Mudando pra valer a contratação de transportes públicos de passageiros

Ex-secretário de Transportes de São Paulo, o engenheiro Lúcio Gregori defende um novo modelo de concessões para o transporte público por ônibus

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Fonte: Mobilize Brasil/Seesp  |  Autor: Lúcio Gregori  |  Postado em: 25 de janeiro de 2022

Terminal de ônibus Pq. D. Pedro, em São Paulo

Terminal de ônibus Pq. D. Pedro, em São Paulo

créditos: Rovena Rosa/Agência Brasil/2016


A questão dos transportes coletivos urbanos é assunto que apresenta vários aspectos interessantes. Por vivermos num país capitalista, pelo menos em tese e princípios, muitos pensam que o transporte coletivo também deveria ser submetido à livre concorrência. Margareth Thatcher e Pinochet fizeram isso a seu tempo e o resultado foi que nas áreas com grande número de usuários havia disputa feroz pelos passageiros e nas áreas suburbanas de baixa demanda, não havia prestadores do serviço.


Claro, tudo voltou a ser como antes nas áreas onde só um prestador faz o serviço. A isso se chama um mercado monopsônio, digamos o inverso do monopólio. A quantidade de passageiros não aumenta e nem as tarifas ficam menores em geral, pela concorrência. Simplesmente o serviço desaparece onde existem poucos passageiros.


Resumindo, o mercado monopsônio permite apenas a operação de uma só empresa concessionária por área em que é dividida a cidade. Cada área deverá ter inclusive linhas com baixo rendimento. Daí é que surgiu um indicador muito difundido que é o IPK, índice de passageiros por quilômetro, a forma de se classificar as linhas ditas mais eficientes sob o ponto de vista de passageiros transportados. Então a concessionária monta sua garagem na área de operação e busca ter o maior número de linhas com IPK alto e o mínimo possível daquelas com baixo IPK. E por essa razão existem áreas da cidade que são mais cobiçadas pelas empresas, justamente as que têm maior densidade de usuários.


E mais: como o sistema é erradamente remunerado, considerando o passageiro como um custo, quando na verdade é receita, ônibus mais lotados em linhas com IPK alto significam maiores ganhos e menores gastos. Incrível, mas até o vírus da Covid sabia que passageiro é receita, tanto que com a pandemia, a receita das empresas prestadoras desabou, mas não seus custos

 

Não é por nada que, com a questão da garagem aí incluída, algumas empresas dominam certas áreas por anos a fio, havendo casos de quase cem anos e assim por diante. Tudo parece estar estabelecido dessa forma, com as concessões clássicas e remuneração por passageiro transportado desde 1817, quando D. João VI fez a primeira concessão ao sargento-mór do palácio imperial.

 

E mesmo nos casos de cidades que adotam o sistema de contratação por fretamento, ou seja, pagando-se os custos operacionais e deixando a tarifa desligada da remuneração do contratado, manteve-se o sistema por áreas exclusivas e garagens das operadora.

 

E eis que de repente, não mais que de repente, se evidencia que as garagens desempenham papel estratégico facilitando muito os operadores que já as tem daqueles que precisarão montá-las. Não por outra razão as concorrências exigem a existência de garagem pelo concorrente. É mais um obstáculo para a entrada de novos concorrentes. Assim sendo, se as garagens fossem dos municípios e alugadas aos operadores, poder-se-ia aumentar bastante os números de empresas habilitadas e as condições de concorrência nas licitações.


Podemos ir mais longe. Com as garagens municipalizadas e fazendo-se concorrência apenas de fretamento, acaba-se com as áreas exclusivas, podendo-se contratar vários fretadores, independentemente de área de operação, claro que mantendo-se um bom nível de eficiência do sistema.


Assim é que se acaba com as empresas “especializadas” em transportes de passageiros e pode-se ter um enorme mercado concorrencial de fretadores de veículos.


No Rio de Janeiro, recentemente em concorrência de BRT, foram estabelecidas as garagens municipais, ficando a concorrência em termos do custo de fretamento e adicionalmente se separou o projetista do sistema e contratante do fretamento, do controlador da prestação de serviço e claro, dos fretados. Fica aí colocada a verdadeira forma de se aumentar a concorrência na contratação de prestadores do serviço dentro de um sistema de mercado monopsônio.

 

E me perdoem os leitores, com a tarifa zero na outra extremidade se terá, de fato, condições para um sistema de transportes públicos como direito social, tal com está escrito no artigo sexto da Constituição Federal. Simples assim.




*Lúcio Gregori
é engenheiro civil aposentado e ex-secretário de Transportes da Prefeitura de São Paulo entre 1990 e 1992, quando apresentou o projeto Tarifa Zero. É autor de livros e vários artigos sobre formas de financiamento do transporte público.


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