Em Brasília, as marcas da devastação rodoviarista

Uirá Lourenço, do blog Brasília para Pessoas, lamenta a perda da cobertura vegetal na capital federal para a abertura de novas pistas e viadutos

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Fonte: Brasília para Pessoas  |  Autor: Uirá Lourenço/Brasília para Pessoas  |  Postado em: 22 de março de 2023

No Parque da Cidade, os pinus marcados para morrer

No Parque da Cidade, os pinus marcados para morrer

créditos: Uirá Lourenço

Texto e fotos: Uirá Lourenço


Sinto grande tristeza a cada árvore marcada que vejo. Na capital federal ‘moderna’ o retrocesso é bem evidente. Árvores são marcadas (numeradas ou pintadas com X) e depois cortadas em obras grandiosas de alargamento de pistas e construção de viadutos.


Centenas de árvores são suprimidas, de várias espécies, de pequeno e grande porte. Os tratores não perdoam. Na mais recente obra do tipo, centenas de árvores foram pintadas no canteiro central da via que passa pelo Setor Policial (as do canteiro lateral já tinham sido marcadas e cortadas). As lindas paineiras estão com os dias contados.


Vale lembrar alguns dos muitos efeitos benéficos das árvores na cidade: sombreamento e conforto térmico, embelezamento, atração de pássaros e outros animais, manutenção de área permeável que contribui para o escoamento da água de chuva. Em tempos de mudança climática, ampliar as áreas verdes é uma das medidas colocadas em prática em cidades que levam a sério a sustentabilidade. Bosques urbanos, hortas comunitárias e transformação de estacionamentos em praças e áreas de convivência são exemplos dessa tendência mundo afora.*

 

Árvores que foram marcadas e cortadas no canteiro lateral da Estrada Setor Policial Militar (ESPM). Maio/2022.




Entre as árvores marcadas no Setor Policial há várias paineiras frondosas, como esta que floresce de forma esplêndida no canteiro central. Maio/22 (esq.) e Março/23 (dir.)

 

Aqui em Brasília ocorre o contrário. A "cidade-parque" definha graças à visão rodoviarista dos seguidos governantes. Árvores frondosas cedem espaço para o asfalto quente e impermeabilizante. Áreas verdes são engolidas pelo sedento automóvel e se tornam áreas estéreis, sem vida.


Como não lembrar da grande Jane Jacobs, ativista e urbanista que combatia o modelo de cidade voltado ao carro?

A erosão das cidades pelos automóveis provoca uma série de consequências tão conhecidas que nem é necessário descrevê-las. A erosão ocorre como se fossem garfadas – primeiro, em pequenas porções, depois uma grande garfada. Por causa do congestionamento de veículos, alarga-se uma rua aqui, outra é retificada ali, uma avenida larga é transformada em via de mão única, instalam-se sistemas de sincronização de semáforos para o trânsito fluir rápido, duplicam-se pontes quando sua capacidade se esgota, abre-se uma via expressa acolá e por fim uma malha de vias expressas. Cada vez mais solo vira estacionamento, para acomodar um número sempre crescente de automóveis quando eles não estão sendo usados.  Jane Jacobs, Morte e Vida de Grandes Cidades, pág. 389.


Outra área foi devastada recentemente, bem na área central tombada e de alto valor paisagístico. Entre o Parque da Cidade e o bairro Sudoeste começou a ser erguido um complexo viário (mais um!). Segundo notícia do governo, ‘a obra vai acabar com o gargalo na entrada do Sudoeste e fazer com que o trânsito flua na Epig, beneficiando diariamente cerca de 25 mil motoristas’. As novas pistas e o grande viaduto em construção serão uma barreira a mais para quem caminha e pedala. Sem contar o fluxo adicional de carros por dentro do Parque da Cidade, que resultará em mais barulho, poluição e insegurança no trânsito. Centenas de árvores foram dizimadas na região, incluindo ipês, paineiras, jacarandás e araucárias.

 

Árvores marcadas e suprimidas na entrada do bairro Sudoeste

 

E outras áreas verdes na cidade vão sendo dizimadas aos poucos, convertidas em pistas e estacionamentos. Em volta do Centro de Convenções Ulisses Guimarães, a área gramada foi reduzida e surgiram mais vagas para os carros. Para completar, em volta do bilionário estádio Mané Garrincha (sim, é importante lembrar do superfaturamento e da grandiosidade questionável) palmeiras e mangueiras estão sendo cortadas. Segundo relatos de pessoas que passaram pelo local, a causa da devastação é a construção de um heliponto. Sério mesmo?! Mas o estádio já tem uma área asfaltada – cinza e estéril – gigantesca em volta. Por que suprimir as poucas árvores que restaram? 

 

Árvores cortadas em frente ao estádio Mané Garrincha


O descaso com as áreas verdes é impressionante. Em nome da fluidez motorizada, parece que vale tudo. A Cidade Parque e suas Estradas Parque perdem gradativamente o atributo verde de grande valor, verdadeiro patrimônio que diferencia (ou diferenciava) a capital federal.   

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* O vídeo da Hope, grupo que produz conteúdo sobre mudanças climáticas, ilustra bem as ações de valorização das áreas verdes, adotadas em cidades modernas pelo mundo. Está publicado no Instagram e acessável pelo link: https://www.instagram.com/reel/Cpk4b0XNuzj/?igshid=YmMyMTA2M2Y=

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