Há um mês, a Prefeitura de São Paulo anunciou sua intenção de estender a via Marginal do Pinheiros por mais 8 km, na zona sul da cidade. O anúncio foi feito por meio de um edital da Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras (Siurb) publicado em 18 de agosto no Diário Oficial do Município para contratação dos projetos executivos de prolongamento da Marginal Pinheiros. Os envelopes com as propostas para os projetos devem ser abertos na próxima segunda-feira (3).
O Edital prevê o desenvolvimento do projeto executivo de toda obra, no trecho que se estende da avenida Guido Caloi e a ponte Vitorino Goulart, em Interlagos. O contrato também prevê projetos de uma nova ponte, ao lado da atual ponte Transamérica, para permitir o acesso dos carros [sic] da avenida Guido Caloi à Marginal Pinheiros, no sentido da Rodovia Castello Branco.
É curioso que a prefeitura da maior cidade do país pretenda investir recursos públicos em novas pistas para carros. Já se sabe que mais pistas atraem mais tráfego, com novos congestionamentos, que pedirão mais pistas e assim por diante. Basta lembrar o que ocorreu após a ampliação das Marginais, em 2009-2010: em poucos meses as novas pistas e viadutos estavam congestionadas.
Já no início dos anos 1980 era comum ouvir motoristas de táxis argumentarem que novas pistas tinham pouca efetividade na melhoria da fuidez do trânsito. Na verdade, o trânsito melhorava por algum tempo, mas logo o asfalto voltava a ser preenchido com mais e mais automóveis, que surgiam sabe-se lá de onde e coalhavam as ruas em novos engarrafamentos. E vários daqueles taxistas já defendiam a necessidade de reduzir a circulação dos carros particulares nas cidades.
Mais de quarenta anos se passaram e felizmente temos uma Política Nacional de Mobilidade Urbana que aponta a necessidade de priorizar pedestres, ciclistas, transporte público e de desestimular o uso do carro no dia a dia urbano. Mas, ao que parece, o prefeito Ricardo Nunes ignora toda essa experiência acumulada.
O trecho alvo do projeto envolve uma das poucas áreas no entorno do Vale do Pinheiros que ainda mantém alguma paisagem natural, com pequenos galpões industriais e um casario horizontalizado, além de um certo silêncio. Ali corre o rio Jurubatuba, na verdade um canal que conecta o Pinheiros à represa Billings, ainda com suas margens cobertas de vegetação, que servem de pasto a animais. E há alguns trechos com vegetação densa, ainda remanescente da mata original. Passa também por ali o trecho inicial (ou final) da ciclovia do Pinheiros, muito utilizada para treinos, passeios e transportes com bicicletas.
Anacronismo premeditado
Um livro famoso, o Fighting Traffic: The Dawn of the Motor Age in the American City, do professor Peter Norton, mostra como as ruas dos EUA foram transformadas e redesenhadas para permitir a circulação dos automóveis, há cerca de cem anos, no início do século 20, quando os bondes, vendedores ambulantes, crianças e pedestres foram banidos das ruas para garantir a circulação livre e segura dos carros.
Hoje sabemos que não é possível que todas as pessoas circulem com seus carros pelas vias das cidades. E o caminho deveria ser a readequação das ruas e avenidas, redistribuindo os espaços, criando mais faixas exclusivas de ônibus, ampliando calçadas, implantando ciclovias e reduzindo (é isso mesmo) os espaços para os carros particulares. Afinal, em média, eles respondem por somente 30% dos deslocamentos diários aqui no Brasil, mas ocupam 90% das vias. E isso não é justo.
Então, voltando à pergunta, por que o prefeito de uma cidade como São Paulo quer ampliar a Marginal do Pinheiros em mais oito quilômetros? Supondo que existam interesses imobiliários empurrando essa proposta, não seria mais avançado - e econômico - inovar e criar uma avenida diferente, com calçadas largas, ciclovia, uma ou no máximo duas faixas para o tráfego? Talvez incluir uma faixa para ônibus elétricos, ou bondes, tudo com velocidades máximas de 40 km/h ou mesmo 30 km/h. E, quem sabe, promover espaços para bares, restaurantes, com um belo paisagismo ao longo do novo trecho.
Sim, o anúncio da Prefeitura também citava a possível inserção de um parque linear no projeto, com locais para passeios, nova vegetação e a valorização da ciclovia existente, mas tudo isso tem cheiro de ser apenas a cereja do bolo. Vamos esperar o que sairá dos envelopes em 3 de outubro.
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