Morre-se assim, em um piscar de olhos...

O atropelamento da artista visual Rochelle Costi joga luz sobre a barbárie naturalizada nas ruas brasileiras. Até quando vamos tolerar essa chacina?

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Marcos de Sousa/Mobilize Brasil  |  Postado em: 29 de novembro de 2022

Passarela Marcelo Frommer, em SP: prioridade ao tr

Passarela Marcelo Frommer, em SP: prioridade ao trânsito

créditos: Foto: Ana Mello
Caminhar e pedalar são as duas melhores formas de transporte urbano. Têm baixíssimo impacto ambiental, são mais eficientes do ponto de vista do consumo de energia e melhoram a saúde das pessoas e das cidades. Nós aqui do Mobilize sempre defendemos essa visão.

Mas, praticar a mobilidade ativa nas cidades brasileiras ainda é um desafio arriscado. No final da semana passada a fotógrafa e artista visual Rochelle Costi morreu depois de ser atropelada por uma motocicleta bem em frente ao Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo. Ela participava de um evento, saiu, notou que o trânsito estava parado ali na Avenida Europa e seguiu tranquilamente para atravessar a rua. Mas, não viu a moto que se aproximava, contornando os veículos.

Todos os dias, dezenas de pessoas morrem assim no Brasil
, por distração, problemas de sinalização, erros dos condutores de veículos, álcool, drogas, ou tudo isso combinado em um "sinistro de trânsito" que tira a vida de pessoas comuns ou pessoas raras, como Rochelle Costi. Ela foi vítima de um excesso de confiança na segurança que a cidade - qualquer cidade - deveria oferecer às pessoas.

Cidades, é sempre bom lembrar, foram criadas e organizadas exatamente para melhorar a vida humana,
oferecer serviços, diversão, saúde e, sobretudo, segurança. Então, não podemos aceitar que vidas sejam perdidas assim, estupidamente. Lamentamos a morte da artista, assim como entristecemos a cada notícia que nos chega de outros atropelamentos de pedestres e ciclistas. São dezenas, todos os dias, em nosso país.

Aquele trecho da Avenida Europa, repleto de museus, com turistas, crianças e idosos circulando, deveria receber um tratamento para acalmar o trânsito, talvez com calçadas alargadas, pavimentos diferenciados para forçar a redução das velocidades. 

E tudo deveria começar nas calçadas, passar pelas faixas de pedestres, pelos semáforos apressados, pelas ciclovias estreitas e mal cuidadas. Em 2019 o Mobilize fez uma pesquisa sobre a "caminhabildiade" nas 27 capitais brasileiras e a situação se mostrou muito ruim em todas essas cidades. As calçadas raramente - muito raramente - são transitáveis. No caso de São Paulo, que oficialmente tem mais de 17 mil km de vias (informalmente já se sabe que são 20 mil km), as calçadas realmente acessíveis, com largura mínima adequada, sem degraus e obstáculos, não chegam a mil quilômetros. Infelizmente, os prefeitos continuam a repetir a cantinela de que "a manutenção das calçadas é de responsabilidade dos donos de imóveis". 

Mas, não basta ter uma calçada boa se o trânsito é violento, ruidoso, ameaçador, se as vias não têm boa arborização, se a iluminação é precária, ou se as faixas de travessia e semáforos não funcionam. Daí que muita gente prefere usar o carro mesmo para pequenas saidinhas de um a dois quilômetros, que poderiam ser feitas tranquilamente a pé.
 


Rochelle Costi diante de seu trabalho Ex-Passado, no Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo. Foto: Ricardo Lage


Em tempo: o jornalista Raul Juste Lores lembrou ontem que Marcelo Frommer (ex-Titãs) morreu atropelado por uma motocicleta, quando corria, ali mesmo, na Avenida Europa,  em 2001. Vinte anos se passaram e a única mudança foi a construção de uma enorme passarela, obra que obriga o pedestre a subir e descer vários lances de escadas para simplesmente atravessar a rua. Tudo para não atrapalhar a circulação do trânsito rápido naquela via. A obra - piada infame - foi batizada com o nome do músico.

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