Entregadores de bikes: riscos e pressões prejudicam a saúde

Trabalho de doutorado da USP mostra que embora o exercício físico seja saudável, as condições precárias acabam prejudicando a saúde desses trabalhadores

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Fonte: Jornal da USP  |  Autor: Jornal da USP  |  Postado em: 06 de junho de 2022

Entregador de comida na ciclovia da Avenida Paulis

Entregador de comida na ciclovia da Avenida Paulista, em SP

créditos: Roberto Parizotti / Fotos Públicas


Pesquisa realizada por Eduardo Rumening Souza na Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE /USP) revela que atrás da imagem de sustentabilidade e vida ativa que esta modalidade de entregas transmite há uma realidade de cobranças, sobrecargas, riscos de lesões e acidentes e exposição intensa à poluição do ar. São fatores que combinados lesam a saúde desses trabalhadores do pedal. Para desenvolver sua tese de doutorado,  Rumening Souza acompanhou o trabalho de ciclistas entregadores na cidade de São Paulo ao longo do ano de 2021 para analisar sua qualidade de vida.


A análise foi feita a partir do acompanhamento de cinco ciclistas entregadores durante parte de suas jornadas diárias. O pesquisador observou os trabalhadores de março a agosto de 2020, pedalando junto com eles durante quatro horas por dia. A partir disso, foi elaborada uma etnografia do grupo. De acordo com o autor do trabalho, essa etnografia consiste em observar o cotidiano, tentando entender a vida social e traduzir determinada cultura urbana para outras pessoas que não são parte daquele universo. Também foram levantados dados quantitativos como poluição atmosférica nos trajetos percorridos e intensidade e volume do esforço físico.


A economia de plataforma tem sido uma grande tendência dos últimos anos em termos de modelos de negócio. Transportes e entregas são setores que adotaram intensamente esse modelo, sendo que uma boa porção do trabalho é feita por ciclistas entregadores. Uma característica apontada pelo estudo foi a gamificação do trabalho, que acontece por meio da atribuição de pontos calculados pelos algoritmos levando em consideração uma série de fatores, como a performance dos ciclistas, condições climáticas, dia da semana e horário das entregas, além da avaliação dos atores imbricados no processo.


O modelo estimula uma competitividade acentuada, mas o pesquisador ressalta que é nítida a construção de laços de empatia e solidariedade entre os colegas, que se ajudam mutuamente diante dos desafios enfrentados no dia a dia. Mesmo assim, a pressão exercida pelas plataformas gera nos ciclistas uma busca frenética pela eficiência e produtividade. Nesse contexto, não se trata apenas da recompensa financeira, mas também é uma prova de habilidade e força entre os colegas.

 

Ciclistas entregadores durante manifestação em 2020 Foto: Reprodução EEFE/USP


Ser mais eficiente, no caso das entregas por bicicleta, significa carregar cada vez mais peso de forma mais rápida. É comum observar ciclistas entregadores circulando de forma não convencional por vias de pedestres, por exemplo. Devido ao conhecimento particular do terreno urbano e suas irregularidades, o trajeto calculado matematicamente pelo GPS é substituído por caminhos que exigem menos esforço físico. "A interpretação corpográfica da cidade, mediada pela bicicleta, enseja modos alternativos de perceber e viver o espaço", comenta o pesquisador.

 

Segundo os dados levantados por meio de um equipamento acoplado à bicicleta e um monitor cardíaco, os ciclistas chegam a inalar cinco vezes mais poluentes do que uma pessoa em deslocamento sedentário, como o carro ou o ônibus. Como o estudo foi feito em meio ao isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19, quando houve menos circulação de veículos nas ruas, é possível que a poluição inalada seja ainda mais intensa.

 

A poluição pode gerar inúmeros efeitos colaterais deletérios ao organismo relacionados a processos inflamatórios, aumento da pressão arterial, estresse oxidativo, dentre outros. Mas, o pesquisador comenta que, sob o ponto de vista estritamente biológico, os benefícios superam os malefícios na saúde considerando deslocamentos ativos e sedentários. Isso porque o exercício físico ativa respostas anti-inflamatórias e torna os organismos menos reativos aos poluentes inalados. Mesmo quando realizado em ambiente poluído, o exercício físico gera benefícios próprios ao organismo ativo.


O estudo de Eduardo Rumening Souza foi orientado pelo professor Luiz Dantas e defendido em dezembro de 2021 na EEFE/USP. Além dos aspectos da saúde, a pesquisa revelou traços da vida cotidiana desses trabalhadores, com fatos e imagens muito representativas da cidade de São Paulo no auge da pandemia de Covid 19. A tese está disponível no Banco de Teses e Dissertações da USP e pode ser acessada em https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/39/39136/tde-15032022-173618/publico/Eduardo_Rumenig_de_Souza.pdf

 

*Texto original elaborado pela Redação do Jornal da USP

 

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