O Mobilize discute especificamente a mobilidade urbana, mas vamos destacar hoje uma pauta de temática mais social e política digamos, e que no entanto tem tudo a ver com a cidade justa e sustentável que defendemos. Este é o tema de uma ampla reportagem intitulada 'Arquitetura hostil: a anatomia da cidade proibida', publicada pela Agência Senado e encaminhada como sugestão ao nosso portal pelo autor, o jornalista Nelson Oliveira.
O assunto são esses estranhos elementos arquitetônicos, lanças de metal, blocos de concreto e tranqueiras do tipo, vistas por aí, já incorporadas à paisagem urbana sem que, muitas vezes, as pessoas reparem ou se perguntem o por quê de estarem ali... É o que revela a matéria, logo na abertura:
"Na cabeça de quem instala trambolhos metálicos num banco de praça, pinos pontudos numa mureta ou até floreiras em frente a uma vitrine, o que se quer é evitar que mendigos e transeuntes cansados ocupem indevidamente locais destinados à circulação, a compras, e possam representar, além de danos à imagem dos lugares, ameaças à higiene e à segurança. No entanto, o resultado dessas ações é o bloqueio à plena e saudável utilização dos espaços públicos e daqueles na fronteira entre o privado e o público, o que piora o padrão da cidadania."
Paralelepípedos
O texto lembra do protesto feito em fevereiro pelo padre Júlio Lancelotti, que repercutiu nas redes e na mídia ao mostrar o coordenador da Pastoral do Povo de Rua quebrando a marretadas os blocos de pedras pontiagudas afixados pela prefeitura paulistana sob dois viadutos da zona leste. Lancelotti, diz a matéria, "não teve dúvidas quanto ao propósito dos paralelepípedos: afastar dali as pessoas em situação de rua que eventualmente quisessem ocupar os dois vãos como abrigo ou ponto de parada." Fato é que a prefeitura rapidamente retirou os obstáculos do local.
Pouco depois, no dia 31 de março, o Senado aprovou o projeto do senador Fabiano Contarato (Rede-ES) proibindo o uso de arquitetura urbana de caráter hostil ao livre trânsito da população de rua em espaços de uso público. O senador Paulo Paim (PT-RS), relator da proposta, encaminhou o PL 488/2021 para a Câmara dos Deputados com emenda que dá à futura lei o nome de “Padre Júlio Lancelotti".
Padre Lancelotti protesta contra instalação de pedras sob viaduto em SP. Foto: Reprodução/Instagram
Contarato, assim como Lancelotti, não defende a manutenção de pessoas nesses espaços, mas vê nas restrições à sua presença em ruas e outros logradouros o agravamento do problema social e não uma solução. “A raiz do problema está na pobreza, na marginalização e na falta de moradia digna. Tirar pessoas vulneráveis do alcance da vista não resolve tais problemas. Pelo contrário, aprofunda ainda mais a desigualdade urbana”, afirmou.
Os pontos de vista de Contarato foram reforçados por Paim em seu relatório, no qual cita o agravamento do quadro de degradação social pela pandemia da covid-19, que atinge fortemente a população em situação de rua. Ele inseriu emenda no PL 488 prevendo que a arquitetura urbana deverá promover conforto, abrigo, descanso, bem-estar e acessibilidade na fruição dos espaços livres de uso público, de seu mobiliário e de suas interfaces com os espaços de uso privado.
“A desagradável experiência propiciada ao pedestre contribui, ainda, para outros problemas urbanos, pois induz as pessoas ao uso do automóvel, gerando, cada vez mais, poluição, congestionamento de trânsito e espraiamento urbano”, escreveu Paim.
Para ler na íntegra a reportagem da Agência Senado, e entender melhor como essa "arquitetura hostil" pode interferir negativamente na ocupação do espaço público, clique aqui.
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