O Projeto de Lei 4392/2021, que procura amenizar a crise financeira do setor de transporte público e prevê um subsídio federal para custear a gratuidade dos idosos, entra na pauta de votação do Senado desta quarta-feira (16). Poderia ser uma boa notícia, mas na última semana, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) enviou carta alertando senadores sobre a proposta elaborada pelos empresários de ônibus, ressaltando que a medida não atinge a raiz do problema.
O principal problema da proposta seria o impedimento de que os idosos possam usar os transportes coletivos apenas com a apresentação do documento de identidade. Hoje, qualquer pessoa com mais de 65 anos pode circular no transporte urbano e semi-urbano, em qualquer cidade do país, somente comprovando sua idade. E caso o PL 4392/2021 seja aprovado, os idosos teriam que registrar-se e obter cartões específicos em cada cidade, criando uma barreira burocrática para o acesso dos idosos ao transporte.
“A melhor forma de resolver a crise é fiscalizar os custos reais das empresas e pagá-las com base nesses valores”, afirma Rafael Calabria, especialista em mobilidade do Idec. Um eventual socorro financeiro deve ocorrer com contrapartidas em transparência e qualidade do serviço, e com regras claras, defende o especialista.
Para o Idec, as principais falhas do PL 4392/2021 são:
Exigência de cartão aos idosos
O objetivo seria a contagem do número exato de idosos que circulam em cada linha de ônibus. Para isso, propõe-se acabar com o direito do idoso acessar o transporte apresentando apenas o RG, obrigando-o a fazer cartões especiais. Algumas cidades já adotam o cartão para pessoas com mais de 65 anos, mas isso impede que o idoso acesse o benefício quando circula em outros municípios. Essa restrição prejudica o pleno direito à gratuidade, que é garantida na Constituição.
Custeio imensurável
Hoje, os idosos acessam o transporte apenas com o documento de identidade, e não passam pelas catracas. Assim, não há uma contagem segura desse público, de forma a calcular de maneira confiável o valor do custeio. A proposta é baseada em estimativas, o que reforça a visão já existente na sociedade sobre a falta de transparência no setor.
Não é um novo benefício
A gratuidade do idoso já é uma realidade. A proposta em questão não produz um novo impacto social, nem traz inovações para a transparência gestão do transporte. Trata-se apenas de uma injeção direta de recursos para atender prefeitos e empresários do transporte, sem a garantia de qualquer melhoria no serviço.
O PL erra o alvo e não resolve o problema do transporte
As gratuidades não influem nos custos do transporte. Um dos principais problemas do setor, detectado há anos, é o financiamento do transporte público apenas com a tarifa paga pelo passageiro. E na maioria dos casos, as empresas são remuneradas pelo número de passageiros transportados. Mas o custo real dos empresários não está na quantidade de passageiros transportados, mas nos insumos para viabilizar o serviço, como combustível, veículo, salários dos trabalhadores etc.
Outras propostas em pauta
Na carta enviada aos senadores, o Idec destacou projetos de lei que criam soluções melhores para resolver a crise financeira das empresas de transporte público. Entre eles estão o PL 2025/20 (Programa Emergencial do Transporte Social); e o PL 4489/21 (Vale Transporte Social). Os dois projetos prevêm gratuidades para pessoas de baixa renda e trariam de volta ao transporte público aquelas pessoas que hoje estão excluídas pelo valor das tarifas, alto para a renda desses brasileiros. "Elas voltariam a se deslocar para procurar emprego, trabalhar, prestar outros serviços e consumir. Ou seja, as duas medidas trariam um ótimo impacto social e econômico”, explica Rafael Calabria.
A crise no transporte coletivo, com um círculo vicioso de perda de passageiros e encarecimento do serviço, já vinha ocorrendo há vários anos, mas teve como agravante o isolamento social, necessário para conter a pandemia da Covid-19. Com a queda brusca no número de passageiros pagantes, verificou-se um déficit muito grande, mostrando que o atual padrão de contratação das empresas está esgotado.
Para manter esses serviços, algumas prefeituras apoiaram financeiramente as empresas. Em casos mais graves, especialmente em pequenas localidades, as empresas demitiram e deixaram de pagar seus funcionários, ou paralisaram totalmente os serviços, causando greves de trabalhadores e a necessidade de as prefeituras assumirem totalmente o serviço de transporte público.
Em dezembro de 2020, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que previa um auxílio financeiro para o setor, com contrapartidas, mas o presidente Jair Bolsonaro vetou a proposta sem apresentar uma alternativa. O Idec participou ativamente desse processo e segue em diálogo com o Ministério de Desenvolvimento Regional e com o Congresso Nacional, atuando para assegurar os direitos dos usuários do transporte público.
Leia e acompanhe a tramitação do Projeto de Lei 4392/2021
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