"Que tal uma operação tapa-buracos nas calçadas?"

Thatiana Murillo, do coletivo "Caminha Rio", defende uma ação conjunta de várias secretarias para uma gestão mais eficiente de calçadas e ciclovias no Rio de Janeiro

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Marcos de Sousa/Mobilize Brasil  |  Postado em: 14 de julho de 2022

Concreto, pedras, blocos, nada resiste à falta de

Concreto, pedras, blocos, nada resiste à falta de manutenção

créditos: Agência O Globo


Thatiana Murillo mora na Tijuca, Zona Norte do Rio, em sua visão, "um bairro bem contemplado de serviços". Co-fundadora, em 2016, do movimento Caminha Rio, ela participou ativamente da Campanha Calçadas do Brasil 2019 e agora foi a articuladora das avaliações realizadas na cidade para o Estudo Mobilize 2022.


Ela também integra o Conselho da Cidade do Rio de Janeiro e participa do Observatório de Mobilidade Sustentável na Secretaria de Mobilidade da Prefeitura do Rio. E algumas vezes por semana, a ativista incansável se desloca até Angra dos Reis, no litoral sul fluminense, onde leciona espanhol para alunos do ensino fundamental. Nesta entrevista, realizada por telefone no final de junho, Thatiana Murillo faz um balanço da situação da mobilidade em sua cidade e, em especial, da mobilidade ativa.  

 

                           A educadora Thatiana Murillo Foto: Arquivo Pessoal

Como você costuma se deslocar em sua cidade, o Rio de Janeiro?

Hoje em dia, minhas atividades no Rio são bem próximas da minha casa, na Tijuca, que é um bairro bem contemplado de serviços. Então, eu consigo fazer tudo a pé, o que é um privilégio , porque é mais fácil, tenho tudo no meu caminho. Também tenho metrô, ônibus e uma proximidade bem feliz com a cidade, o que me permite ir ao Centro ou à Zona Sul sem dificuldades. Quando estou levando muito peso, ou quando não posso usar o transporte coletivo, uso meu carro ou um carro de aplicativo. Estacionar um carro, dependendo do destino, é muito difícil, e por isso prefiro o usar o transporte público, como o metrô ou o VLT. Somente quando estou levando muito peso, ou quando não posso usar o transporte coletivo, uso meu carro ou um carro de aplicativo.


Como foi participar das avaliações para o Estudo Mobilize? E qual foi a sua percepção geral sobre a mobilidade na cidade?
Na verdade, o que vi correspondeu ao que eu já esperava. Não vejo muita diferença, não vejo muita mudança na cidade. Neste momento, a Prefeitura está muito centrada em resolver o problema dos ônibus e do BRT. Eduardo Paes está fazendo um trabalho para recuperar ônibus e BRTs, porque algumas linhas de ônibus simplesmente desapareceram, especialmente nos bairros mais distantes e as pessoas que moram nesses bairros não estão conseguindo ter uma vida normal. Esse problema afetou todo o sistema de transportes do Rio e, assim, a prefeitura acaba sem recursos e tempo para se dedicar a outros aspectos da mobilidade urbana. Sei que as secretarias estão trabalhando para expandir a rede cicloviária e tentando implementar alguns projetos importantes para a mobilidade ativa.

Lembro, por exemplo, o projeto Caminho da Escola 2, que busca transformar o entorno de algumas escolas públicas onde o trânsito é mais complicado, para melhorar a caminhabilidade e permitir que os estudantes e seus pais possam circular com segurança.
Esse projeto estava parado e foi agora retomado pela gestão de Eduardo Paes. A prefeitura também tem atuado para abrir a participação da sociedade civil, com intenso envolvimento das organizações. Numa cidade como o Rio de Janeiro, que teve pouca ação concreta nas últimas gestões, vejo com otimismo essas iniciativas. Mas a continuidade desse trabalho vai depender de outras gestões, de novos atores políticos.

 

Vamos falar de mobilidade ativa. Caminhar no Rio ainda é uma aventura?
Depende. Se você estiver em um local privilegiado, suas chances de sofrer alguma coisa são menores. Mas veja, o pianista Nelson Freire [falecido em novembro de 2021] levou um tombo em uma calçada na Barra, que é um lugar turístico.
Muita gente acha que a Zona Sul é um brinco, mas também não é. Há muitas calçadas irregulares, faltam rampas de acessibilidade e os tempos de abertura dos semáforos para pedestres são inadequados.
O próprio Boulevard Olímpico [área turística na região portuária do Rio] já está com várias placas de piso detonadas. Eu fiquei muito decepcionada porque é uma obra das mais recentes, construída para a Olimpíada de 2016. Então, caminhar na cidade é mesmo uma loucura. Mas, mesmo de bicicleta. a circulação também é difícil. Se você passar com a roda da bicicleta em um desses buracos, a queda é inevitável.

 

Falando em bicicletas, como você vê o uso dessa forma de transporte no Rio?
Eu não uso bicicleta para me deslocar na cidade, mas acompanho o trabalho das organizações que atuam nessa área. E vejo que a Prefeitura está pintando novas ciclofaixas em vários pontos e que as estações de bicicletas compartilhadas cresceram bastante na cidade, e isso é bem positivo. Mas, em muitos locais as estações foram instaladas sobre as calçadas e eu já vi alguns pontos onde a largura da calçada não comporta essa instalação, o que acaba prejudicando os pedestres. Acontece que se a estação for instalada nas vagas de carros, os moradores reclamam muito...Eu sou favorável a que essas estações fiquem mesmo nas vagas.

 

Voltando a falar de pedestres, há pouco mais de dois anos, a Prefeitura do Rio recebeu de suas mãos o relatório Calçadas do Brasil 2019. Naquelas avaliações de caminhabilidade e acessibilidade, o Rio de Janeiro ficou com a média 6,19 (na escala de zero a dez), uma nota que você mesma considerou "sofrível", principalmente porque todas as avaliações se referiam ao entorno de repartições públicas, áreas que estão diretamente sob responsabilidade do poder público. Alguma coisa mudou?

Apesar das promessas da nova gestão na Prefeitura, nada parece ter mudado. Os projetos que estão surgindo são válidos, me deixam feliz, mas são muito pontuais.
A situação mudaria para valer se a Prefeitura voltasse a cumprir seu papel fiscalizador e obrigasse os proprietários a refazer suas calçadas, tapar os buracos, cuidar do lixo, consertar os canteiros de plantas, se a gestão assumisse essa ações para valer.
E acho que a Secretaria de Conservação não poderia ficar com a toda a responsabilidade de cuidar das calçadas, que são um instrumento importante para a circulação das pessoas e também de bicicletas, porque temos aqui alguns trechos de calçadas que são compartilhadas entre ciclistas e pedestres. E penso que a ideia poderia valer para qualquer cidade no Brasil.

 

É uma boa proposta. Mas, se você fosse a prefeita da sua cidade, por onde começaria a mudança na mobilidade urbana?
Sem dúvida, pelas calçadas, com ênfase na acessibilidade. Eu usaria a lógica das 'operações tapa-buracos' que são feitas no asfalto e começaria uma operação tapa-buracos das calçadas. Começaria por localizar os pontos mais precários, de maior movimento de pessoas, onde não há acessibilidade, não há sinalização, porque existem lugares onde não existe nenhuma infraestrutura para os pedestres.

 

A propósito, árvores são amigas do pedestre, especialmente nos períodos mais quentes do ano. Como está a arborização no Rio de Janeiro?
Felizmente, a cidade tem uma boa cobertura vegetal. E existem grupos da sociedade civil que estão fazendo esse trabalho de plantar e cuidar das árvores. O carioca é apaixonado pelo verde e esse movimento não desapareceu. Houve várias reuniões entre o prefeito Eduardo Paes, a área de Parques e Jardins e associações de moradores que procuram se articular para fazer replantios, cuidar das árvores. Os moradores pedem o replantio e quando veem alguma muda sofrer vandalismo, eles tentam consertar rapidamente. Se esse mesmo cuidado se estendesse a outros temas, a cidade poderia estar bem melhor. 

 

O prefeito Eduardo Paes anunciou sua intenção de ampliar a presença do metrô leve (VLT) na cidade. Você usa o VLT? Como avalia esse sistema de transporte?
No Estudo Mobilize eu decidi incluir o VLT para fazer a avaliação desse sistema. Eu usei poucas vezes, mas acho que é um transporte fantástico, uma forma de mobilidade muito interessante, embora não seja um transporte de massa. Acho também que até agora o sistema não havia recebido a atenção devida pelos gestores.
Os trilhos existentes fazem a ligação entre a Rodoviária e o Aeroporto Santos Dumont, mas quando uma pessoa chega à cidade por um desses terminais não encontra indicações de que existe uma estação do VLT ali nas proximidades.
E para sair da Rodoviária e caminhar até a parada do VLT a pessoa tem que enfrentar um trajeto difícil, não há cobertura para proteção contra o sol ou a chuva, e o semáforo de pedestres demora muito para abrir. O VLT poderia cumprir um papel importante de integração nos transportes da cidade, mas ele ficou marginalizado. E, assim, com tantas dificuldades, as pessoas acabam pegando um táxi ou um carro de aplicativo...


Para concluir, é possível pensar em reduzir o uso do automóvel no Rio de Janeiro? Por onde e como você começaria essa mudança?
Há uma certa resistência das pessoas em reduzir a velocidade. A CET Rio tentou colocar áreas 30 [áreas com velocidade máxima de 30 km/h] perto de escolas. Foi feita apenas uma sinalização, com placas, mas para reduzir de verdade as velocidades, seria necessário colocar equipamentos de acalmamento do tráfego, como speed tables [faixas de travessia elevadas], calçadas mais largas e outros recursos inibidores da velocidade. Os motoristas não mudarão comportamentos sem esse tipo de infraestrutura.


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