"Depois de debater por três anos, o governo de Pernambuco e o governo federal insistem no mesmo erro de vários outros estados do país ao privatizar o metrô do Recife: estabelecer um contrato de 30 anos, ancorado na tarifa paga pelo usuário e deixando o poder público no papel de “equilibrador do contrato”.
A repetição poderia ser uma coincidência, mas não é. A opção por contratos longos ocorre também nas concessões de ônibus de várias cidades - como Goiânia (GO), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), Santo André (SP), Macapá (AP), São Luís (MA), Porto Alegre (RS) etc., com duração de 20 anos - e buscam atender ao interesse do setor privado em prejuízo do interesse público.
Os contratos longos - tanto nas concessões de ônibus, quanto nas de trens e metrôs - beneficiam as empresas concessionárias porque lhes garante estabilidade, diminuindo a competitividade com outras companhias que desejam disputar o mercado. Ao mesmo tempo, a falta de concorrência diminui a pressão por melhor qualidade do serviço mediante menor custo, encarecendo as tarifas para os usuários.
Mas, mais grave do que o tempo do contrato, é a remuneração das empresas a partir da tarifa paga pelo passageiro, além da redução do papel do poder público no controle da concessão. Ambas as situações reforçam os altos preços pagos pelo serviço de transporte coletivo Brasil afora, explicando o menor número de usuários a cada ano.
Basear o contrato na tarifa, em trens, metrôs ou ônibus, é uma escolha que leva o sistema a depender de passageiros e, portanto, de lotação para ser rentável. Imediatamente cria-se a lógica de “linhas rentáveis” e “não rentáveis”, e de reduzir a frequência em horários e locais que são menos lucrativos, independentemente do prejuízo que isso trará às pessoas que precisam se locomover.
Transporte não pode depender da tarifa
Para o transporte funcionar com conforto, com intervalo confiável, qualidade alta e estimular o seu uso, ele não pode depender da tarifa. Caso contrário estará sempre lotado e o preço terá de ser necessariamente muito alto, visto que a receita obtida com o pagamento dos usuários não dá conta de cobrir os custos de operação. Essa lição já vem sendo aprendida há vários anos e, caso seja ignorada por Pernambuco, vai explicitar a opção pelo erro.
Não é à toa que o padrão adotado nos países desenvolvidos é o custeio público e investimento na ampliação de infraestrutura, em especial linhas de trens e metrôs. Por isso também toda a expansão de rede em cidades como São Paulo (SP), Fortaleza (CE) e Natal (RN) - únicos sistemas metroferroviários que aumentam atualmente no Brasil - tem sido feita com recursos públicos.
Voltando à qualidade do transporte, se nos ônibus as concessões dependentes da tarifa mantiveram a má qualidade histórica do serviço, nos trens tem tornado a qualidade pior. Os casos mais conhecidos são nos estados que erraram há mais tempo, como o trem e o metrô do Rio de Janeiro, concedidos nos anos 90.
Hoje, ambos sofrem com alta lotação e tarifas caríssimas (chegando à proposta absurda de reajuste para R$7) e baixa frequência. As concessões recentes dos metrôs de São Paulo e Salvador (BA) certamente seguirão o mesmo caminho se não mudarem o modelo, bem como Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre, caso as concessões se concretizem.
Enquanto as concessões de trens e metrôs mergulham no erro, as de ônibus começam a sair. São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas (SP) e São José dos Campos (SP) já iniciaram a implantação de contratos com pagamento por cumprimento de qualidade, e não mais por lotação, e até definição de fontes de receitas públicas para custeio, para garantir o serviço com universalidade e qualidade de atendimento.
Diante de todos esses fatos, já largamente conhecidos no meio técnico e político, gera curiosidade saber por que o governo de Pernambuco opta conscientemente pelo equívoco já desvelado. A concessão não é uma solução financeira, é uma forma de gestão, que só dará certo se tiver recurso público para garantir o direito dos usuários, desde 2015 ratificado e ainda ignorado na nossa Constituição".
Rafael Calabria é coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
Leia a versão original deste artigo na coluna mobilidade do jc.ne
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