Conhecida pela beleza dos 34 km de praias, Fortaleza na verdade se desenvolveu à beira de um riacho, o Pajeú, hoje quase completamente canalizado. É uma das menores capitais do país em área, com apenas 313 km2, onde vivem 2,7 milhões de pessoas, o que resulta em uma densidade de 7.786,52 habitantes/km2 (IBGE 2010). A capital cearense é também o centro da sexta maior região metropolitana do Brasil, com 4,2 milhões de pessoas.
Até os anos 1940, quando a população não chegava a 200 mil moradores, Fortaleza contava com pouco mais de 20 km de linhas de bondes elétricos, mas desde os anos 1950 a cidade depende quase exclusivamente de ônibus movidos a diesel como sistema público de transportes. Durante um curto período, entre 1967 e 1972, a cidade chegou a ter algumas linhas de trolebus (ônibus elétricos), mas a experiência foi abortada. A capital cearense só passou a operar comercialmente sua primeira linha de metrô em 2014; o primeiro corredor exclusivo de ônibus da cidade foi inaugurado um ano depois, em 2015 e o Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), somente começou sua operação assistida agora, em 2022.
A demora na implementação de sistemas públicos de transporte de média e alta capacidade (metrôs, trens, VLT's e BRT's) sobrecarregou demais os ônibus e afastou parte dos fortalezenses, que encontraram no automóvel a saída mais confortável para o transporte em médias ou grandes distâncias. Apenas nos últimos anos a cidade ganhou novas faixas exclusivas para os ônibus, agora substituídos por carros com ar-condicionado e wi-fi. Mas mesmo com essas melhorias e mais a redução dos tempos de viagem em 40% e até 60%, o prestígio do transporte público continua baixo.
Expansão cicloviária
Uma das apostas da gestão pública de Fortaleza nos últimos 12 anos tem sido a mobilidade ativa. O sistema cicloviário da cidade começou a ser implantado em 2010, mas o Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI) só viria a ser aprovado cinco anos depois. Desde sua implantação, a malha cicloviária não parou de crescer, inclusive durante a pandemia, quando atingiu aproximadamente 410 km, a quarta maior do país, conforme os dados divulgados pelas prefeituras das capitais. Para completar, Fortaleza tem 1.259 bicicletas em 202 estações de compartilhamento público, com mais 57 bicicletas infantis em 10 estações (Fonte: Prefeitura de Fortaleza). Mesmo com tantos projetos e estímulos, o fortalezense médio ainda não adotou a bicicleta como meio de transporte, embora mudanças culturais significativas já sejam notadas.
Estação de bicicletas públicas: 1.200 bikes para uso compartilhado (foto: Pref. de Fortaleza
Mobilidade a pé
Caminha-se bem em Fortaleza. Segundo a pesquisa origem-destino de 2019, na cidade, 32% dos deslocamentos diários são realizados exclusivamente a pé, índice semelhante ao de outras cidades grandes. Apesar da importância dos deslocamentos a pé, historicamente esse modo de transporte é o mais negligenciado pelos gestores públicos. Em 2015, junto com o Plano de Mobilidade da cidade, a prefeitura lançou o projeto Fortaleza 2040, um plano estratégico de desenvolvimento urbano bastante ousado, dividido em sete eixos, entre eles o “Cidade Conectada, Acessível e Justa”. O Plano Municipal de Caminhabilidade, no entanto, só foi lançado cinco anos depois, em 2020. Apesar de tardia, a sua divulgação pode ser considerada em parte um grande avanço, uma vez que poucas capitais brasileiras produziram um documento semelhante.
Arborização de conforto
A cobertura vegetal poderia tornar as opções pela caminhada ou pela bicicleta mais atraentes e confortáveis, especialmente em uma cidade litorânea. Sobre o tema, a prefeitura respondeu, por escrito, que em 2022, plantou 10 mil mudas de árvores, dentro do programa Árvore na Minha Calçada, iniciado em 2014. Ainda segundo a gestão municipal, em 2017 foi lançada a Política de Desenvolvimento Urbano de Baixo Carbono de Fortaleza que pode impactar positivamente na qualidade do espaço público.
Outras iniciativas adotadas pelo poder público local para promover uma cidade mais caminhável, foram programas como o “Caminhos da Escola”, que visa a garantir a segurança viária no entorno de cada escola e o “Cidade da Gente”. Em regiões centrais e pontos turísticos, houve a ampliação da largura de algumas calçadas junto aos cruzamentos (programa Calçadas Verdes), travessias elevadas (lombofaixas) e redução de velocidades, que ainda não foram expandidas para outras regiões da cidade. “Os pontos que receberam esses investimentos estão excelentes, mas ainda falta bastante para tornar (o deslocamento a pé) convidativo”, explica a coordenadora local do Estudo Mobilize 2022 em Fortaleza, Alzira Bruna de Sena.
A sedução do carro
Diferentemente de outros grandes centros do Brasil, a capital cearense tem significativamente mais viagens diárias utilizando o transporte individual motorizado (36,9%) do que o transporte público/coletivo (25,4%), segundo dados da prefeitura de Fortaleza. Em entrevista ao Mobilize Brasil, Alzira de Sena destacou algumas transformações na mobilidade da cidade nos últimos dez anos e explicou a predominância do automóvel, especialmente durante a pandemia.
“Fortaleza deu um salto na mobilidade. É outra cidade. É claro que durante a pandemia, a quantidade de carros circulando aumentou muito. Por outro lado, nos últimos dez anos, a oferta das linhas de ônibus e de faixas exclusivas também aumentou, mas as pessoas ainda não trocaram o carro pelo transporte público”, analisou a colaboradora.
Alzira destacou iniciativas interessantes como o aumento expressivo da malha cicloviária, das faixas e corredores de ônibus e o “top bus”, uma modalidade de transporte por aplicativo em vans. “Os tempos das viagens diminuíram muito nos últimos dez anos, em parte devido às faixas exclusivas, mas a qualidade ainda deixa um pouco a desejar. Antes da pandemia, por exemplo, havia muitos ônibus com ar-condicionado, agora há bem menos”.
Violência no trânsito
Um dos fatores apontados pela coordenadora local do Estudo Mobilize 2022 para a falta de apelo do transporte público e da mobilidade ativa é a sensação de insegurança. Embora este seja um problema grave e decisivo para a escolha sobre a forma de se locomover, estar exposto a violência ou a um assalto, não são os únicos perigos. Hoje as mortes no trânsito são questões sensíveis em todas as médias e grandes cidades do País. Felizmente, com planejamento, Fortaleza conseguiu reduzir pela metade os óbitos no trânsito entre 2010 e 2019.
A prefeitura de Fortaleza informou que "medidas de redução de velocidade foram adotadas nas ruas e avenidas com os maiores índices de sinistros, colisões ou atropelamentos". Aliadas com outras iniciativas paralelas, as mudanças resultaram em uma redução de 64,5% das ocorrências fatais. Fortaleza parece estar seguindo a cartilha da mobilidade urbana sustentável, com projetos e programas relevantes que trouxeram resultados importantes, inclusive na redução de mortes. Mas, a transformação na cultura de como ocupar e como circular pela cidade, no entanto, leva tempo e depende de um programa de longo prazo e também da disseminação dessas medidas por todo o território do município.
Esta matéria integra o trabalho de preparação do Estudo Mobilize 2022, um levantamento da mobilidade urbana nas 27 capitais brasileiras que está sendo realizado pelo Mobilize Brasil.
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