Responsável pela área de mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calábria tem desempenhado um papel importante nas negociações com empresários e governantes para a defesa dos interesses dos usuários dos transportes públicos. Neste pequeno texto, o especialista reúne sua experiência recente para sugerir alguns pontos que deveriam ser priorizados pela equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua gestão a partir de 2023. As ideias também cabem aos governadores recém-eleitos.
Quais devem ser as prioridades do novo governo para a mobilidade urbana?
" O ponto mais latente no setor da mobilidade urbana é a questão do financiamento dos transportes públicos. Os sistemas de transportes já sofriam com a perda de passageiros, em razão do valor das tarifas e da qualidade dos serviços, mas o problema se agravou e a pandemia escancarou essa crise. Cidades ficaram sem transportes e vários prefeitos se mobilizaram para encontrar soluções.
Essa demanda dos municípios nacionalizou o problema e envolveu o Governo Federal na discussão. Dias atrás eu conversei com algumas pessoas que atuaram nos governos Lula e Dilma e notei que também naquelas gestões nunca houve um trabalho muito forte na operação do transporte. Havia sim projetos e investimentos em infraestrutura, mas quase nada na operação dos ônibus.
No governo Bolsonaro as respostas foram sempre emergenciais, com emendas na Constituição, e com o Congresso pautando as medidas. Não foi uma pauta organizada, de forma a ser um programa que gere benefícios para as cidades, que ajude os prefeitos e as empresas, públicas e privadas que operam os transportes urbanos.
Então, o desafio da gestão Lula é analisar e estudar uma estratégia e encontrar soluções para que o Governo Federal possa estimular e promover maior acesso ao transporte público nos municípios. E não apenas liberando dinheiro, mas exigindo contrapartidas, melhorias para os usuários finais.
Além disso, em várias cidades o problema é regional, envolve vários municípios e talvez a solução sejam os trens regionais, possivelmente em uma rede ferroviária que conecte as cidades. Precisamos planejar e já temos bons exemplos nos países europeus e mesmo nos Estados Unidos.
O desafio da infraestrutura também é muito importante. O governo Bolsonaro vinha delegando essa tarefa para a iniciativa privada, mas acho que cabe aos municípios, com apoio do Governo Federal, a tarefa de planejar a mobilidade em sintonia com os planos de desenvolvimento urbano, né? Não pode ser apenas uma obra de calçada e ciclovia, mas que sejam intervenções pensadas para toda a cidades, que promovam a vida urbana, o acesso à cidade.
Outro ponto fundamental seria a retomada e valorização dos conselhos das cidades, permitindo a discussão aberta com a com a sociedade civil, com as empresas, associações, com órgãos públicos, de forma que todas as decisões resultem de bastante participação e debate.
Por fim, acho que é necessário rever as alterações absurdas que foram feitas no Código de Trânsito Brasileiro, assim como repensar as políticas de fiscalização, incluindo a operação dos radares, para controle das velocidades nas vias urbanas e também nas rodovias."
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