Em BH, prefeitura promete inovações na mobilidade ativa. Para breve

Capital mineira avançou em BRTs, mas ainda tem grandes carências no metrô, calçadas e infraestrutura para bicicletas

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Marcos de Sousa/Mobilize Brasil  |  Postado em: 27 de junho de 2022

Ciclovia e travessia de pedestres na Pampulha

Ciclovia e travessia de pedestres na Pampulha

créditos: BH TRans



Cidade planejada, concebida no final do século XIX, Belo Horizonte escapou completamente aos planos de Aarão Reis, o engenheiro e urbanista que a planejou para ser a nova capital de Minas Gerais. Na prancheta do urbanista, os limites da cidade ficariam na Avenida do Contorno, via que delimitava os "... 8.815.382 m2 [cerca de 8,8 km2] divididos em quarteirões de 120 m x 120 m, com ruas largas e bem orientadas, que se cruzam em ângulos retos, e por algumas avenidas que cortam em ângulos de 45º..." (leia mais).


Hoje com quase toda a área do município urbanizada (314,28 km2), a capital mineira abriga sua população de 2,5 milhões de pessoas e mais 3,5 milhões que vivem nos 34 municípios de sua região metropolitana (IBGE 2020). A frota registrada na cidade (Senatran, março 2022) atinge 2,4 milhões de veículos motorizados (na maioria carros, caminhonetes, motcicletas e motonetas), o que poderia sugerir o índice de um veículo por habitante. Mas, como se sabe, boa parte das frotas de locadoras e de outras empresas têm seus veículos registrados na capital mineira, calculando-se que quase 600 mil dessas unidades na verdade circulam em outras cidades do país.

 

De qualquer forma, as ruas largas planejadas por Aarão Reis  já não são capazes de drenar o fluxo cotidiano de carros, motos, caminhões e ônibus que chegam, saem, cruzam ou circulam em Belo Horizonte. Já em 2011, no primeiro Estudo Mobilize, motoristas de ônibus urbanos reclamavam dos tempos de viagem em algumas linhas da cidade e referiam-se ao "caos no trânsito" como um fenômeno cotidiano.


Belo Horizonte foi uma das capitais brasileiras que recebeu jogos da Copa do Mundo de 2014 e, por isso, tinha a expectativa de implantação de uma nova linha do metrô (Pampulha-Savassi), o que não se realizou. O metrô de Belo Horizonte continua com as 19 estações de 2011 e cerca de 37 km de trilhos. Os planos também previam a construção de vários trechos de corredores de ônibus BRT, que resultaram em quase 23 km dessas pistas exclusivas e 45 estações de embarque. Em 2021, a cidade inaugurou algumas novas linhas do sistema, ampliando as possibilidade de conexão e integração No total, a cidade contra com 71 km de faixas exclusivas e corredores para a circulação de seus 2.398 ônibus, conforme informações da Prefeitura, um pouco menos do que os 2.870 coletivos informados pela gestão municipal em 2011.

 

BRT na AvenidaAntonio Carlos Foto: BH Trans


Também já em 2011, a cidade contava com o programa Pedala BH, que tinha a pretensão de chegar a 105 km de infraestrutura cicloviária até 2014. A meta não foi alcançada, mas dados da Prefeitura indicam atuais 94,13 km de ciclovias e ciclofaixas, o que ainda é pouco, considerando as metas do Plano de Ações de Mobilidade por Bicicletas (Planbici), elaborando em conjunto entre a Prefeitura e organizações da sociedade como a Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte (BH em Ciclo). O Planbici previa a construção de 400 km até 2020, o que não se efetivou. Um aspecto positivo foi a implantação de um sistema de bicicletas para compartilhamento, hoje com 14 estações e cerca de 100 bicicletas para uso público.

 

A capital mineira também foi uma das cidades que passou por avaliações de caminhabilidade realizadas na Campanha Calçadas do Brasil 2019 e obteve uma média 6,84 (numa escala de zero a dez). Essas medições, que envolviam calçadas, sinalização, poluição, ruído e segurança, concentraram-se na área mais central da cidade, sempre no entorno de instalações do poder público. Mas, segundo a parceira do Estudo Mobilize 2022 na cidade, Bruna Gabriela Silva Machado, a região central e sul da cidade recebem muito mais investimentos na melhoria dos passeios, o que naturalmente resulta em melhor caminhabilidade. As maiores dificuldades, segundo ela, estão nos bairros distantes, onde os passeios fogem a qualquer padrão.


Visões e metas do poder público

Para compreender os planos, projetos e dificuldades atuais para a mobilidade urbana em Belo Horizonte, encaminhamos algumas questões à Prefeitura da capital mineira, que respondeu por meio do engenheiro André Dantas, superintendente de Mobilidade na Prefeitura de Belo Horizonte. Dantas é doutor em Engenharia Civil (Japão, 2002), mestre em Transportes Urbanos (Brasil, 1998), e bacharel em Engenharia Civil (Belo Horizonte, Brasil, 1995). Antes, foi diretor executivo da empresa Buspay, diretor técnico da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), professor de Engenharia de Transportes na Nova Zelândia, e professor visitante na Austrália (2008/09). Suas respostas apontam para o futuro da cidade, sem revelar detalhes das estratégias que serão adotadas "em breve" pela gestão municipal.


Como o senhor vê este momento da cidade de Belo Horizonte, tomando como referência as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana?
Belo Horizonte criou o plano de mobilidade urbana antes mesmo da vigência da Lei 12.587/2012 [que criou a PNMU]. Historicamente, temos atuado firmemente no sentido de efetivar as diretrizes da PNMU. A Superintendência, que é a autarquia responsável pela mobilidade urbana do município, está comprometida com avanços significativos, mesmo diante dos impactos da pandemia.

 

Quais são as principais conquistas e quais são os principais desafios para a mobilidade urbana em BH neste momento de saída da pandemia?
A principal conquista é a renovação do nosso compromisso de contribuir para uma cidade vibrante, acessível e aberta à inovação responsável e efetiva. O prefeito Fuad Noman está engajado em potencializar o que há de melhor na capital dos mineiros e entende que a mobilidade urbana terá papel fundamental. Os desafios são relacionados a discutir e definir o papel indutor da mobilidade no contexto da dinâmica urbana do futuro. A partir disso, vamos realizar a transição por meio de intervenções inteligentes e eficientes. Respeitaremos nossas tradições e valores, mas buscaremos novas soluções estruturantes.

 



Mapa das linhas de BRT de Belo Horizonte. Clique para acessar. Imagem: BHTrans 

 

A cidade poderá ter um sistema de transportes que permita a circulação rápida, confortável e segura sem a necessidade do uso intensivo de carros particulares? É possível prever um prazo para essa conquista?
Com certeza é possível. Estamos trabalhando em projetos nesse sentido.  Em breve, vamos anunciar uma intervenção que demonstrará, categoricamente, que podemos avançar combinando eficientemente deslocamentos não motorizados com a prioridade ao transporte coletivo. Essa vai ser a semente para que muitas outras sejam efetivadas.


Como, em sua visão, esse transporte de BH será estruturado? Mais trilhos ou pneus?
Precisamos superar essa discussão antagonista sobre os modos de transporte. Nossa comunidade vai definir nossas prioridades, dentro das nossas limitações e ambições. Faremos o que for necessário para tornar nossa cidade vibrante, acessível, eficiente e inovadora.


Cidades do mundo inteiro estão aproveitando a chamada "transição elétrica" para estimular a substituição dos ônibus diesel por veículos elétricos, em trilhos ou pneus. Quais são as metas de Belo Horizonte?
Nossa meta é contribuir para uma mobilidade eficiente. Isso significa estimular a prioridade para pedestres, ciclistas e demais não motorizados, com toda acessibilidade e segurança possível. Depois, vem o transporte coletivo. Focaremos neles, porque os ganhos para a sociedade serão imensos. Sobre a “transição elétrica”, precisamos considerar [o tema] com muita responsabilidade, pois não temos uma definição da política nacional de matriz energética sustentável. Precisamos da base sólida para que posteriormente passemos à tal “transição elétrica”. Vale dizer que mesmo países muito ricos e desenvolvidos estão cautelosos, porque a geração e distribuição de energia necessária é um desafio substancial. É preciso deixar bem elucidado que não é só comprar o veículo e “ligar na tomada”. Há uma cadeia de suprimentos e de logística que deve ser desenvolvida com muito conhecimento e recursos.


Ainda em relação ao transporte público, a tarifa é adequada para a renda média das pessoas que utilizam esse serviço em BH? Há alguma possibilidade de aumento de subsídios?
A tarifa atual reflete o modelo de financiamento historicamente adotado, que está limitado àquilo que é arrecadado com os pagantes e impactado pelas gratuidades. O prefeito Fuad Noman, com o apoio da Câmara Municipal, criou o subsídio pela primeira vez na história recente da cidade. Esse é um indício de que provavelmente chegamos ao limite do que o usuário pode pagar e que precisamos investir para melhorar a qualidade dos serviços.

 

Há algum plano da prefeitura de BH para aumentar as restrições à circulação de carros particulares na cidade?Atualmente, nosso foco está em potencializar a prioridade aos deslocamentos não motorizados e coletivos. Se a comunidade estiver disposta a discutir políticas de restrições de qualquer natureza, nós trabalharemos intensamente nesse sentido.

 

Bicicletas (normais e elétricas) são apontadas como um modo eficiente de mobilidade, especialmente quando conectadas ou integradas aos transportes de massa. Quais são os planos da gestão municipal de BH?
Nosso plano de mobilidade contempla o uso [das bicicletas] e estamos atuando intensamente para viabilizar condições para que ciclistas possam se deslocar com eficiência e segurança. Além de bicicletários, vamos ter em breve ciclovias e ciclofaixas inovadoras em todos os sentidos. Teremos também bicicletas compartilhadas comuns e elétricas. Nossa equipe está muito ansiosa para que possamos entregar à população essas novidades em breve.


Bicicletas compartilhadas: 14 estações e 100 bicicletas. Foto: Prefeitura de Belo Horizonte

 

Como a gestão municipal vê o futuro da mobilidade a pé na capital? Há futuro para quem quer simplesmente caminhar com segurança na cidade?
Entendo que é ótimo caminhar em Belo Horizonte, mesmo fora da área da avenida do Contorno. Obviamente, temos que atuar junto à comunidade para construção e manutenção de calçadas. Há muitos esforços contínuos para dar melhores condições aos belorizontinos. Vamos fazer mais e cada vez melhor.


Por fim: a prefeitura tem algum cálculo recente sobre o custo anual do sistema de mobilidade aos cofres públicos, considerando a manutenção do sistema viário, transporte público, sinalização, sinistros de trânsito, doenças geradas pelos poluentes e horas perdidas no trânsito?
Não tenho conhecimento de que esse estudo exista aqui ou em qualquer lugar do mundo, porque esses custos, em particular dos sinistros de trânsito, doenças geradas pelos poluentes e horas perdidas no trânsito, são dificilmente estimados e podem estar sujeitos a avaliações subjetivas.  

 

 "Em BH, o transporte público está inviável" 

Leia também uma entrevista com Bruna Gabriela Silva Machado, colaboradora do Estudo Mobilize em BH. Ela é arquiteta e urbanista e está concluindo um curso de pós-graduação em Mobilidade e Cidade Contemporânea, na Escola da Cidade, em São Paulo. Bruna lembra que "circulava bastante de transporte público até a chegada da pandemia", e a partir daí, com a redução da oferta de ônibus na cidade, passou a usar mais os carros por aplicativo ou o carro particular, quando vai aos locais mais afastados.


Como foi participar das avaliações para o Estudo Mobilize?
Foi uma experiência enriquecedora, que possibilitou ter um novo olhar na cidade em que nasci e sempre morei. Vejo Belo Horizonte como uma cidade com um grande potencial, mas entendo que atualmente o transporte público vem se tornando uma possibilidade incerta, demorada e desconfortável. E isso faz com que as pessoas que têm acesso ao carro particular voltem a usá-lo.


Como é o transporte público em BH? Os BRTs da cidade estão bem integrados com as necessidades de deslocamento da população?
Atualmente o sistema está se tornando inviável e somente quem não tem outra opção e que faz uso dele. Os BRTs atendem somente à região central e norte de BH, deixando um gargalo nas outras regiões. Além disso, a frota de ônibus vem sofrendo um gradativo sucateamento: o ar-condicionado não funciona, as janelas estão sem manutenção, e vários outros problemas.

 

 



Gráfico da plataforma "Cadê meu Busão", baseado nos dados abertos da BHTrans: apenas 50% da frota está em circulação na capital mineira (1)

 


E em relação às tarifas?
Belo Horizonte vivenciou recentemente um impasse no preço das passagens. E mesmo mantendo o valor atual [R$ 4,50] eu considero alto, visto que quem de fato usa o transporte publico são pessoas de baixa renda. Considerando o valor atual do salario mínimo [R$ 1.212] para custear essa tarifa, a conta não fecha.


Acesso de pedestres à estação São Gabriel do metrô. A foto é da organização Nossa BH durante "auditoria cidadã"



Em relação aos pedestres, houve algum avanço recente para melhorar a caminhabilidade na cidade?
Nas regiões Central e Sul de Belo Horizonte, os investimentos em passeios são maiores, o que resulta em uma boa caminhabilidade, apesar do relevo difícil. Já nas outras regiões, a combinação do baixo investimento com as dificuldades do relevo afeta bastante a caminhabilidade. Em alguns pontos da cidade é impossível caminhar no passeio.


Como você vê o potencial de uso de bicicletas em Belo Horizonte?
BH ainda tem a mentalidade da bicicleta como uma forma de lazer, não como meio de transporte, fato que é potencializado pelo relevo. E a malha cicloviária é composta por fragmentos que não se ligam. Apesar disso, durante a pandemia surgiram iniciativas interessantes, como as zonas 30 e novas ciclovias, que incentivaram a população a ver a bicicleta como meio de transporte.


É possível pensar em reduzir o uso do automóvel em BH, e em sua região metropolitana? Por onde e como você começaria essa mudança?
Eu começaria com um ajuste no preço das tarifas. E a longo prazo, um investimento na malha metroferroviária, algo que nunca saiu do papel em Belo Horizonte.

 

Nota:
(1)
A plataforma "Cadê meu Busão" é mantida pelo movimento Tarifa Zero BH. Trata-se de um recurso que lê - em tempo real - as informações de circulação de ônibus do sistema BH Trans e permite que as pessoas possam checar quantos ônibus estão nas ruas a cada momento do dia.

 

Este texto integra o trabalho de preparação do Estudo Mobilize 2022, um levantamento da mobilidade urbana nas 27 capitais brasileiras que está sendo realizado pelo Mobilize Brasil.

 

 

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