Belém ainda está longe da mobilidade sustentável

Com graves problemas no transporte público, calçadas intransitáveis e ciclovias descontínuas, capital paraense busca soluções, mas resultados ainda não aparecem

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Regina Rocha/ Mobilize Brasil  |  Postado em: 07 de maio de 2022

Belém tem calçadas irregulares e com pisos degrada

Belém tem calçadas irregulares e com pisos degradados

créditos: Carlos Sarraf

 


 


Sim, há de fato uma "Belém do Pará" que impressiona pela beleza natural de suas muitas ilhas, rios e igapós, e pelo centro histórico dotado de um patrimônio cultural e arquitetônico riquíssimo - embora nem sempre bem cuidado - que remete aos tempos da "belle époque" do ciclo da borracha.


Mas, para os belenenses, esses espaços admiráveis estão longe de compensar as dificuldades vividas no dia a dia, sobretudo nas ruas das periferias, onde o que se vê é muita precariedade e falta de serviços e equipamentos públicos básicos, sugestivos do descaso de parte do poder público.


Mobilidade ativa
O estudante de engenharia da Universidade do Pará e servidor público municipal Carlos Sarraf, que coordenou em Belém as avaliações do Estudo Mobilize 2022, é um dos que não vêem melhorias na infraestrutura das calçadas da capital: "Na perspectiva da mobilidade ativa, não consigo enxergar um cuidado... São muitos os problemas para exercer o ato de caminhar aqui em Belém", desabafa Sarraf. No bairro onde mora, o jovem conta que, quando vai à academia, fazer feira ou resolver algo por perto, caminha ou pedala. Já para se deslocar para o trabalho, ir ao centro da cidade ou a locais mais distantes, nesses casos utiliza o ônibus.


No levantamento feito pelo futuro engenheiro, um dos problemas mais sérios e que dificulta a caminhabilidade é a irregularidade das calçadas: "Não seguimos um padrão", diz. "Cada um constrói do jeito que quer, por isso nenhum trecho de calçada é contínuo. Pior, quanto à acessibilidade: o piso tátil, quando aplicado, ocupa um trecho sim, outro não... E nas travessas, se há rampa para cadeirantes, de pouco adianta, porque em geral estão em mau estado de conservação ou são mal instaladas", critica. Essa percepção, confirmada por notícias na mídia e na opinião de urbanistas, coincide também com o resultado de Belém na Campanha Calçadas do Brasil, realizada pelo Mobilize Brasil em 2019, quando os passeios da cidade ficaram com a nota 4,52 (numa escala de zero a dez).

 

No meio do calçada pedestre tem que driblar poste e muitos buracos... Foto: Carlos Sarraf


Além de descontínuas, as calçadas são irregulares, observa o universitário, construídas com "uma infinidade de tipos de pavimento, instalados em diversos níveis". Isso quando não têm obstáculos, diz ele, como "postes no meio da calçada, lixo, buracos... e isso não é uma particularidade da periferia; na região central é a mesma coisa", conta.


Arborização para caminhar
O que poderia tornar a caminhada urbana mais confortável seria uma presença maior de árvores, acredita Sarraf, lembrando que Belém é uma cidade quente a maior parte do ano. "Mas, até o momento, não vejo nenhum plano de gestão de calçadas, de arborização urbana, ou qualquer projeto local que priorize a mobilidade ativa", observa. Segundo o pesquisador, na periferia é muito difícil encontrar uma rua sequer que seja efetivamente arborizada: "Apenas no centro e, mesmo aí, só as principais", acrescenta. Ele lamenta que a arborização da cidade é antiga, feita com mangueiras, e que muitas, por falta de manutenção, acabam caindo e danificando as calçadas.

 

Se falta cobertura vegetal à cidade, e as calçadas são ruins, um aspecto positivo destacado pelo pesquisador são os semáforos, que em Belém abrem durante um bom tempo para a passagem do pedestre, permitindo travessias seguras. Essa informação é reforçada por outra da Prefeitura, no formulário do Estudo Mobilize, de que dos 16 semáforos exclusivos para pedestres, nove têm botoeiras sonoras, o que revela preocupação da gestão com a segurança de deficientes visuais.  

 

Ciclovias e ciclofaixas
Ainda no formulário do Estudo, a Prefeitura traz o dado de que Belém possui, atualmente, 114 km de ciclovias/ciclofaixas, instaladas em 41 vias. Por outro lado, consta também que a cidade não tem paraciclos nem bicicletários públicos e sistema de bicicletas públicas compartilhadas.


Carlos Sarraf confirma que há trechos importantes de ciclovia e ciclofaixa, bastante utilizados pelos belenenses. Algumas são mais bem mantidas, outras menos, avalia. Porém, o que há em comum a todas é a falta de conexão entre essas vias: "Isso faz com que o ciclista acabe tendo de passar por muitos percursos sem a infraestrutura, e dali seguir oscilando entre um trecho com, outro sem...", revela. 

 

Cidade das bicicletas?
Sintoma de tantos problemas, ainda, é o fato de a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (Semob) não ter atendido, até o fechamento desta matéria, aos insistentes pedidos de nossa reportagem por uma entrevista em que perguntávamos o que tem sido feito e quais as metas da gestão para melhorar a mobilidade na capital do Pará. 

 

Fica então no ar mais esta questão dirigida à administração: "Belém está mesmo se tornando a 'cidade das bicicletas' como prometido na campanha à Prefeitura?". Em pesquisas na internet, o Mobilize apurou que foram implantados pela atual gestão alguns trechos para ciclistas, como uma ciclofaixa de 2,7 km na Avenida Pedro Miranda, no bairro da Pedreira. Também constatou que a Semob vem realizando ações de fiscalização para coibir o uso dessas faixas pelos motoristas.


O desrespeito de carros e motos que param sobre as faixas exclusivas para bicicleta também é um problema denunciado por Carlos Sarraf como recorrente na cidade.

 

Transporte público
Nesta semana, uma greve salarial paralisou por dois dias os ônibus urbanos em Belém, Ananindeua e Marituba, e mais de um milhão de pessoas na Grande Belém foram prejudicadas. Um mês atrás o aumento dos coletivos, que passaram de R$ 3,60 para R$ 4,00, gerou protestos dos usuários nas ruas da cidade. São sinais da crise do transporte, que afeta várias cidades do país, e que se reflete em ônibus lotados, mais tempo de espera nos pontos e outros problemas que penalizam principalmente a população mais pobre.  

 

Em Belém não é diferente, diz o coordenador do Estudo Mobilize: "Temos uma frota antiga, com veículos bem velhos mesmo, e sem bilhete único para todas as linhas. Em geral, a tarifa dá direito a pegar apenas um ônibus". Sarraf conta que "é muito comum os carros apresentarem defeito durante o percurso, e também problemas nos elevadores para cadeirantes, por exemplo". E conclui dizendo que, por essa falta de qualidade, o preço pago pelo serviço prestado é alto. [Obs.: a entrevista com Carlos Sarraf foi feita antes do reajuste da passagem].  

 

Um sistema que poderia promover um transporte de melhor qualidade, o Bus Rapid Transit (BRT), levou uma década para ser implantado, e ainda não se completou. Atualmente o sistema de corredores exclusivos opera com quatro linhas: Mangueirão, Tapanã, Maracacuera e São Brás. Mas faltam informações precisas sobre sua expansão: "Soube que a Prefeitura no momento está reformando e construindo alguns outros terminais", conta Sarraf, sem saber precisar mais. Fato é que a integração dos ônibus dos bairros ao centro da capital não foi efetivada ainda, e é motivo de reclamação dos usuários do BRT.

 

Ante a falta de transporte público, parte dos moradores da região de Belém migra para opções individuais, como o carro particular e a motocicleta, incluindo os mototáxis. Em março de 2022, apenas na capital havia mais de 500 mil veículos registrados na Senatran, e destes quase 400 mil eram automóveis, caminhonetes, motos, motonetas e ciclomotores. Esse crescimento da frota particular tem gerado uma disputa desenfreada pelos espaços de estacionamentos nas ruas, não raro sobre faixas exclusivas de ônibus, ciclofaixas e mesmo sobre as calçadas, muitas vezes com apoio de "guardadores de carros".

 

Cidade fluvial 
Uma alternativa seria o transporte aquaviário, que parece lógico em uma cidade margeada por rios. Mas o sistema de barcas em Belém ainda não dispõe de estrutura bem planejada que ofereça, por exemplo, integração com outros modais.


O coordenador do Estudo Mobilize detalha como funciona o modal: "O transporte hidroviário aqui acontece em diversas escalas: temos desde as pequenas embarcações, canoas com as quais os ribeirinhos se deslocam, até barcos maiores, por exemplo os que fazem a travessia de Belém a Cotijuba, que é uma das ilhas que fazem parte do território de Belém. Além desse, há um deslocamento que tem se tornado mais comum, que é o Belém-Cumbu, esta também uma ilha que faz parte da região de Belém, e que é feito com barcos um pouco menores. Já nas ilhas do Mosqueiro e do Outeiro, a transposição é feita por ponte, embora após um acidente ocorrido no Outeiro, a travessia vem sendo feita provisoriamente por balsa ou catamarã".


Nos terminais do transporte hidroviário, há um boa infraestrutura, elogia Sarraf, baseado na sua experiência pessoal com os terminais que utiliza. "Soube que a Prefeitura no momento está reformando e construindo alguns outros terminais", sugere o pesquisador.


Hoje com 23 anos, Carlos Sarraf conta que seu interesse pela mobilidade urbana começou na graduação, com as aulas de engenharia de transportes. "Acredito que, para ter qualidade de vida, as pessoas têm o direito de se deslocar em segurança e conforto no modo de deslocamento que escolheram, e fazer isso no menor tempo possível, para poderem aproveitar a cidade e o convívio dos amigos, de outras pessoas. Essa é minha motivação pela área". Que Belém se inspire neste depoimento.

 

 

Esta matéria integra o trabalho de preparação do Estudo Mobilize 2022, um levantamento da mobilidade urbana nas 27 capitais brasileiras que está sendo realizado pelo Mobilize Brasil.

 

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