O preço dos combustíveis aumentou bastante. O litro da gasolina passou de R$ 4,49 para R$ 7,19 em um ano, conforme notícia do jornal Correio Braziliense. E o aumento levou várias pessoas a mudarem a rotina de deslocamentos.
(Texto e fotos: Uirá Lourenço)
Como ressaltei no texto anterior, crise é também oportunidade e a troca do carro por outros meios de transporte pode trazer vantagens individuais (atividade física e menor nível de estresse) e coletivas (menos carros em circulação resultam em menor nível de poluição do ar e barulho).
Conversei com algumas pessoas que trocaram o carro pelo transporte coletivo (ônibus e metrô), pela bicicleta ou monociclo elétrico. A seguir, relatos de pessoas que substituíram o carro ou passaram a usar menos nos deslocamentos para o trabalho.
Ana Raquel Reis de Medeiros(servidora pública)
- Metrô e ônibus
- Trajeto diário: Vicente Pires – Asa Norte
Ana Raquel mora em Vicente Pires e dirigia até o local de trabalho, mas passou a usar o transporte coletivo para economizar. Na ida, usa metrô e ônibus. Para não ter que ficar no ponto de ônibus antes das 6h, o pai leva até a estação do metrô. Na volta, pega ônibus, desce na Estrada Parque Taguatinga (EPTG) e depois caminha até sua casa. O custo mensal com ônibus e metrô fica, por volta, de R$ 220. De carro, considerando combustível e manutenção, seriam mais de R$ 500.
Entre as vantagens de não ir de carro, ela menciona: economia, agilidade (trajeto com faixa exclusiva de ônibus) e sem preocupação com estacionamento (risco de furto). Quanto às desvantagens, ela destaca: ônibus lotados e insegurança. Por ser mulher e precisar sair cedo, ela se sente insegura e lamenta ter que recorrer ao pai, idoso, para levá-la até a estação de metrô.
Isac Rodrigues Cezar (empregado público)
- Monociclo e uber
- Trajeto diário: Asa Norte – Setor de Autarquias Sul
Isac vendeu o carro há dois anos e meio. Ao ver uma pessoa usando monociclo, ficou interessado e passou a usar nos deslocamentos diários. Quando usava carro diariamente, o custo ficava em R$ 1.500 por mês. Ao vender o carro, passou a usar uber e gastava entre R$ 800 e 900.
Com o monociclo o gasto principal é com o seguro anual (R$ 1.200). O custo da energia para recarga é irrisório. Quando chove ou quando busca os filhos na escola, opta pelo uber. Atualmente, o gasto mensal com transporte (uber) caiu para cerca de R$ 250 por mês.
Entre as vantagens do monociclo, ele destaca a economia e a praticidade de levar para qualquer lugar e transportar no carro por aplicativo. Ele leva apenas 20 minutos até o local de trabalho.
Robson Medeiros Alves (repórter cinematográfico)
- Ônibus BRT
- Trajeto diário: Novo Gama – Setor de Autarquias Sul
Robson passou a usar o sistema BRT no início da pandemia. Antes ele fazia o trajeto todo (32 km) de carro e, atualmente, ele dirige até a estação do BRT, estaciona e segue de ônibus. Ele destaca a economia nos trajetos de ida e volta: R$ 11 de ônibus, R$ 50 de carro. O tempo de deslocamento também é menor: cerca de 45 minutos de ônibus e 1h40 de carro.
Michelle dos Santos Silva Brandão (educadora física)
- Metrô e ônibus
- Trajeto diário: Águas Claras – Asa Norte
Motivada pela alta no preço da gasolina, Michelle passou a usar ônibus e metrô alguns dias na semana para ir ao trabalho e para levar os filhos até a escola. No trajeto casa-trabalho, sozinha, gasta cerca de R$ 16 de carro; de ônibus, o custo é de R$ 11.
As vantagens ao usar ônibus e metrô são a economia e não pegar congestionamento. A desvantagem é o tempo no trajeto: de ônibus são 2 horas e de carro seriam 40 minutos no trajeto de ida e volta. O maior tempo no ônibus ou metrô dificulta a rotina de aulas como personal e, às vezes, ela precisa cancelar com alguns alunos.
Robson Benevides (pintor)
- Bicicleta
- Trajeto diário: Planaltina – Sobradinho, Asa Norte, Asa Sul
Há dois anos, Robson pensou em usar a bicicleta para ir trabalhar, em vez do carro. Ele estava sem tempo para treinar e, atualmente, aproveita os trajetos diários para se exercitar. Trabalha como pintor (autônomo) e, mesmo quando o serviço é mais longe, vai pedalando. Já fez trajetos longos, de até 80 km (ida e volta), para chegar ao local de serviço. Costuma pedalar pelo menos quatro vezes por semana e só vai de carro quando precisa levar material pesado e máquinas.
A paixão pela bicicleta cresceu e ele se tornou vice-diretor da Associação de Ciclistas de Planaltina. Entre as vantagens de pedalar, ele destaca a economia, qualidade de vida e a possibilidade de conhecer locais e pessoas surpreendentes. Quanto ao custo, a diferença é bem grande. De carro, ele gasta de R$ 50 a R$ 60 por dia. Para pedalar ele gasta R$ 100 com revisão da bicicleta, a cada 3 meses.
Rodrigo Matos de Paula Felix (funcionário de empresa)
- Ônibus
- Trajeto diário: Guará 2 – Taguatinga
Rodrigo mora no Guará 2 e, no mês passado, passou a usar ônibus, em vez do carro, para ir ao trabalho em Taguatinga. O alto preço da gasolina foi a motivação para a mudança: o custo com os trajetos de carro ficou superior ao dobro do valor recebido de vale-transporte.
No trajeto diário de 30 km (ida e volta) ele gasta cerca de R$ 150 por mês de ônibus. De carro o custo seria de R$ 400, no mínimo. A desvantagem do ônibus é o tempo no deslocamento, de pelo menos uma hora. De carro eram no máximo 20 minutos. De metrô, ele levaria cerca de 30 minutos, mas o custo seria maior, cerca de R$ 250 por mês.
Mais incentivos
Corredor do BRT Sul na Estrada Parque Aeroporto (EPAR)
Os exemplos mostram que a mudança é possível. No entanto, incentivos governamentais são importantes para promover a migração do transporte individual motorizado para o transporte coletivo e para a mobilidade ativa. Levantamento recente mostra que Brasília tem a tarifa mais cara de ônibus (R$ 5,50) entre as capitais do país.
O serviço prestado pelas empresas concessionárias não condiz com a alta tarifa e faltam, por exemplo informações sobre linhas e horários nos pontos de embarque. A situação nos terminais de transporte são aquém do desejável, inclusive na rodoviária do Plano Piloto (o terminal mais movimentado, localizado na área central). Nos finais de semana e à noite a frota de ônibus em circulação cai consideravelmente.
Para contornar a situação caótica que se observa – congestionamentos diários e estacionamentos lotados – são necessárias mudanças culturais e de infraestrutura para reduzir a dependência do automóvel e convencer a população a usar outros modos de transporte. Os dados revelam que algo precisa ser feito: a frota motorizada se aproxima de 2 milhões no Distrito Federal1 e o automóvel é o principal meio de transporte no deslocamento para o trabalho (47%), à frente do ônibus (38%)2.
Vale lembrar que a Política Nacional de Mobilidade Urbana estabelece a prioridade para o transporte coletivo e para os modos ativos (não motorizados) de transporte. E o Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU/DF) tem entre os objetivos a redução do transporte individual motorizado, a priorização do transporte coletivo e o estímulo ao transporte ativo (não motorizado).
Eis algumas ações importantes para promover a mobilidade urbana e a qualidade de vida: a) ampliação das faixas exclusivas de ônibus, das linhas de BRT e do metrô; b) informações aos usuários nos pontos de embarque e terminais; c) maior frequência dos ônibus e do metrô para diminuir a superlotação; d) instalação de bicicletários públicos, inclusive nos terminais de transporte; e) reforma e ampliação de calçadas e ciclovias; f) estacionamento rotativo pago, para desestimular o uso do carro e obter recursos para melhorias na mobilidade.
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1 Segundo o Departamento de Trânsito (Detran/DF), 1 milhão e 920 mil automóveis estão registrados no Distrito Federal.
2 Fonte: Atlas do DF 2020, da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan).
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