A inflação e as crises energéticas levaram a uma onda de políticas de passagens gratuitas de transporte público lançadas ou anunciadas nos últimos meses em vários países da Europa. O objetivo é atrair usuários para os sistemas de metrô, trens, bondes e ônibus. Mas algumas pesquisas internacionais apontam os limites dessa estratégia. O artigo foi publicado no boletim Next Stop, da revista Sustainable Bus.
Várias cidades brasileiras estão implantando políticas de gratuidade nos transportes públicos. A proposta tem sido adotada como solução emergencial para a crise que afeta as operações de ônibus urbanos em todo o país e mesmo grandes municípios - é o caso de São Paulo - discutem essa possibilidade. Aqui o objetivo é atender a milhões de pessoas que não conseguem pagar as tarifas, mas também resolver o problema das empresas concessionárias, que sem passageiros, dependem cada vez mais de subsídios governamentais.
Na Europa, podemos relembrar os projetos-piloto implantados nos últimos anos reduzindo ou zerando as tarifas do transporte público. Alguns exemplos: o bilhete de 9 Euros na Alemanha, a política de gratuidade total em Luxemburgo desde 2020, o "bilhete clima" em vigor na Áustria (3 Euros por dia) e outras experiências na Finlândia e Estônia.
Preferimos destacar alguns resultados. Conforme destacado em um artigo da revista Wired no ano passado, “as tarifas gratuitas aumentam o número de passageiros, mas não atraem necessariamente os motoristas. Na Estônia em 2022, por exemplo, o transporte gratuito era mais usado por quem andava a pé ou de bicicleta”.
A consultoria McKinsey pesquisou o efeito do bilhete de 9 Euros na Alemanha durante o último verão: “Os níveis de satisfação entre os consumidores que usam transporte público freqüentemente permanecem inalterados em relação às pesquisas anteriores, mas a atual revelou que o bilhete gratuito teve um impacto positivo nas percepções. Entre os passageiros ocasionais, 41% declaram-se satisfeitos com a experiência nos transportes públicos após receberem o bilhete de 9 Euros. Antes da introdução desse bilhete, apenas 23% desses usuários ocasionais se declaravam satisfeitos”.
Mas a tarifa zero não parece ser a "bala de prata" para melhorar a percepção e a atratividade do transporte público. Já em 2019, a União Internacional dos Transportes Públicos (UITP) enfatizava em um relatório que seria melhor optar por uma “combinação de medidas push e pull", no qual as políticas de gratuidade podem funcionar “como uma ferramenta de marketing para períodos ou eventos específicos, de forma a promover o uso do transporte público”. Para a entidade internacional, "a inclusão social pode ser melhor direcionada por tarifas sociais e uma rede de transporte acessível, mas as ações mais eficazes para atrair usuários seriam a melhoria na oferta e o incremento da qualidade do transporte público".
Na semana passada o Centro de Pesquisa em Política de Transporte do Politécnico de Milão (Traspol) mostrou os resultados de uma simulação de modelagem com o objetivo de estimar os efeitos econômicos e ambientais de uma possível gratuidade do transporte público local e das passagens ferroviárias regionais.
E quais foram as observações? “Onde o transporte público é efetivo e já saturado o sistema pode não ter capacidade suficiente para acomodar a demanda adicional. Isso levaria a custos mais elevados, além dos derivados de tarifas gratuitas, para aumentar a oferta de transporte e, a longo prazo, melhorar a capacidade da infraestrutura. Além disso, localmente, a transferência de passageiros do carro para o transporte público reduz o congestionamento nos cruzamentos e isso pode estimular uma demanda adicional de carros de diferentes localidades, mitigando o efeito geral.
Além disso, segundo a simulação, "o impacto na demanda aumenta significativamente à medida que se muda do transporte local para o de médio curso. Nas distâncias rápidas regionais, suburbanas e médias/longas, os efeitos são em geral significativamente maiores do que no transporte urbano". E o relatório conclui: "espera-se que o efeito da transferência modal seja da ordem de alguns pontos percentuais: não 'zero', mas nem 10% a menos de carros!”.
*Publicado originalmente com o título "Free tickets for public transport, and then?". Tradução e adaptação de Marcos de Sousa/Mobilize Brasil.
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