Entre rios e igarapés, Manaus opta pelo transporte sobre pneus

De costas para seus rios e com pouco estímulo à mobilidade ativa, a capital do Amazonas tem priorizado investimentos na infraestrutura viária para o transporte por ônibus

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Du Dias/ Mobilize Brasil **  |  Postado em: 28 de abril de 2022

Terminal de ônibus revitalizado em 2021 em Manaus

Terminal de ônibus revitalizado em 2021 em Manaus

créditos: Divulgação/IMMU

 



Apesar de ter vivido um período de pujança durante o ciclo da borracha (1879-1912), foi só meio século depois - com a criação da Zona Franca - que Manaus teve seu mais forte boom demográfico e espacial. A capital amazonense passaria de 174 mil habitantes em 1967, para 1,4 milhão em 2002.

 

Hoje com uma população estimada pelo IBGE de 2,2 milhões de pessoas, não é exagerado dizer que a cidade continua dependente da borracha, já que o transporte sobre pneus, padrão adotado nos anos 1940, predomina no ambiente urbano até os dias atuais.

 

No passado, a capital contou até com uma rede de transporte por bondes elétricos, mas o modelo entrou em decadência* progressiva a partir do início da Primeira Guerra (1914-1918), devido à dificuldade de importação de peças e equipamentos (Fonte: ANTP). Sem um sistema de transportes sobre trilhos, o município se limitou a expandir o viário, privilegiando quase que exclusivamente o transporte motorizado. O primeiro corredor exclusivo de ônibus de Manaus só viria a iniciar sua operação no início dos anos 2000. 

 

Mesmo com tímidos 6,9 km de vias exclusivas para os ônibus, a dependência do manauara por esse meio de transporte parece que não deve mudar tão cedo, conforme revelam dados de mobilidade urbana fornecidos ao Estudo Mobilize 2022 pela Prefeitura. 

 

Outros modos 

Localizada na confluência dos rios Amazonas e Negro, é surpreendente que Manaus não tenha desenvolvido um transporte urbano fluvial de peso. Vale dizer que já houve um tempo em que, além dos deslocamentos a pé, eventualmente o transporte era feito por catraias, pequenas embarcações que ajudavam na travessia dos igarapés (braço de um rio ou canal). 

 

Vice-presidente de Transporte do IMMU, Alexandre Frederico. Foto: Divulgação

 

Entrevistado pelo Mobilize, o vice-presidente do Instituto Municipal de Mobilidade Urbana de Manaus (IMMU), Alexandre Frederico, justificou a falta de investimento na mobilidade aquaviária: “Existe uma concepção de projeto para o transporte hidroviário para atender a orla do Rio Negro, passando pelo centro de Manaus. Mas, para que esse modal seja implementado, há necessidade de a Câmara Municipal aprovar uma lei, que posteriormente deverá ser regulamentada, para só então a Prefeitura poder dispor de recursos próprios do seu orçamento”, explicou. 

 

Também outros modos, como monotrilho e BRT, já foram ventilados anteriormente por políticos locais. Mas, em relação a esses sistemas, o vice-presidente do IMMU é categórico: “Não vejo viabilidade para modais de alta complexidade em Manaus; acho que devemos vencer uma etapa de cada vez, e a vez é dos corredores de ônibus”, afirmou. Versatilidade e preço são os atributos defendidos pela Prefeitura para investir em ônibus. “O maior desafio das cidades dependentes do ônibus é projetar uma malha viária para atender o modal, com vias e faixas exclusivas, não conflitantes com o tráfego de veículos comuns”, analisa o representante do IMMU. 

 

Já o historiador e mestre em Planejamento do Desenvolvimento (NAEA-UFPA), Leonard Jeferson Barbosa, que coordenou em Manaus a coleta de dados para o Estudo Mobilize 2022, vê aspectos positivos e negativos na política para o transporte manauara. Segundo ele, o subsídio ao sistema de ônibus [A prefeitura de Manaus subsidia 44% da tarifa, segundo a Prefeitura] permitiu às concessionárias do serviço congelar a tarifa, e ao município adotar, por exemplo, o passe livre estudantil: “Os terminais de ônibus e corredores exclusivos também são pontos positivos", destaca. O lado negativo, ressalva o pesquisador, é que "o estado de conservação dos veículos é muito, muito ruim e poucos são climatizados”.  

 

Pesquisador Leonard Barbosa, coordenador do Estudo Mobilize em Manaus. Foto: Acervo pessoal

 

Pouco espaço à mobilidade ativa

Além de críticas à qualidade do transporte público, Leonard Barbosa destaca a dificuldade para quem se desloca pela cidade de forma ativa, seja a pé ou em bicicleta. “Pedestres e ciclistas possuem pouco espaço em Manaus. A cidade é pouco adensada e o espraiamento urbano fez com que as administrações priorizassem os carros, com vias largas e calçadas precárias, quando não, inexistentes. A situação é crítica, uma vez que não há estrutura adequada, o que desestimula esse tipo de deslocamento. Além disso, ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas, quando existem, são desrespeitadas. A cidade não se organiza para priorizar o público não motorizado”, denuncia Leonard Barbosa. 

 

Essa percepção negativa da mobilidade para pedestres coincide com a avaliação da campanha Calçadas do Brasil 2019, realizada pelo Mobilize, na qual a capital do Amazonas teve nota 5,7, ficando em 15º lugar no ranking das capitais (Veja aqui o Relatório).

 

Para o coordenador do Estudo Mobilize em Manaus, no entanto, o ponto mais negativo “é a indiferença para com as pessoas que precisam ou optam por se locomover pelos modais ativos e sustentáveis. Falta infraestrutura básica, especialmente fora das zonas centrais. A capital manauara ainda é uma cidade para os automóveis”, diz Leonard.  

 

No quesito mobilidade por bicicleta, os dados apontam que até 2017 Manaus tinha apenas 6,9 km de ciclovias, ocupando a última posição em extensão de malha cicloviária entre todas as capitais brasileiras. Em 2021, essa infraestrutura ciclística aumentou para 21 km, e agora chega a 31 km - número ainda modesto para uma cidade com área de 11.400 km².

 

Para entender quais os planos da Prefeitura para estimular o uso da bicicleta na cidade, o Mobilize ouviu ainda o diretor de Engenharia do IMMU, Uarodi Guedes: “O planejamento do Instituto estabeleceu a meta de implantar ou revitalizar a sinalização viária de 31 km de ciclorrotas ou ciclofaixas, de 2022 a 2025.” Entre as ações previstas, ele destacou - sem apresentar datas - dois anteprojetos de ciclovias nas avenidas Coronel Teixeira, com 4,5 km de extensão, e Governador José Lindoso, esta com 1,8 km de extensão.

 

*Nota: Em 1947, os ônibus de madeira conquistaram boa parte dos usuários dos antigos bondes, que deixaram de circular completamente no início da década seguinte, com a escassez na oferta de energia elétrica. Diferente de seu antecessor, os ônibus eram mais acessíveis à classe trabalhadora e possuíam maior capilaridade, chegando aos bairros mais afastados.

 **Edição de texto: Regina Rocha

Esta matéria integra o trabalho de preparação do Estudo Mobilize 2022, um levantamento da mobilidade urbana nas 27 capitais brasileiras que está sendo realizado pelo Mobilize Brasil.

 

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