Em ciclovias, pegue leve no pedal (ou no acelerador)

Ante os vários modelos e potências dos cicloelétricos leves, fomos ouvir o diretor da Aliança Bike, Daniel Guth. Ele sugere fiscalização e controle da velocidade

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Marcos de Sousa/Mobilize Brasil  |  Postado em: 31 de março de 2022

Bicicleta elétrica: acionamento do motor pelo peda

Bicicleta elétrica: acionamento do motor pelo pedal

créditos: Reprodução Estadão


Publicamos ontem (30) um texto sobre a campanha iniciada na cidade de Cascavel, no Paraná, em bicicletarias e pontos de venda de scooters, ciclomotores e motonetas elétricas sobre as características de cada um desses veículos movidos a bateria e sobre onde e como as pessoas podem circular com esses veículos leves. 


A matéria gerou um debate intenso nas redes sociais, sobre o lugar de cada equipamento, incluindo bicicletas cargueiras, monociclos, patinetes e skates elétricos, entre outras novidades com as quais convivemos nas ruas das cidades brasileiras.
Afinal, esses equipamentos podem circular nas ciclovias, ao lado das bicicletas comuns? Ou devem andar nas ruas, ao lado do tráfego pesado? Para ir mais fundo no tema, entrevistamos Daniel Guth, diretor executivo da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike).


Como a Aliança Bike vê essa confusão de nomes, velocidades, potências e tipologias de pequenos veículos elétricos que passaram a circular nas ciclovias, calçadas, ruas e estradas nos últimos anos?
A Aliança Bike é uma associação que reúne e representa fabricantes, comerciantes e prestadores de serviços na área de bicicletas. E nós temos um posicionamento de respeito estrito às leis que regulam a circulação de bicicletas, ciclomotores e cicloelétricos nas cidades do país. No entanto, entendemos que essa legislação tem mesmo algumas limitações.


Você pode citar exemplos?
Vamos lá...Um exemplo são os chamados "aceleradores de arrancada" para bicicletas elétricas,  que permitem atingir até 6 km/h. Esse dispositivo é muito usado nos Estados Unidos e principalmente na Europa, onde é reconhecido não como um acelerador, mas como um dispositivo de auxílio, para ajudar a partida da bicicleta em uma subida, ou para ajudar uma pessoa idosa a empurrar uma bicicleta que esteja com uma carga mais pesada, por exemplo.  Esse acessório ajuda a dar o arranque para o motor entender que a pessoa já está em movimento. Mas a nossa legislação não reconhece isso e então, na ponta do lápis, pela lei, isso seria um acelerador, e portanto a bicicleta seria considerada um ciclomotor. Então as leis têm essas defasagens e limitações. Quanto às bicicletas elétricas com motor até 350 wats, pedal assistido e limitação de velocidade a até 25 km/h, elas são equiparáveis a bicicletas comuns e não a ciclomotores. Essa conceituação já é entendida em todos os continentes, com exceção da China, onde há algumas diferencas.  Então, aqui no Brasil, eu não mexeria nessa classificação.


Mas quais são as causas de uma certa confusão de nomes e classes?
Primeiro, na definição da lei,  que não fala em veículo, mas em um "equipamento de mobilidade individual autopropelido", conforme as resoluções 315/2009 e 842/2021 do Contran. O que é exatamente um equipamento de mobilidade individual autopropelido, que teoricamente poderia circular nas calçadas e ciclovias?  Falta o Contran definir isso mais claramente. O texto não fala em potência do motor, estabelece o limite de velocidade de 20 km/h em ciclovias e de 6 km/h nos passeios de pedestres.  Mas não não esclarece qual é o veículo. Daí, convencionou-se que são patinetes, monociclos etecétera e tal.


E os ciclomotores?
Ciclomotores são aqueles equipamentos que têm acelerador e potência acima de 350 watts e até 4.000 watts, e que atingem velocidades de até 50 km/h. Há estudos que mostram que nessa velocidade, com esse peso maior de veículo, não se pode simplesmente comprar e sair circulando, em contato direto com pessoas a pé, em bicicletas, em skates, patins e em patinetes por causa dos riscos de uma colisão mais grave. Para esse tipo de veículo, a legislação é clara: tem que ter um controle maior, tem que ter registro, e o condutor precisa ter um tipo de carteira de habilitação. É assim no mundo inteiro. 

São veículos muito mais equiparados ao universo das motocicletas, que exigem um controle mais rigoroso. A legislação e o controle poderia ser menos burocrática? Sim, poderia, desde que as autoridades destinassem uma área mais adequada para sua circulação. Por exemplo, reduzir a velocidade do trânsito nas faixas da direita e permitir que esses veículos circulem ali, com mais segurança.

Há um problema que é a falta de políticas públicas que agreguem esses novos ciclomotores ao ambiente do trânsito.  Por isso,  quem compra esses "patinetões", que são ciclomotores, prefere circular na ciclovia, por uma questão de segurança. Em tese, a autoridade de trânsito precisa fiscalizar e retirar esses veículos que "invadem" os espaços dos pedestres e ciclistas. As cidades precisam se reorganizar para acolher com segurança esses novos veículos, que são elétricos e contribuem para reduzir a poluição e o ruído urbano.


Um outro ponto que gera confusão são as cargobikes elétricas...
Também defendemos que se amplie as categorias das bicicletas cargueiras, que transportam cargas de até 200 kg e por isso têm motores com mais de 350 watts. Mas são bicicletas, que têm velocidade máxima de 25 km/h, poupam a energia e a saúde dos entregadores e não poluem o ar das cidades.
Por fim, cabe lembrar a categoria das bicicletas de competição, as speed e as mountain bikes, algumas dotadas de motores de maior potência. Aqui elas são dotadas de limites de velocidade mais altos (32 km/h nas E-MTB e 45 km/h nas speed pedelec), e que ainda não contam com uma legislação clara sobre onde e como podem circular nas ruas, avenidas e estradas.


Há alguma proposta da Aliança Bike para reorganizar esse setor tão cheio de novidades?
Eu pessoalmente, acho que um caminho interessante para o Brasil seria simplesmente limitar a velocidade máxima para tráfego nas ciclovias. Assim, seja uma bicicleta infantil, uma cargueira, uma speed, uma patinete, uma e-bike, todas elas deveriam circular com velocidades compatíveis, qualquer que seja a potência de seus motores. E isso pode ser feito por meio de controles eletrônicos nas bikes ou com o controle do ciclista, no pedal. Mas, de qualquer forma, tem que haver fiscalização pela autoridade de trânsito.


Em resumo:

>> Deixar mais claro o que são os equipamentos de mobilidade individual autopropelidos. Qual é a potência limite, o peso, as características, a velocidade máxima?

>> Ampliar o entendimento sobre os novos modelos de bicicletas elétricas que já estão no mercado brasileiro, como as bikes elétricas cargueiras - que precisam de potência até 800 W -, as E-MTB (que precisam de limite até 32 km/h) e as bicicletas elétricas de estrada, que precisam de limite até 45 km/h. 

>> Criar uma categoria nova para as bicicletas elétricas com acelerador, que têm motor até 350 watts, velocidade limitada a 25 km/h. Não tem sentido que elas sejam classificadas como ciclomotores. Elas poderiam (e deveriam) ter uma classificação própria. 

>> Fiscalizar efetivamente os ciclomotores/cicloelétricos que estão circulando ilegalmente, principalmente em ciclovias. São veículos pesados (até 150 kg), com potência alta (entre 350 W e 4.000 W) e velocidade máxima de até 50 km/h. O Contran está correto em proibir sua circulação em ciclovias e ciclofaixas. E os agentes de trânsito, nas cidades, precisam fiscalizar com mais firmeza. O texto da lei é muito claro.

 




 

Daniel Guth
 é consultor e pesquisador em políticas de mobilidade urbana. Mestre em urbanismo pelo Prourb/UFRJ, é co-organizador dos livros "O Brasil que Pedala" (2018), "A Bicicleta no Brasil" (2015) e "Desistir Nunca foi uma opção" (2013). Ciclista urbano desde 2006, foi diretor da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade) e coordenador de implantação das ciclofaixas de lazer na capital paulista. Viabilizou o mapeamento de ciclorrotas de São Paulo e Salvador (BA) e já coordenou pesquisas e estudos sobre mobilidade e uso de bicicletas no país.
Foto: Aliança Bike    



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