Gente comum e pessoas raras, como Beatriz Segall e Nelson Freire, caem todos os dias nas calçadas maltratadas das cidades brasileiras. O problema é tão antigo e corriqueiro que foi sendo "naturalizado" pelas pessoas e pelos prefeitos, com algo inevitável. Não deveria ser assim, porque esses acidentes, ou melhor, esses sinistros, custam muito caro para a sociedade brasileira: são bilhões de reais por ano.
Nesta semana, na segunda-feira (1/11), o mundo perdeu o pianista Nélson Freire, um dos gênios do piano no século 20. A morte se deveu a uma queda, dentro de casa. Mas, dois anos antes, em outubro de 2019, Nélson sofrera uma queda quando caminhava pela calçada, no Rio de Janeiro. O acidente, ou melhor, o sinistro - e aqui o termo técnico cabe muito bem - provocou fraturas que o impediram de tocar e obrigaram o cancelamento de uma série de concertos que faria em outros países. Amigos e parentes revelaram que ele andava amargurado pelas dores e dificuldades de percorrer as teclas do piano da forma mágica como fazia antes de tropeçar naquele pequeno buraco, no calçadão da Barra. Dois anos nessa crise, mais o isolamento provocado pela pandemia tiraram seu equilíbrio. E ele se foi.
Lembramos também de Beatriz Segall, atriz que em 2013 também caiu na calçada e fez questão de mostrar seu olho ferido para talvez sensibilizar as autoridades sobre o problema da manutenção desses passeios públicos. Sem sucesso, como comprova o buraco que derrubou Nélson Freire e persiste (ou persistia) intocável na calçada. Reportagens realizadas nas calçadas do Rio nesta semana mostram que a prefeitura pouco ou nada fez durante a última gestão.
A Secretaria de Conservação da prefeitura carioca se manifestou de forma protocolar sobre o assunto, com a velha cantinela de que "a manutenção das calçadas é de responsabilidade dos moradores e proprietários dos imóveis e etc."
Quantos milhões de pessoas já tropeçaram nessas armadilhas urbanas? Qual o custo social e econômico dessas quedas? Não há muitos dados, mas em 2012 uma pesquisa realizada pelo pesquisador Philip Gold, da CET-SP apontava que naquele ano, 171 mil pessoas haviam sofrido quedas em calçadas na Grande São Paulo, com um custo aproximado de 3 bilhões de reais, em valores da época. Numa conta simples, em dez anos, teríamos mais de 30 bilhões de reais, valor bem acima do necessário para a reforma de todas as calçadas da capital paulista. Enfim, corrigir esse problema seria mais lógico e racional do que ignorá-lo.
Ouça o Expresso Mobilize #65:
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