Governo de SP e Via Mobilidade, uma "semiconcessão"?

Thiago Silva, do blog Plamurb, faz uma análise dos problemas com as linhas 8 e 9 concedidas pelo governo paulista à Via Mobilidade

Notícias
 

Fonte: Plamurb  |  Autor: Thiago Silva/Plamurb  |  Postado em: 06 de junho de 2022

Trem circula próximo à estação Presidente Altino,

Trem circula próximo à estação Presidente Altino, em Osasco

créditos: Via Mobilidade/STM


Governo paulista “inova” e cria um novo tipo de desestatização: a “semiconcessão”

Não era preciso ser especialista para ter ciência de que a concessão das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda teria grandes problemas. Idealizada por motivações unicamente políticas, o repasse dos dois ramais vem dando uma grande dor de cabeça para os passageiros que os usam diariamente. Falhas diárias e a falta de informações têm colocado em xeque a condução desse processo que começou em 2016, foi paralisado em 2018 e retomado com força total em 2019 na gestão do governador João Doria (PSDB), entusiasta convicto das desestatizações.


O problema é que ter colocado tudo no mesmo balaio foi um erro gravíssimo. Não estamos falando de uma empresa de telefonia ou uma mineradora, e sim de um serviço público essencial e de forte apelo social como é o caso do transporte público. As linhas da CPTM em questão foram arrematadas pela ViaMobilidade, do grupo CCR. A suposta perfeição da Linha 4-Amarela (que nasceu com tudo o havia de mais moderno), operada pelo mesmo grupo, criou uma grande expectativa, que ruiu tão logo a concessionária passou a assumir sozinha as duas linhas. Não foi por falta de aviso e o Plamurb alertou em vários artigos. A resultado está aí.


Entre troca de acusações, ViaMobilidade e CPTM tentam chegar a um denominador comum. A estatal diz que as condições de toda a infraestrutura estavam bem claras no Edital, e isso qualquer um que chegou a lê-lo pode confirmar. Por outro lado, a ViaMobilidade afirma que foi "pega de surpresa" (tadinha) com o estado dos equipamentos. A consulta pública está aí para isso, ou não? Além disso houve as vistorias, visitas em campo e a auditoria independente que foi contratada durante o processo.


Por falar de auditoria, segundo o presidente da divisão de mobilidade da CCR, esse processo foi apenas visual. Isso mesmo que você leu. A tal auditoria que, segundo o governo daria toda a lisura necessária, foi apenas visual. Pior: a ViaMobilidade e todas as outras interessadas toparam participar mesmo sabendo disso. No caso da vencedora do leilão, diante de tantas falhas, restou dizer que não sabiam do que estava por vir. Cômodo dizer isso agora, não? Será que estavam esperando receber mais uma Linha 4-Amarela da vida?


Como estamos em ano eleitoral, naturalmente que o atual governador Rodrigo Garcia (PSDB), que tentará a reeleição, não quer isso respingue em sua campanha e vem tentando de todas as maneiras arrumar ou, ao menos, amenizar toda essa bagunça.


Por esta razão, surgiu uma nova modalidade de desestatização, a "semiconcessão". Mas calma, isso não foi dito oficialmente por ninguém. Esse termo foi criado por nós como forma de repúdio ao que estão sujeitando a CPTM pensando na mitigação dos prejuízos para a ViaMobilidade. Claro que muitos devem estar pensando que seria uma mitigação dos prejuízos aos passageiros, e não estão errados em imaginar isso, afinal, se a concessionária privada passar a oferecer um serviço melhor, isso se traduzirá em uma qualidade melhor ao passageiro. Entretanto, para o blog, caso o governo estivesse, de fato, pensando no bem-estar do passageiro, sequer teriam prosseguido com essa concessão ou, ao menos, teriam feito algo mais estruturado, mais estudado e com mais vieses técnicos.


O fato é que, agora, a estatal estadual terá que ceder plataformas, peças e equipamentos sobressalentes para a ViaMobilidade. O acordo foi feito por ordem do governador, depois que a concessão das duas linhas virou alvo de investigação do Ministério Público (MP) devido a ocorrências de inúmeras falhas. Essa cessão ocorrerá durante as madrugadas para que a ViaMobilidade tenha o apoio técnico necessário para fazer melhorias nas duas linhas e reduzir os problemas. Na prática, a CPTM voltaria a atuar nas duas linhas, por isso o termo "semiconcessão" criado pelo Plamurb de forma sarcástica e crítica.


Em meio a isso, surgem muitas dúvidas e perguntas: esse material é sobressalente até que ponto? Fará falta para a CPTM ou a deixará no limite? A estatal será ressarcida por isso de alguma forma, ou se tratará de um trabalho gratuito?


Outro ponto preocupante: caso haja alguma falha em trem ou outro equipamento da CPTM, e se constate que não foi feita a manutenção adequada porque a equipe estava ocupada dando suporte para a ViaMobilidade, como vai ficar a situação? Se houver queda da qualidade do serviço, isso pode ter ligação com a cessão de profissionais da estatal para a empresa privada? Para o blog, isso é algo perigoso, pois, nas entrelinhas, o governo pode estar tentando desfalcar ou desestabilizar a CPTM, o que, lá na frente, poderá ser usado como mais uma razão para a concessão das demais linhas.


À medida em que os problemas das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda sejam reduzidos, justamente após a intervenção da CPTM, quem ficará com os méritos? A ViaMobilidade ou a CPTM? Aliás, até quando irá esse suporte? Meses, anos...?


O fato é que nunca foi tão fácil ser iniciativa privada em São Paulo com um estado tão bondoso como esse; o grupo CCR que o diga. Na Linha 4-Amarela, existem cláusulas que proíbem a concorrência com as linhas da Empresa Metropolitana de Transporte Urbano (EMTU), tarifa de remuneração por passageiro exclusivo bem acima da tarifa pública e prioridade no saque das receitas da Câmara de Compensação. Na Linha 5-Lilás temos o aporte do governo caso a demanda fique abaixo do estimado. E, agora, nas linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda, teremos o suporte da CPTM para tentar contornar a inabilidade da ViaMobilidade.


O governo paulista não se envergonha mais em mostrar o quanto está dispostos a deixar as concessionárias privadas em uma zona de conforto, anulando qualquer possibilidade de prejuízo. E no transporte público coletivo sabemos como esse assunto é extremamente delicado.


O atual governador sabe que a concessão já nasceu como um insucesso, e tudo o que começa errado, também termina errado. Mas ele precisa levar adiante de qualquer forma, para satisfazer seu posicionamento, supostamente liberal, mesmo que para isso sacrifique vários outros pontos. Esse suporte da CPTM para a ViaMobilidade nada mais é do que o velho dito popular “descobrir um santo para cobrir outro”.


Infelizmente, o preço que iremos pagar por isso não será nem um pouco barato. No futuro, não tão distante, a conta vai chegar e com doses de juros que farão muitos refletirem se foi coerente apoiar incondicionalmente essas concessões à paulista. E Plamurb fará questão de lembrar a todos.


Texto publicado originalmente por Thiago Silva em 2/6/2022. Leia o original no blog Plamurb 

 

Leia também:
Após concessão em SP, linhas de trens urbanos têm falhas e morte
Um diagnóstico atual do sistema trólebus paulistano
Você sabe o que é penduralidade no transporte coletivo?
Um diagnóstico do sistema trólebus gerenciado pela EMTU

Comentários

Nenhum comentário até o momento. Seja o primeiro!!!

Clique aqui e deixe seu comentário