De manhã, um grande fluxo de pessoas no sentido centro. Na parte da tarde, esse mesmo grande fluxo de pessoas no sentido inverso, voltando para casa. Provavelmente você já deve ter notado isso, ou até faz parte desse movimento. Pois é, nada mais é do que a "pendularidade no transporte coletivo", tanto por ônibus, quanto por trilhos. Isso é comum em várias partes do mundo e está diretamente ligado a como se deu a forma de adensamento e ocupação das grandes cidades.
O fato de haver uma grande concentração de moradias nas áreas mais periféricas, e os polos ou ofertas de emprego nas regiões mais centrais, agrava essa situação e, infelizmente, não há esperança que isso melhore no curto prazo, ao menos, visto que as ações do poder público ainda são insuficientes e não chegam na velocidade que deveria.
Sendo assim, vamos detalhar quais são os três principais fatores que estão diretamente ligados a essa pendularidade e quais seriam algumas ações para reduzir a incidência desse efeito no transporte público coletivo.
Vejam:
Padrão socioespacial
Os Padrões Socioespaciais correspondem a uma classificação das Unidades de Informação Territrial (UITs) em função das características recorrentes quanto ao uso e ocupação do solo urbano e rural predominantes, e são qualificados por sua respectiva funcionalidade.
A Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa), estatal estadual que foi equivocadamente fechada pela gestão Doria/Garcia (PSDB) fazia essas análises e tinha a classificação dentro da Macrometrópole Paulista. Entre essas classificações, tínhamos as áreas residenciais, áreas de comércio e serviço, uso misto e centralidades e subcentro, por exemplo. Quanto maior for a incidência de residências no traçado de uma linha, maior será a probabilidade de um movimento pendular ao longo da viagem, desde o ponto inicial até o final. Um bom exemplo disso é a Linha 12-Safira (na zona leste da RMSP), que com exceção da região de São Miguel Paulista, atravessa áreas com moradias variando de baixa para média/alta rendas. Seu terminal, no Brás, é o principal ponto comercial da linha, onde os passageiros se dirigem aos seus empregos ou transferem a outras linhas.
Contrapondo isso, temos a Linha 9-Esmeralda, que possui um cenário completamente diferente, com padrões socioespaciais variados e que vão se intercalando ao longo do traçado, fazendo com que a penduralidade seja muito menor, distribuindo e equilibrando o fluxo de passageiros em praticamente todos os períodos do dia.
Do ponto de vista operacional e até financeiro, uma linha altamente pendular é o pior dos cenários, pois não há renovação dos passageiros, portanto a capacidade de um trem ou ônibus fica limitada. Por exemplo, se um ônibus básico tem uma capacidade de 80 passageiros e ele vai do ponto inicial até o final sem que haja um “sobe e desce” constante ao longo do percurso, o veículo tem uma eficiência baixa. Por outro lado, se há a tal renovação, o ônibus poderá transportar duas, três, quatro vezes mais a sua capacidade.
Além disso, com o forte movimento pendular, os veículos acabam por andarem praticamente vazios no sentido inverso dos horários de pico, encarecendo os custos e reduzindo a eficiência operacional. O Plamurb chegou a abordar esse assunto com foco na CPTM e você pode conferir neste link.
Traçado da linha
O traçado da linha pode ser classificado em, basicamente: radial, diametral e perimetral. A linha radial é aquela que liga um bairro, geralmente periférico, ao centro (ou próximo dele) da cidade. Esse tipo de linha percorre paralelamente grandes avenidas e possui uma alta demanda. Diametral é a linha que liga dois bairros opostos ou de regiões diferentes passando pelo centro. Por fim, perimetral é a linha que liga duas regiões distintas da cidade, mas sem passar pelo centro. A vantagem dessa linha é conectar duas regiões de forma direta, sem o incômodo de dar voltas desnecessárias.
As linhas radiais, por si só, por conta de seu traçado, são grandes candidatas a possuírem uma alta pendularidade, pois saem do bairro e vão até o centro. Novamente, a Linha 12-Safira, é um dos exemplos mais conhecidos.
Já as linhas diametrais também possuem pendularidade, mas em menor escala pelo fato de cruzarem o centro e seguirem para o outro lado da cidade, permitindo uma renovação na região mais central, fazendo com que em uma mesma viagem, os passageiros não fiquem concentrados em um único sentido. É caso da Linha 1-Azul, que junto com a Linha 3-Vermelha, são as únicas diametrais do sistema metroferroviário paulista.
No caso das linhas perimetrais, a pendularidade é quase que inexistente, já que o traçado liga duas regiões sem passar pelo centro, permitindo maiores combinações e possibilidades na viagem. O movimento tende a ser melhor distribuído nos dois sentidos em boa parte da operação comercial. É o caso das linhas 9-Esmeralda e 2-Verde.
Mas há as exceções: a Linha 4-Amarela e a Linha 8-Diamante, ambas radiais, mas que possuem um fluxo de passageiros melhor distribuído. A primeira, por conta dos altos pontos de emprego ao longo de seu traçado e suas conexões (falaremos mais abaixo), e a segunda, por conta do polo atrativo em Barueri (Alphaville).
Número de conexões
Por fim, chagamos às conexões. Uma linha, ao longo de seu traçado, pode ter uma ou mais integrações, permitindo que sejam feitas baldeações. Com essas baldeações, há uma renovação de passageiros nas linhas que se integram, dependendo do destino de viagem do passageiro. E quanto maiores as possibilidades, menores serão as incidências de pendularidade.
Neste caso, podemos citar a Linha 4-Amarela que, embora radial, possui conexões com outras seis linhas, reduzindo muito esse revés. Indo nesta mesma lógica, também podemos citar a Linha 1-Azul, que se integra com outras seis linhas. Mesmo tendo um traçado diametral, os efeitos acabando ficando menores.
Talvez se a Linha 12-Safira tivesse muito mais integrações, a pendularidade pudesse ser menor. Isso aumentaria sua eficiência operacional.
Um detalhe importante é que as conexões não precisam, necessariamente, ser com outras linhas. Podem ser com terminais de ônibus, que em muitas situações alimentam essas linhas com o serviço rodoviário.
Qual é a melhor linha?
É difícil dizer qual é a melhor linha. Talvez a pergunta a ser feita nem seja essa. A melhor linha é aquela que existe (rs) e que atende a população de forma rápida, eficiente e módica. A Linha 13-Jade, que muitos reclamam, é uma boa linha pelo simples fato de existir.
Mas certamente é possível elencar qual o melhor ou qual o pior cenário, se levarmos em conta tudo o que foi descrito acima.
Linhas perimetrais ou que atendem vários polos atrativos ou que possuem um bom número de integrações são sérias candidatas a “melhor situação”. Nesse sentido, linhas como a 2-Verde, 4-Amarela e 9-Esmeralda dividiriam o pódio. Não à toa que despertaram o interesse do setor privado para a operação. O pior cenário, é o da Linha 12-Safira. Em uma escala menor, poderíamos incluir a Linha 7-Rubi também.
No serviço de ônibus, as regras são as mesmas e linhas com fator de renovação baixo e que não atendem muitos terminais ou polos atrativos podem estar incluídas entre as que estão na pior situação. E vice-versa. De uma maneira geral, como se pode notar, é uma combinação de fatores.
Importante entender que nas grandes cidades, em uma rede sobre trilhos ou pneus não existe “a melhor” ou “a pior”. Existem situações favoráveis e adversas, operacionalmente falando. Ninguém seria louco de desativar uma linha altamente pendular unicamente por essa característica. Até porque, uma melhor distribuição ou reorganização do tecido urbano sanaria parte dos problemas.
No caso do sistema sobre trilhos, quanto maior o número de linhas se interligando, maiores são as chances de reduzir os impactos negativos. Falando exclusivamente das linhas do Metrô, veja que nos anos 90, existiam, basicamente três estações de integração: Sé, Paraíso e Ana Rosa. Sendo assim, as baldeações entre as linhas 1-Azul, 2-Verde e 3-Vermelha só podiam ser feitas nessas estações. Com a chegada das linhas 4-Amarela, 5-Lilás e 15-Prata, essas possibilidades aumentaram. Se colocarmos na conta as linhas da CPTM, algo que sempre deve ser feito pois estamos falando de uma rede, tais possibilidades aumentam mais ainda. Mobilidade urbana, entre outras coisas, é isso.
* Artigo originalmente publicado no site Plamurb com o título "Três fatores que impactam na pendularidade de uma linha metroferroviária".
Leia este e outros artigos sobre mobilidade urbana no site Plamurb.
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