Velo-City 2023: encontro em Leipzig busca mais espaço para ciclistas

A maior conferência global sobre bicicletas e cidades reúne 1.400 pessoas e lidera a transição para um mundo sobre duas rodas. Brasil também está presente

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: *Denise Silveira  |  Postado em: 09 de maio de 2023

Conferência de abertura, ontem (9), em Leipzig

Conferência de abertura, ontem (9), em Leipzig

créditos: Zafer Pekets


Mais de 1.400 participantes de 60 países estão reunidos até 12 de maio na cidade de Leipzig, no coração da Alemanha, para a conferência Velo-City 2023, maior evento mundial dedicado à bicicleta como meio de transporte. No encontro iniciado ontem (9) no Centro de Congressos de Leipzig (CCL), eles vão debater o que há de mais moderno em governança, inovação, logística, gênero, cultura e educação dedicada ao ciclismo urbano. Entre os participantes há representantes do setor público, da iniciativa privada, da sociedade civil e pesquisadores.


Velo (se fala "velô") é bicicleta em francês e a Velo-City é sinônimo de encontros entre os pares, networking, troca de experiências e novas parcerias. O CCL, prédio de arquitetura contemporânea, onde a luz natural entra através das estruturas envidraçadas, ganhou bicicletas de todos os tipos penduradas como decoração. Mas, a bicicleta aqui está bem longe de ser apenas decorativa.


Post de Georges Gilkinet, vice-primeiro ministro e ministro da mobilidade da Bélgica


A exemplo dos mais importantes fóruns globais, é possível ver autoridades internacionais chegando para a abertura de bike. Como Georges Gilkinet, vice-primeiro ministro e ministro da mobilidade da Bélgica, que não só chegou pedalando como postou o vídeo nas suas redes sociais de todo o trajeto de intermodalidade. Com a bicicleta dobrável, ele fez parte do percurso de trem. As imagens viralizaram como uma chamada para a conferência do ano que vem, que será realizada em Gent, cidade medieval flamenga.


No stand da Bélgica, nada melhor do que ter um ministro como garoto propaganda. O país atrai cicloturistas com ideias criativas, como a única ciclovia dentro d'água, indicada pela revista Time como um dos 100 lugares que você não pode deixar de conhecer no mundo, na reserva natural de Bokrijk, província de Genk, outra cidade medieval. Além de uma rota de bike na copa das árvores, a 10 metros de altura, com vista de 360º  sobre a antiga região mineira de Hechtel-Eksel. As ruas da capital Bruxelas também estão tomadas de bicicletas, patinetes, e a velocidade máxima na maioria das cidades - onde a vida é mais importante do que os carros - a velocidade máxima é 30 km por hora.


Na Velo-city, os palcos são principalmente políticos.
Na plenária de abertura, muitos discursos oficiais de representantes governamentais. Entre eles, o vice-prefeito de desenvolvimento urbano de Leipzig, Thomas Dienberg, o presidente da ECF, Federação Europeia de Ciclistas, Henk Swarttouw, a secretária de Estado de Transporte da Alemanha, Hartmut Höppner, e a secretária de Estado do Ministério do Meio Ambiente da Alemanha, Christiane Rohleder.


Também marcou presença o urbanista criador do conceito da cidade de 15 minutos, Carlos Moreno, professor franco-colombiano da Universidade de Sorbonne, na França. Um conceito urbano onde a pé ou de bicicleta, as pessoas podem chegar em 15 minutos onde precisam a partir de suas casas.


"Precisamos entender por que as cidades de 15 minutos estão se tornando populares [...] Precisamos remodelar as cidades, desenvolver uma vida social de alta qualidade, quebrar a gentrificação e ter uma qualidade de vida humanística [...] Precisamos desenvolver uma nova revolução, a revolução da proximidade", afirmou Moreno, sendo muito aplaudido.


Ano passado, a conferência foi em Liubliana, na Eslovênia, cuja arquitetura é perfeita para pedalar, inclusive em dupla, lado a lado. A inspiração veio de Copenhagen, desde os anos 70. Mas, mesmo depois da realização da conferência em terras eslovenas, especialistas ainda acreditam faltar muito para um ideal cicloviário. Para Matej Praprotnik, jornalista que ostenta o título da iniciativa Bicycle Mayor (prefeito da bicicleta de Liubliana), a maioria do espaço para ciclistas continua compartilhado com pedestres. Além disso, o limite de velocidade no espaço urbano não deveria exceder 30 km/h. "O que falta é coragem para implementar medidas mais ambiciosas, como a que ocorreu em 2007, quando o centro histórico tornou-se uma zona exclusiva para pedestres", afirma Praprotnik.

 

A Velo-City dos brasileiros
No Brasil, o Rio de Janeiro sediou uma edição da Velo-City em 2018, uma realização da Riotur, órgão responsável por promover a cidade no Brasil e no exterior. Infelizmente, não se viu grandes avanços na capital carioca que poderiam ter acontecido inspirados na conferência. Quem usa a bicicleta como meio de transporte ainda sofre com a falta de malha cicloviária e apoio ao ciclista na intermodalidade. O que dizer dos usuários do transporte coletivo, principalmente na região metropolitana, cujos problemas estampam as manchetes dos jornais diários. A superlotação de ciclistas locais e turistas nas ciclovias da orla aos finais de semana também não chama a atenção das autoridades para a necessidade de ampliação do espaço.


Mas, do outro lado da ponte, a esperança vem com a vizinha Niterói. A coordenadoria Niterói de Bicicleta, da prefeitura municipal, faz parte da nata da governança global selecionada para apresentar seu trabalho. Dois trabalhos, na verdade, de suma importância, que deveriam inspirar outras cidades brasileiras e que vão servir de exemplo para o mundo, nas áreas de infraestrutura cicloviária e ações para a primeira infância.

 

Na vida real, o desafio das gestões públicas é bancar um modelo de inclusão que garanta direitos sem despertar a ira dos "carrocratas". Para que isso aconteça, quanto de espaço para as bicicletas seria suficiente? Foi com essa questão em mente que o diretor João Pedro Boechat desenvolveu o trabalho "How much cycling space is enough? The quest for Piratininga", que mostra o processo participativo desde o planejamento à execução da ciclovia da Avenida Almirante Tamandaré.


"O túnel Charitas-Cafubá [sob uma montanha que separa duas regiões de Niterói] alterou a geografia da cidade em muitos aspectos. E vemos isso especialmente na ciclomobilidade, sendo a praia de Piratininga o principal destino das viagens de cicloturismo de todo o município. O perfil de uso da ciclovia da praia de Piratininga é diversificado, com pessoas de toda a cidade pedalando por lá", garante Boechat, provando que a mobilidade ativa é possível.


Se nesse contexto os adultos são esquecidos, imagine as crianças. Por isso, a diretora de educação e comunicação da coordenadoria Niterói de Bicicleta, Helena Porto, desenvolveu o projeto de empoderamento destinado aos pequenos. "On my own feet: Empowering children to move around". Em tradução livre: "Caminhando com meus próprios pés: Empoderando crianças para se movimentarem".


"Dentre os projetos que estamos desenvolvendo com este foco na primeira infância, temos o 'Rotas Caminháveis' , de requalificação urbana perto de áreas cercadas de escolas e equipamentos públicos", conta Porto.


O projeto também incentiva eventos e passeios de bicicleta em família. Desde 2020, a cidade passou a fazer parte da rede Urban 95, da Fundação Bernard Van Leer, da Holanda, que tem como objetivo difundir a inclusão de bebês, crianças e seus cuidadores nas estratégias de mobilidade urbana.


Entre as cidades brasileiras presentes na Velo-city também está Salvador. Liana Oliva, coordenadora do Movimento Salvador Vai de Bike, é observadora oficial da prefeitura. Esta é a segunda vez que participa, a primeira foi no Rio de Janeiro. "Nós entendemos que a participação nesse tipo de evento, especialmente na Velo-city, é de extrema valia para Salvador, porque é uma forma da gente trazer novos projetos, novas ideias e inovar em relação às políticas públicas em prol da bicicleta. Além de entendermos e nos atualizarmos sobre tudo o que está acontecendo no mundo sobre o tema", explica Oliva.


A ideia é apresentar Salvador nesse viés de uma cidade interessada em fomentar a mobilidade ativa e que tem um poder público que pensa, tem esse interesse, e tem consciência em mudar a mobilidade da cidade.


A conferência global Velo-City,  agora em Leipzig, se consolida como o maior evento global do mundo quando o assunto é bicicleta. E renova a esperança de um dia pedalarmos em um mundo melhor, mais fraterno, onde a fronteira que nos separa dos carros seja a educação, o respeito e a dignidade.

 

Veja mais fotos da Velo-City 2023


* Denise Silveira
é jornalista multimídia e cobre a Velo-City desde 2018. Representou a Ciclovia Musical na Velo-City 2019, no painel Mídia Amiga ou Inimiga, com o trabalho de comunicação criado para o evento. Selecionada na Velo-City 2022 com o trabalho independente: "Não podemos atrair mulheres com assuntos sobre homens", onde apresentou a estratégia de comunicação do filme 'Alma de Bicicleta' e a exposição "Ocupação Bicicleta". 


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