Uma liminar concedida na última terça-feira (22) pela juíza Cynthia Thomé, da 6ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou que o Metrô interrompa o sistema de reconhecimento facial a que submete os cerca de 4 milhões de usuários diários do transporte público na capital paulista.
De acordo com a decisão da Justiça, não foi apresentada nenhuma comprovação de que o sistema do Metrô era usado apenas para ações de segurança pública, o que atinge direitos fundamentais dos cidadãos e vai contra a Lei Geral de Proteção de Dados.
A Ação Civil Pública movida por diversas entidades - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Defensoria Pública da União, Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social), Artigo 19 Brasil e América do Sul e CADHu (Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos) - foi resultado da análise dos documentos apresentados pelo Metrô no âmbito de uma ação judicial anterior que cobrava informações sobre a implementação do projeto de realização de reconhecimento facial em quem utilizasse o meio de transporte.
Na decisão, a juíza afirmou: “O Metrô, até o momento, não apresentou informações precisas sobre o armazenamento das informações e utilização do sistema de reconhecimento pessoal. Alega que 'No mais das vezes, no entanto, o tratamento de dados pessoais realizado pelo SME-3 nas estações de Metrô estará ligado à Segurança Pública e/ou atividades de investigação e repreensão a infrações penais no âmbito da Cia, de forma que o caso será de enquadramento no inciso III do art. 4º da LGPD, como tratamento de dado necessário à execução de políticas públicas de segurança'. Porém, nada está formalizado. A utilização do sistema para atender órgãos públicos, por ora, não passa de mera conjectura, fato que, por si só, indica a insegurança do sistema que se pretende implantar”, alegou Cynthia Thomé na sua decisão.
Discriminação
Na ação, as entidades apontam que as tecnologias de reconhecimento facial elevam exponencialmente o risco de discriminação de pessoas negras, não binárias e trans, já que esse tipo de tecnologia é reconhecidamente falho em sua análise e imerso em ambiente de racismo estrutural.
Para o pesquisador do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec, Luã Cruz, a concessão da liminar reforça o entendimento adotado em outras decisões da Justiça em casos semelhantes. “A decisão liminar é importante em diversos aspectos. Primeiro, ela fortalece um posicionamento em favor dos direitos fundamentais dos cidadãos, que já vem sendo consolidado em outros casos anteriores sobre o tema, como nas decisões relativas à ViaQuatro e Hering, que também foram condenadas por utilizarem esse tipo de tecnologia invasiva. Em segundo lugar, a sentença foca em um ponto muito importante e que é costumeiramente negligenciado na implementação de tecnologias de reconhecimento facial: a transparência. O Metrô de São Paulo não tomou medidas necessárias para garantir a segurança dos usuários do transporte público e, se as tomou, nada foi publicizado (...)"
O Idec defende o banimento total dessas tecnologias digitais, por ver evidências de seu uso abusivo e pouco transparente.
Essa não é a primeira vez que o Metrô paulistano é questionado judicialmente por causa das tecnologias de reconhecimento facial. Em 2018, o Idec também entrou com uma ação contra a ViaQuatro, pela coleta ilegal de dados que identificam as "emoções" das pessoas. A empresa foi condenada a se abster de utilizar o sistema e a pagar R$ 100 mil pela captação das imagens por câmeras de reconhecimento facial sem o consentimento dos passageiros.
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