Melhorar o transporte público é prioridade em Porto Alegre

Cidade inova na contratação de empresas de ônibus, busca a integração intermodal e faz esforços para expandir ciclovias e manter calçadas

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Regina Rocha/ Mobilize Brasil  |  Postado em: 01 de junho de 2022

2020_Faixa exclusiva e ciclovia nos bairros Auxili

Faixa exclusiva: para aumentar a velocidade dos ônibus

créditos: Maria Ana Krack/PMPA

 

 



O pôr do sol no Guaíba, atração imperdível de Porto Alegre, é apreciado não apenas por quem passeia pela orla revitalizada no fim de tarde, mas também por passageiros do catamarã, embarcação do transporte coletivo que faz a travessia entre a capital e a cidade de Guaíba, na margem direita do lago.


Mas, como tantas cidades brasileiras à beira d'água, a capital do RS deixou de planejar o transporte fluvial como alternativa integrada ao sistema de transporte público, e o que existe atualmente é somente uma linha, que desde 2011 atende à região metropolitana com duas estações: uma no centro (Cais do Porto) e outra na zona sul (BarraShoppingSul). A prefeitura tem planos para ampliar e integrar o serviço de barcos, explica o secretário municipal de mobilidade urbana, Adão de Castro Júnior, mas, já ressalva: o projeto está ainda em fase de estudos.

 

Metrô e ônibus
Na capital com área urbana de 306,36 km2 (Embrapa/IBGE 2015) e 1.488.252 habitantes (IBGE 2020), a mobilidade conta ainda com um modo de alta capacidade, o metrô - ou mais precisamente, um trem metropolitano, operado pela Trensurb, empresa do governo federal.


O principal transporte é mesmo o ônibus, e a prioridade da atual gestão é melhorar sua qualidade, afirma o secretário. Na entrevista (abaixo) concedida especialmente para o Estudo Mobilize 2022, ele destaca principalmente o programa Mais Transporte, que prevê ações de estruturação do sistema no curto, médio e longo prazos.

 

Laura Blacher, parceira do Estudo Mobilize em Porto Alegre Foto: Arquivo pessoal


Mas para a arquiteta Laura Blacher*, que coordenou os trabalhos do Estudo Mobilize 2022 na cidade,  as melhorias no transporte público ainda não são visíveis. Segundo ela, o serviço prestado não atende bem à população, e mais ainda a que reside fora dos eixos centrais. "Quem mora nos miolos de bairro ou zonas mais distantes tem somente a possibilidade de pegar uma linha de ônibus, ou um só meio de locomoção, para chegar a seu destino. Não há uma integração efetiva entre os modos", questiona. Outro ponto negativo é a existência de muitas linhas de ônibus com itinerários bem parecidos, o que deixa outros trajetos desguarnecidos, diz a pesquisadora. 

 

Também a tarifa do ônibus pode não compensar, observa: "Nos deslocamentos que fiz nas avaliações do Estudo, para distâncias pequenas, quase não vi diferença de valor entre pegar o ônibus ou o carro por aplicativo". Além do ônibus, diz Laura, há o transporte oferecido por vans (lotações), mas que além de ser mais caro, é "um sistema paralelo, sem vínculo com as linhas do transporte público."     

 

Outras modalidades presentes nas metas da atual administração são as ciclovias e calçadas, para estimular a mobilidade ativa, conta Castro Júnior. Ele diz que a qualificação das calçadas é o objetivo principal do projeto Ruas Completas, que vem sendo implementado na região central, na rua João Alfredo e no Quadrilátero. 

 

Nesse aspecto, Laura Bracher elogia a grande quantidade de faixas de travessia, todas bem sinalizadas, nas ruas que percorreu para a atividade do Estudo Mobilize. Segundo ela, a cidade é bem arborizada, mas "o que eventualmente dificulta o caminhar são os trechos de calçadas inclinadas, com declividade acima do que seria a ideal".

 

A cidade já aprovou seu Plano Cicloviário e para incentivar o uso da bicicleta dispõe de recursos do programa federal Avançar Cidades, que serão usados para expandir em mais 38 km a rede de ciclovias, hoje com 68,53 km. De parte da Prefeitura, além da manutenção dessa infraestrutura, a perspectiva é melhorar o acesso dos ciclistas, com a inclusão de estações de bicicleta nos terminais do transporte coletivo, explica o secretário da SMMU.

 

O gradual aumento da quilometragem das ciclovias é percebido pela arquiteta, que, quando não precisa do carro para se deslocar, prefere caminhar e ir observando o que vem sendo feito pela mobilidade ativa em seu bairro. "Ainda falta muito para Porto Alegre ter uma boa infraestrutura ciclística. Mas reparei que uma das ruas por onde passei nas avaliações do Estudo estava recebendo uma ciclovia, com sinalização e pintura adequadas. A ressalva que faço é apenas alguma falta de continuidade, e essa interrupção repentina muitas vezes obriga os ciclistas a usarem a faixa de carros".     

 


Adão de Castro Júnior, secretário de Mobilidade Foto: PMPA

 

Em entrevista, o secretário municipal de Mobilidade Urbana de Porto Alegre, Adão de Castro Júnior responde a algumas dúvidas e explica as metas da prefeitura:
 

O Plano de Mobilidade Urbana de Porto Alegre (PMU) está em discussão desde 2018. Qual o atual estágio de aprovação do documento?
Este Plano é de grande relevância para a realização de melhorias na mobilidade urbana da cidade, e está na Câmara de Vereadores desde janeiro, sendo que no último dia 16 de maio foi objeto de audiência pública. Nossa expectativa é o texto seja colocado em votação no plenário nas próximas semanas. *[O Plano de Mobilidade Urbana de Porto Alegre foi aprovado pela Câmara Municipal no dia 13 de julho].

 

Quais as principais metas municipais para a área de mobilidade urbana, nos próximos dois ou três anos?

Uma das prioridades desta gestão é a qualificação do transporte coletivo. O processo já foi iniciado com medidas levadas à Câmara no ano passado, e mais recentemente com o  programa Mais Transporte, que prevê ações de estruturação do sistema no curto, médio e longo prazos. Esse programa inclui a integração dos diferentes modos dentro da cidade e com o transporte metropolitano. Também estamos dando destaque à mobilidade ativa, com a qualificação das calçadas. Um dos projetos em andamento é o Ruas Completas [realizado em parceria com WRI e Rede Nacional para Mobilidade de Baixo Carbono], que está sendo implementado na rua João Alfredo (bairro Cidade Baixa), e no Quadrilátero, na região central. Ambos convergem para promover melhorias para o pedestre.

 

O que a Prefeitura vem fazendo para reverter a tendência ao uso do carro ou moto, atendendo assim às recomendações da Política Nacional de Mobilidade Urbana?

Um dos objetivos do projeto Mais Transporte, de que já citei, é atender a essa recomendação, já que visa a qualificar o atendimento do transporte coletivo. Estamos fazendo todos os esforços para ampliar a oferta, ter um sistema eficiente e oferecer uma tarifa mais justa aos usuários. 

Com a mudança do método de cálculo tarifário para custo por quilômetro rodado, conseguimos manter o valor da passagem [R$ 4,80], e promover o incremento na oferta do transporte, para atrair mais passageiros ao sistema. Além disso, trabalhamos para a inclusão de estações de bicicleta nos terminais e a melhoria da infraestrutura cicloviária. 

Queremos incentivar a população a  fazer seus deslocamentos para o trabalho agregando o uso de bicicleta e do transporte coletivo. Outra ação pensada para priorizar formas mais sustentáveis de mobilidade é a requalificação de espaços públicos. No Centro Histórico, por meio do programa Centro Mais, estamos realizando ações de manutenção, limpeza e retirada de obstáculos, para proporcionar uma boa relação com o pedestre e a circulação segura.

 

Porto Alegre terá cerca de R$ 9,4 milhões do programa Avançar Cidades/Mobilidade Urbana para financiar estudos e projetos. Esse recurso já está disponível, e quais atividades e obras serão priorizadas?

Em relação ao Avançar Cidades, até o momento foram aprovadas cartas-consulta para a realização da pesquisa origem destino, e para a expansão de 38 km de rede cicloviária, o que trará um aumento de 58% à rede existente. Essas ações demandarão esses cerca de R$ 10 milhões que a cidade receberá da União para investimentos em projetos de mobilidade. Estamos na fase dos trâmites administrativos para viabilizar o contrato. Parte irá para a pesquisa origem destino, que não é realizada desde 2003, e é uma importante ferramenta de planejamento, pois fornece dados sobre os deslocamentos da população, os motivos e os modos de transporte usados nessas viagens. Com esses dados será possível obter a real movimentação da cidade, atualizar o plano municipal de mobilidade e repensar a operação do sistema de transporte. 

 

No início do ano, uma nova regra tarifária entrou em vigor no transporte público de Porto Alegre, que reduziu benefícios a idosos, estudantes e pessoas com deficiência. Qual o plano do governo para voltar a garantir o pleno direito ao transporte a essas parcelas da população?

Essa mudança faz parte de um pacote de medidas criadas pelo governo municipal visando um sistema eficiente e com uma tarifa mais justa para todos os usuários. O governo, por meio de quatro projetos aprovados na Câmara e com a mudança da metodologia, busca a modicidade tarifária. Em relação às isenções, a redução de 14 delas para sete tem como objetivo manter o benefício para aqueles que mais precisam, e diminuir o impacto dos custos sobre a tarifa para o cidadão. Foi graças a esse esforço que não houve um aumento da tarifa no transporte da capital. Se nenhuma medida fosse adotada, teríamos hoje uma tarifa de R$ 6,65. Com todos os esforços feitos pela gestão municipal pudemos manter a passagem em R$ 4,80.

 
Corredor de ônibus da Sertório Foto Cesar Lopes/PMPA


Subsídio ao transporte público tem sido apontado como política necessária para adequar os valores pagos nas catracas à renda da população brasileira. Qual é a posição da prefeitura em relação a esse desafio? Há algum fundo municipal para financiar o transporte?

A Frente Nacional dos Prefeitos tem liderado em âmbito nacional, desde o ano passado, um movimento para que o governo do estado financie a isenção dos idosos. Essa medida tem o apoio do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo [MDB], que também é vice-presidente de mobilidade da instituição. Se aprovado na Câmara e sancionado pelo presidente da República, o PL 4392/2021 permitirá o financiamento das isenções dos idosos acima de 65 anos. Isso representará para Porto Alegre aporte de R$ 75 milhões, que serão utilizados para diminuir o valor da passagem e qualificar o sistema. Se aprovado, esse recurso deverá ingressar num fundo, a ser criado pelo município. Enquanto não há uma resposta do governo federal, o município tomou medidas para que o sistema pudesse seguir operando através de subsídio próprio. A previsão é de aporte de R$ 98 milhões em todo o sistema até janeiro de 2023. A medida foi necessária para que não houvesse aumento da tarifa. Cabe ressaltar que desde o começo da pandemia vimos aportando recursos para manter o sistema funcionando.

 

Porto Alegre tem planos de substituir sua frota de ônibus diesel para elétrica e, desse modo, reduzir a poluição do transporte público? Há algum veículo elétrico em operação no transporte coletivo da cidade?

A inclusão de ônibus elétricos na frota também é uma das ações do programa Mais Transporte. Estamos trabalhando na Secretaria de Mobilidade Urbana (SMMU) para que esses veículos possam integrar a frota da capital no prazo de até um ano. Para esta implementação, nossos técnicos estão buscando exemplos exitosos, conhecendo projetos na área, tanto em nível estadual, quanto nacional e de fora do país.

 

Cidades de várias partes do mundo estão procurando integrar os sistemas de transporte de massa ao uso da bicicleta. Quais são as facilidades que o sistema de ônibus de Porto Alegre oferece ao ciclista?

A SMMU está com olhar atento para esse tema, considerando o aumento de uso desse meio. Em relação à infraestrutura para pedalar, nossas equipes estão avaliando o mapa cicloviário, e uma das metas é interligar o maior número de redes da malha cicloviária. Estamos também prevendo em nossos projetos a construção de bicicletários em terminais e ampliando o serviço de compartilhamento de bicicletas. Todas essas medidas visam a incentivar a bicicleta, inclusive para aquele cidadão que quer pedalar no seu trajeto até o trabalho e o transporte coletivo. 

 

Segundo a EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação), a capital gaúcha tem hoje 68,53 km de extensão de ciclovias/ciclofaixas. Quais as metas para ampliar essa infraestrutura?

A gestão tem a meta de, até 2024, passar dos 100 km de rotas para ciclistas. Para que isso aconteça, a cidade conta com financiamentos ou com recursos próprios para projetos em andamento, implantações mediante contrapartidas e com recursos municipais. Uma das metas da Secretaria é promover a interligação de trechos importantes e que são rotas dos ciclistas. A conexão de trechos é uma das prioridades, para dar melhor condição ao uso das bicicletas, seja para ir ao trabalho, a prática de atividades físicas ou para o lazer.

 

Em 2019, a prefeitura de Porto Alegre realizou uma ampla fiscalização nas calçadas do centro, com 16 mil notificações para os donos dos imóveis lindeiros. Como está a cidade em relação à infraestrutura para a mobilidade a pé? Há planos para renovação das calçadas?

O plano de mobilidade urbana prevê ações nesse sentido, pois consideramos as calçadas elementos importantes da mobilidade na cidade. Há projetos em execução e outros em desenvolvimento para estes espaços. No projeto do quadrilátero do centro de Porto Alegre, por exemplo, a requalificação privilegia a circulação de pedestres, qualificando calçadas e travessias e garantindo acessibilidade universal.

 

Em relação à segurança do trânsito, como se pretende uma redução de sinistros, especialmente para preservar a vida de pedestres e ciclistas? A redução da velocidade está na pauta?

A segurança viária sempre foi prioridade da prefeitura. Em 1998, no ano de criação da EPTC, 199 pessoas perderam a vida no trânsito da capital; já em 2021, fechamos com cerca de 70 mortes no trânsito. Essa grande redução passa pelo desenvolvimento de projetos, fiscalização, educação, e pela conscientização de todos os cidadãos. A Escola Pública de Educação da EPTC tem papel fundamental na redução, monitoramento dos acidentes e suas causas. Além disso, as ações de engenharia e fiscalização são pontos muito importantes para a segurança do trânsito. Nesta gestão, estamos finalizando o Plano de Segurança Viária Sustentável, que vai identificar pontos que continuam críticos para podermos fazer ações de correção, de trabalho com sinalização e engenharia de tráfego. Sempre, onde a causa dos acidentes é o excesso de velocidade, nossas equipes elaboram estudos técnicos para a implementar soluções que auxiliem na redução desses indicadores.

 

 

A distribuição modal no município, conforme informado pela EPTC é: transporte coletivo (43%), individual motorizado (25%), a pé/bicicleta (29%), outros modos (3%). Mas o dado é de 2003. Há alguma outra estimativa, ou essa divisão corresponde ainda ao momento atual? 

Para que possamos atualizar os dados de 2003 e captar o novo perfil de deslocamento e desejos da população, queremos realizar a pesquisa origem destino domiciliar (Edom). No estudo feito recentemente para o Centro Histórico, já percebemos uma mudança em relação aos dados referenciados. A pesquisa apontou que quase 60% das pessoas que se dirigem ao centro usam para o seu deslocamento o transporte coletivo. Entretanto, só temos esse panorama atualizado do Centro Histórico. Teremos algo mais fiel com a realidade de toda a cidade ao fazer a pesquisa Edom prevista no programa Avançar Cidades, do governo federal.

 

*Nota: A Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou no dia 13 de julho de 2022 o projeto de lei complementar 001/22 que institui o Plano de Mobilidade Urbana de Porto Alegre (PMU). Leia mais no site da Prefeitura de Porto Alegre.

 

*Laura Blacher nasceu e mora em Porto Alegre. Formada em arquitetura e urbanismo, com pós-graduação em desenho de mobiliário realizado em Buenos Aires, atualmente cursa MBA Cidades Responsivas. No escritório que mantém em socidade com sua irmã, também arquiteta, dedica-se a projetos de interiores e executa obras e reformas nesse segmento. Ela foi a responsável pelas avaliações do Estudo Mobilize 2022 na capital gaúcha.

 


Esta matéria integra o trabalho de preparação do Estudo Mobilize 2022
, um levantamento da mobilidade urbana nas 27 capitais brasileiras que está sendo realizado pelo Mobilize Brasil.







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