Estação Bugiganga...
...Próxima estação, Camelódromo

Estações de metrô e trem são rebatizadas para financiar os sistemas de transportes. Algumas viraram shoppings, outras tornaram-se camelódromos. E a moda parece que pegou

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Marcos de Sousa*  |  Postado em: 06 de julho de 2022

Acesso ao Terminal Santana, na zona norte de São P

Acesso ao Terminal Santana, em São Paulo

créditos: Mobilize Brasil


No final de junho, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) abriu consulta pública para avaliar o interesse em uma possível licitação para a concessão de naming rights para as estações das Linhas 10-Turquesa, 11-Coral, 12-Safira e 13-Jade. O anúncio indica que a empresa estatal de trens urbanos deseja seguir o mesmo caminho já experimentado pela Companhia do Metrô de São Paulo. No caso do Metrô, a licitação foi aberta em 2021 e até o momento envolve duas estações: Carrão e Saúde. A estação Saúde, na Linha 1 Azul, recebeu o apelido da rede Ultrafarma, que tem anunciado a novidade ainda discretamente. E desde dezembro de 2021 a estação Carrão, na Linha 3 Vermelha, já tinha sido rebatizada com o nome de outra marca comercial, a Assaí Atacadista. Na verdade, são três estações, porque no final de junho a rede de lojas Besni assumiu seu namoro com a Estação Penha, também na Linha 3 Vermelha.


Os três casos são os primeiros resultados da iniciativa da Companhia do Metrô de vender naming rights, tal como fazem as arenas de futebol, teatros e outros estabelecimentos, além de metrôs em várias partes do mundo. É uma tentativa do Metrô de ampliar suas fontes de arrecadação, de forma a manter o sistema de transportes funcionando sem a necessidade de aumentar as tarifas cobradas aos passageiros, ou o desembolso de mais dinheiro público para manter o serviço de transporte que - é sempre bom lembrar - também é público. 

 

Estação Saúde Ultrafarma na Linha 1 Azul do metrô. Foto: Marcia Alves/Metrô

 

A licitação foi aberta em maio de 2021, com a meta de arrecadar 1 bilhão de reais por mês em ofertas para seis estações: Saúde, Brigadeiro, Consolação, Penha, Carrão e Anhangabaú. Conseguiu fechar a "venda" da estação Carrão por R$ 168 mil/mês, quase o mesmo valor pago pelos 36 mil passageiros que passam pelas catracas em um único dia. Na Saúde, por onde passam 22 mil usuários por dia, a negociação ficou em R$ 71,9 mil/mês, o que corresponde aproximadamente à arrecadação de 700 passageiros por um único dia útil. Outras estações - Clínicas e Consolação, ambas na Linha Verde - já tem editais para concessão de naming rights publicados na página de oportunidades de negócios do Metrô.


Antes mesmo dessas negociações, várias estações do metrô paulistano já tiveram seus nomes alterados para homenagear torcidas de futebol, comunidades de outros países e outros grupos. Daí as estações Palmeiras-Barra Funda, Corinthians-Itaquera, Japão-Liberdade ou a antiga estação do bairro Ponte Pequena, rebatizada em 1985 para homenagear a comunidade armênia. Felizmente, os usuários adaptam-se rapidamente a essas novidades, que surgem nos mapas e nos anúncios sonoros a cada parada dos trens: "Próxima estação Saúde-Ultrafarma...next station Carrão-Assaí.


"Camelódromo"
Mas, para além dos nomes e apelidos, a interferência mais forte e agressiva no ambiente do Metrô é a crescente comercialização dos espaços das estações, em centenas de lojinhas, bancas, quiosques, lanchonetes e máquinas automáticas, que vendem todo tipo de badaluques, aparentemente sem qualquer critério. Salgadinhos, refrigerantes e dezenas de outras guloseimas sabidamente prejudiciais à saúde circulam à vontade pelos corredores, plataformas e trens, com seus reflexos em restos de comida, embalagens, copos plásticos e garrafas que são deixadas pelos cantos.


Vale recordar que esses espaços foram generosamente desenhados por equipes de arquitetos e engenheiros, como Marcelo Fragelli, Meire Selli, João Walter Toscano, Reinhard Duwe e vários outros profissionais, para permitir a livre circulação dos passageiros, com a segurança e conforto desejáveis. Aos poucos, ao longo dos últimos 30 anos, todas as áreas livres foram sendo ocupadas por divisórias, placas e anúncios multicoloridos, que desorientam as pessoas e escondem a arquitetura e as obras de arte existentes em várias estações.


Outro processo envolve a concessão ou a venda mesmo de terrenos das estações e pátios operacionais. Essa operação começou a ser notada na virada dos anos 1990 e início dos anos 2000, com o surgimento dos shoppings centers nas estações Santa Cruz, Tatuapé, Tucuruvi e Itaquera, em uma combinação de atividades que parece ter caído no gosto dos passageiros.

 

 


Plataforma no terminal Santana, na zona norte de São Paulo. Fotos: Mobilize Brasil



Mas, uma vez aberta a porteira, a boiada passa...
Um dos resultados mais desastrosos dessa venda de espaços foi a ocupação do Terminal Santana, na zona norte de São Paulo. Ali, dezenas de cubículos foram instalados pela concessionária, formando um grande "camelódromo" de lojinhas de comida, roupas, acéssorios de moda e acessórios para celulares.


O terminal sempre foi um local árido, barulhento, agitado, não muito agradável, mas contava com uma pequena área ajardinada, que de alguma forma funcionava como um "respiro". Essa área externa do terminal também já contou com bicicletário, posteriormente desativado. Agora, com a instalação dos tais quiosques, o terminal se transformou em um grande labirinto, que dificulta a circulação das pessoas e a visualização dos ônibus que chegam ou partem do terminal.


Treze terminais de integração do metrô de São Paulo foram licitados em abril de 2020, durante a gestão de João Doria como governador do Estado de São Paulo. O lote foi arrematado pela Unitah Empreendimentos, consórcio que administrará até 2050 os terminais das estações Ana Rosa, Armênia, Santana e Parada Inglesa (Linha 1- Azul); Artur Alvim, Patriarca/Norte, Vila Matilde/Norte, Penha/Norte, Carrão/ Norte, Carrão/Sul, Tatuapé/Norte, Tatuapé/Sul e Brás (Linha 3-Vermelha). Na época, o governo estadual calculava que a economia resultante da concessão chegaria a 22 milhões de reais por ano. A concessão prevê, ainda, que alguns desses terminais, como é o caso do Santana, poderão receber edificações, como shopping centers, hospitais, prédios comerciais ou residenciais.

 

Plataforma do terminal Tatuapé, na zona leste paulistana. Foto: Reprodução


A comercialização de nomes e espaços pode sim ser vantajosa para o sistema de transporte se os recursos forem dirigidos para a melhoria do conforto e da segurança aos mais de 5 milhões de passageiros que passam diariamente pelo metrô e pelos trens da CPTM. Mas, há que respeitar, ao máximo, a segurança, o conforto, a limpeza, e a arquitetura generosa dos corredores, mezaninos e plataformas por onde nós todos passamos.


*Nota: Marcos de Sousa é jornalista e editor do Mobilize Brasil, mas este artigo não representa, necessariamente, a opinião da equipe do portal.

 

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