Banhada pelo Rio Madeira, um dos mais importantes canais de escoamento de grãos das regiões norte e centro-oeste do país, a cidade de Porto Velho, como o próprio nome já diz, nasceu ao redor de um antigo porto fluvial, na época da construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré. Mas, contrariando sua vocação histórica, hidroviária e férrea, a capital rondoniense hoje depende fortemente dos ônibus como sistema de transporte público de passageiros, opção que compromete gravemente a mobilidade neste que é o terceiro município mais populoso da região norte do país. Pelo Madeira, navegam apenas cargas ou embarcações de passageiros para viagens intermunicipais, o que de certa maneira ajuda a desafogar o limitado viário da capital rondoniense.
O município de Porto Velho ocupa um território com mais de 34 mil km², mas a área urbanizada, onde vivem os quase 550 mil habitantes, não chega a 45 km². Seus 700 km de vias pavimentadas e apenas 1,23 km de faixas exclusivas de ônibus são, obviamente, incapazes de atender com eficiência às demandas de deslocamento da população local.
Na visão de Giovanni Bruno Souto Marini, professor de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade São Lucas e doutorando em geografia, a cidade de Porto Velho tem uma deficiência de linhas de ônibus que permitam ligações diretas entre os bairros, sem passar pelo centro da cidade. “Para fazer um deslocamento de apenas 7 km de ônibus entre a minha casa, que fica na Zona Leste e o trabalho, na Zona Sul, por exemplo, eu teria que fazer integração e sair com uma hora e meia de antecedência para chegar no horário”, pondera o professor, que é parceiro do Estudo Mobilize em Porto Velho.
O arquiteto e professor Giovanni Marini Foto: Arquivo Pessoal
Segundo Marini, a qualidade dos ônibus é outro problema na cidade. “Porto Velho está numa zona extremamente quente e úmida e o ar condicionado não está presente em todas as linhas. Além disso, nem todos os ônibus são acessíveis para cadeirantes. Como as paradas de ônibus são no nível da calçada e não no modelo de terminal, fica bem complicado para quem tem algum problema de mobilidade para subir nos veículos que não tenham o elevador central para cadeirantes.”
Ele avalia que o transporte público de Porto Velho pouco melhorou nos últimos 12 anos. “Os assentos nos ônibus ficaram melhores, bem como a limpeza dos veículos, mas o tempo de deslocamento ainda é um problema. Outra deficiência que percebi é que não existem informações nas paradas e aquelas raras onde há informação, estão totalmente deterioradas ou depredadas.”
Marini prefere fazer parte dos seus deslocamentos diários a pé, sempre com um olhar crítico. “As calçadas são muito irregulares, inacessíveis em algumas partes e inexistentes em outras. Vale lembrar que a cidade de Porto Velho obteve média 5,24 (numa escala de zero a dez) nas avaliações de caminhabilidade realizadas na Campanha Calçadas do Brasil, em 2019.
Além disso, observa Giovanni Marini, as ciclovias e ciclofaixas da cidade não se conectam, não existem bicicletários e nem paraciclos nos pontos turísticos ou nas áreas para a prática de esportes da cidade”, completou.
A visão da prefeitura
Estas questões também foram abordadas pelo Mobilize Brasil na entrevista realizada com Rosana Matos, diretora de Transportes da Secretaria Municipal de Trânsito, Mobilidade e Transportes (Semtran) e coordenadora do Plano de Mobilidade de Porto Velho. Confira o resumo da entrevista.
Rosana Matos, diretora de Transportes da Semtran
Como está o andamento do plano de mobilidade de Porto Velho?
Porto Velho já tem, desde dezembro de 2021, seu Plano de Mobilidade devidamente elaborado e aprovado por Audiências Públicas, faltando somente a aprovação da Câmara Municipal.
A prefeitura tem plano de ampliar a participação de meios de transporte não-motorizados no dia a dia de Porto Velho? O que vem sendo feito para atingir este objetivo?
Entre as propostas, pretendemos incluir zonas livres de veículos motorizados nos centros das cidades, calçadas com largura adequada em ambos os lados das ruas e boa iluminação, ilhas de refúgio para travessia de ruas, faixas de segurança bem pintadas, iluminadas e, muitas vezes, levantadas em relação à cota do pavimento, além de comando semafórico de pedestres nos cruzamentos. Além dessas medidas, acreditamos que a criação de zonas de tráfego lento, com redução das velocidades máximas dos veículos motorizados, reduz muito o risco de acidentes com pedestres.
A cidade de Porto Velho depende muito dos ônibus como principal sistema de transportes públicos, mas possui apenas 1,3 km de corredores exclusivos. Há planos para a ampliação dos corredores, ou implantação do BRT?
Sim, em Porto Velho já existe a perspectiva de ampliação dos corredores exclusivos de transportes coletivos, tal como previsto em seu planejamento plurianual para os próximos anos. Quanto à implementação dos corredores de ônibus, há um vasto espectro de possibilidades, desde estudos, medidas operacionais e medidas regulamentadoras que devem ser direcionadas antes da implementação do BRT, ilustrando com casos reais a sua utilização, e desenvolvendo para cada medida os principais elementos para o desenvolvimento de uma política integrada que promova a utilização do BRT e sua plena integração com o sistema de mobilidade urbana.
Essa expansão dos corredores vai incluir linhas interbairros, que evitem a passagem pelo centro da cidade?
Já realizamos mudanças com esse caráter no início da instalação da nova empresa de transporte coletivo. Criamos linhas que ligavam as regiões da cidade sem necessariamente passar pelo centro, mas a população não se adaptou e exigiu o retorno das linhas com os trajetos anteriores, ou seja, todas passando pelo centro. Mas a falta de grandes polos de integração também colaborou para a insatisfação dos usuários. Para qualquer mudança nesse momento, como já estamos em um cenário diferente de um ano atrás, é perfeitamente possível ligar as regiões, sem necessariamente, passar pelo centro. Teríamos que reativar essas linhas, sem interferir nas que já existem, mas precisamos, no mínimo, ter a frota de ônibus completa para iniciar qualquer mudança.
Quais são os planos para melhorar a sinalização nos pontos de ônibus?
Sim, temos a preocupação com a sinalização nos pontos e abrigos de ônibus, mas a empresa que administra o transporte coletivo de Porto Velho, já disponibiliza a população um aplicativo (Cittamobi), onde o usuário pode consultar: linhas, itinerários dos ônibus, quilometragem, horários, tempo de percurso entre outros, em tempo real. Além deste aplicativo o usuário também pode consultar as informações pelo site da Semtran, por meio do link Transportes. Lá estão registradas todas as linhas, horários e itinerários dos ônibus.
A cidade possui um problema sério com relação à qualidade das calçadas e outros recursos de proteção ao pedestre. Como a prefeitura pretende atender as necessidades de quem se desloca a pé?
O projeto do plano de Mobilidade Urbana prevê algumas ações voltadas para a padronização das calçadas do município. A princípio, serão realizados estudos de índice de caminhabilidade no município, a fim de levantar os dados reais das necessidades dos pedestres. Depois dessa pesquisa, instituiremos um "Plano emergencial de calçadas", de modo a criar projetos para a padronização dos passeios mais utilizados do município. Além destes, já trabalhamos com a exigência de calçadas padronizadas no ato do licenciamento de obras, de modo que as novas edificações já estejam com suas calçadas regulares.
Porto Velho possui uma rede cicloviária com apenas 23 km de extensão e não tem bicicletários ou paraciclos, tornando a experiência de quem se desloca de bicicleta bastante difícil. O poder público prevê algum investimento nessas infraestruturas para ciclistas?
O projeto do Plano de Mobilidade Urbana também prevê um mapa cicloviário, de modo a interligar as ciclovias existentes e ainda aumentar a malha para regiões não atendidas. Com essas extensões será necessário também implantar equipamentos auxiliares, como os paraciclos e bicicletários.
Esta matéria integra o trabalho de preparação do Estudo Mobilize 2022, um levantamento da mobilidade urbana nas 27 capitais brasileiras que está sendo realizado pelo Mobilize Brasil.
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