As investigações conduzidas pelo Ministério Público Estadual sobre a transferência das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) para a ViaMobilidade estão chegando ao fim e a Promotoria pretende pedir indenização à concessionária e até mesmo a rescisão do contrato.
Responsável pelo caso, o promotor Silvio Marques afirma que foi constatada uma série de irregularidades desde que as duas linhas passaram às mãos da ViaMobilidade, em janeiro deste ano. "A Viamobilidade apresentou vários relatórios dizendo que estava melhorando, mas o prejuízo ao patrimônio social e aos consumidores já foi efetivado, já ocorreu", declarou.
"O que tem acontecido nas concessões? Quando a empresa tem a obrigação de fazer algo, ela demora. Quando faz e não está previsto no contrato, pede reequilíbrio milionário", observou Marques. O promotor diz ainda que consultoria e auditoria sobre as linhas 8 e 9 são feitas por empresas pagas pela própria ViaMobilidade. "Apresenta tudo para o estado, que não fiscaliza. É a raposa tomando conta do galinheiro", concluiu.
Procurada, a concessionária diz que tem trabalhado em parceria com a CPTM, que as reclamações de problemas diminuíram desde que ela assumiu e que seu principal objetivo é oferecer um serviço de melhor qualidade ao usuário. O governo estadual afirma que já prestou os esclarecimentos ao Ministério Público.
Problemas
Nas últimas semanas, a Promotoria colheu o depoimento de pessoas que conhecem a operação por dentro. Uma das testemunhas ouvidas no último dia 31 de agosto, sob sigilo, apontou que a ViaMobilidade está enfrentando uma série de dificuldades desde que assumiu a operação. São problemas relacionados aos trens (são 59 em operação), sinalização, fornecimento de energia, estrutura de estações e até mesmo limpeza —as composições estariam sujas e, inclusive, com cheiro de esgoto.
Uma testemunha que trabalha no serviço metroferroviário explicou que o período de quatro meses de transição foi muito curto e que a ViaMobilidade não teria experiência suficiente para lidar com toda a operação das linhas 8 e 9. Somados aos problemas estruturais, isso teria provocado redução da velocidade dos trens, com grandes intervalos entre um e outro, paralisações constantes, desembarque de passageiros nas vias, entre outros transtornos.
A testemunha apontou ainda que três funcionários da CPTM teriam prestado serviço durante alguns dias na oficina sob gestão da ViaMobilidade, em Presidente Altino, para tentar resolver "problemas difíceis" em trens que estão circulando.
Também citou que 15 funcionários da CPTM receberam ordens para remobilização de dois trens, em especial nos meses de maio e junho. Segundo a testemunha, isso fez com que trens da própria CPTM, em operação nas linhas 7 e 10, sofressem atraso nas revisões preventivas.
Contrato: inconsistências
Segundo o promotor Marques, não foram fornecidos até o momento documentos que justifiquem de alguma maneira a cessão dos funcionários por parte da CPTM ou que apontem como a companhia estadual será ressarcida por isso.
Uma outra testemunha ouvida pelo Ministério Público também no dia 31 de agosto levou até a Promotoria informações relativas a eventuais inconsistências do contrato firmado entre a CPTM e a ViaMobilidade. Segundo a pessoa ouvida por Marques, houve falhas na elaboração do edital de concessão das duas linhas, principalmente em razão das exigências feitas a um futuro concessionário, que acabou por se tornar a ViaMobilidade, e à forma de remuneração.
Problemas envolvendo a transferência das linhas 8 e 9 para a iniciativa privada têm sido recorrentes desde o início do ano. Em março, o jornal Folha de S. Paulo mostrou que situações com as quais passageiros eram obrigados a lidar persistiam, mesmo em casos onde bastaria a concessionária fazer intervenções pontuais. Também em março, um trem da linha 8 chegou a bater em uma barreira de contenção na estação Júlio Prestes, deixando duas pessoas feridas.
A Secretaria de Transportes Metropolitanos, sob gestão do governo estadual, notificou à época a ViaMobilidade por descumprimento de procedimentos operacionais e interrupção da prestação do serviço.
A ViaMobilidade venceu o leilão de concessão das linhas 8 e 9 em abril do ano passado, com uma oferta de R$ 980 milhões por 30 anos. A empresa, que faz parte do grupo CCR, opera também as linhas 4-Amarela e 5-Lilás, no sistema metroviário.
Respostas
A ViaMobilidade diz que, desde o início da concessão, em razão da complexidade que envolve a transferência da operação, têm trabalhado com a CPTM em parceria, firmada por meio de um convênio entre as partes. "Isso inclui, por exemplo, eventuais interações técnicas entre profissionais dos dois lados nessas atividades, assim como a cessão de áreas e a disponibilização de recursos para manutenção, de modo a cumprir todas as obrigações previstas no Contrato de Concessão", afirma, em nota.
Segundo a concessionária, o convênio estabelece que cada empresa é responsável por seus colaboradores, ainda que estejam trabalhando em áreas externas às suas dependências, e que a ViaMobilidade tem ressarcido os custos da CPTM.
A ViaMobilidade diz que o foco principal está no passageiro, com vistas a oferecer no menor prazo possível um serviço com níveis de qualidade, conforto e segurança cada vez maiores. Diz também que isso já pode ser percebido, porque houve redução de 70% no número de reclamações, na comparação entre março e agosto. A concessionária afirma que todos os esclarecimentos solicitados já foram prestados ao Ministério Público.
Já a Secretaria dos Transportes Metropolitanos, responsável pela CPTM, afirma que, desde a concessão das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda, houve redução de 70% no número de reclamações sobre possíveis falhas no sistema. "O que mostra que com os investimentos de R$ 3,8 bilhões, previstos no contrato, a concessionária realiza melhorias na requalificação e na modernização de equipamentos e estações", diz, em nota.
Segundo a secretaria, o contrato de concessão tem uma série de obrigações e deveres da concessionária para garantir o desempenho operacional das linhas. Diz que os incidentes geram a abertura de processos administrativos para a aplicação das penalidades previstas. "Entre janeiro e maio deste ano, a concessionária foi notificada de sanções cabíveis em contrato de mais de R$ 8 milhões, que estão em processo de análise de recursos de defesa", diz a pasta.
A secretaria e a CPTM dizem que prestaram todos os devidos esclarecimentos ao Ministério Público e que estão à disposição do órgão para futuros esclarecimentos.
Leia também:
Condutor que bateu trem na estação Júlio Prestes, em SP, é demitido
Governo de SP e Via Mobilidade, uma "semiconcessão"?
Após concessão em SP, linhas de trens urbanos têm falhas e morte
Consórcio assume linhas de trens urbanos em SP
Via Mobilidade responde sobre bicicletários nas Linhas 8 e 9