mobilidade ativa etc. 

 

O Brasil é um país muito diverso, com cidades de todos os portes, algumas à beira do mar, outras ao longo de rios e lagos. As publicações consideraram essa diversidade?
Silvia Stuchi: Sim. Para que as publicações fossem úteis em diversos contextos, optamos por mapear, sistematizar e apresentar práticas pedagógicas que fossem adaptáveis à diversidade de cenários brasileiros. Nos volumes que trazem os “guias de atividades”, cada publicação traz um capítulo com estratégias pedagógicas para a inclusão do tema mobilidade urbana no currículo escolar.  Também oferece orientações aos educadores para o desenvolvimento de projetos interdisciplinares: como identificar e relacionar competências e habilidades de cada área de conhecimento. Em seguida, há um capítulo com a explicação da estrutura do Guia de Atividades, de maneira que os professores possam identificar e adaptar as práticas pedagógicas sugeridas.


Você pode citar algum exemplo?
Silvia Stuchi: Claro. Por exemplo, na atividade “Mapas dos Trajetos”, realizada em grupos, os alunos e alunas identificam os trajetos mais recorrentes que realizam no bairro e entorno da escola. Em seguida, afixam adesivos indicando o local da escola, a casa onde moram, onde passeiam, e outros locais que façam parte de suas rotinas. Em seguida, na cartolina, qualificam os trajetos e debatem sobre os problemas e qualidades de cada caminho e meios de transporte utilizados para realizá-los.

O diálogo é guiado por perguntas disparadoras, sugeridas no guia, para que os educadores facilitem o processo. Assim, as dinâmicas, aprofundamentos e debates, ao aplicar cada prática, são ancorados fortemente na escuta das experiências vivenciadas por cada estudante.


Questões de gênero e raça também podem interferir nas práticas de mobilidade. Como as publicações trataram esses temas?
Silvia Stuchi: No Volume 1 (conceitual) e nos volumes que apresentam o “Guia de Atividades”, estas questões são explicitadas, pois a mobilidade urbana está totalmente vinculada ao direito à cidade, ao gênero, raça, à diversidade. Chamamos a atenção para a falta de uma visão integrada e interseccionada na mobilidade urbana. Na maioria das cidades brasileiras, os sistemas de transporte foram planejados para atender prioritariamente os deslocamentos pendulares casa-trabalho - periferia e centro - nos horários de pico. E, como sabemos, em geral os percursos diários das mulheres não seguem esse padrão. Problemas semelhantes envolvem as diferenças raciais e de renda, restringindo o acesso à cidade de grande parte da população. Aqui é importante lembrar que a mobilidade, ou melhor, o transporte, é um direito social previsto na Constituição Federal, devendo colaborar com a redução das desigualdades e promover a inclusão social e a garantia de acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais, conforme aponta a Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Nas publicações, há exemplos de práticas e perguntas disparadoras para incorporar esses temas, estimulando e abrindo espaço para que os alunos busquem respostas nos locais em que estão inseridos, além de relacionar outros temas pertinentes à discussão proposta de gênero e raça, como acessibilidade e desigualdade socioespacial. A educação para a mobilidade urbana pode e deve ser trabalhada de forma transversal, sendo vinculada a diferentes áreas do conhecimento e oferecendo ferramentas para o desenvolvimento das diversas habilidades previstas na Base Nacional Comum Curricular.


Por fim, as publicações propõem exercícios práticos, nas ruas, para maior vivência urbana das crianças e adolescentes?
Silvia Stuchi: Sim. Os volumes 2, 3, 4 e 5, apresentam o “Guia de Atividades”, categorizados por Ensino infantil, Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II, e  Ensino Médio, respectivamente. Cada Volume, apresenta um conjunto de atividades pedagógicas de educação para a mobilidade urbana, apresentando, de forma didática e ilustrativa, os objetivos, o conteúdo, as habilidades e as competências de cada prática proposta, além de materiais de apoio, como textos, vídeos, áudios, entrevistas, artigos, referências bibliográficas e ferramentas para serem usadas nos espaços de educação, dentro e fora de sala de aula. 

 

Serviço:
A Escola e a Mobilidade Sustentável
Autoras: Graziela Zanchetta Mingati, Paloma Martins e Silvia Regina Stuchi Cruz
Realização: Fundación Mapfre

Acesse os Volumes 1 a 5 


 

 

Leia também:
Lula, que tal deixar o carro de lado?
Recife lança manual com desenho de "ruas para pessoas"
Estratégia Nacional da Bicicleta lança documento
Manifestantes cobram solução para falhas em linhas de trens em SP
 


  • Compartilhe:
  • Share on Google+

Comentários

Nenhum comentário até o momento. Seja o primeiro!!!

Clique aqui e deixe seu comentário