Com caixa esvaziado pela queda de receita na pandemia, somado a problemas de falta de planejamento em mobilidade urbana no Rio e da própria companhia, a Supervia chegou ao limite, diz o presidente Antônio Carlos Sanches. Pedir proteção judicial foi o caminho encontrado para ter fôlego e reestruturar a operação. No curto prazo, afirma o executivo, recursos que a Supervia tem a receber do Governo do Estado são fundamentais para manter as atividades.
O que levou a Supervia a pedir recuperação judicial?
O transporte público no Rio de Janeiro sofre há tempos com uma série de questões não resolvidas e que vão se agravando ano a ano. O maior problema é a falta de integração dos modos de transporte e na Região Metropolitana como um todo. Deveria haver uma inteligência que olhasse isso de forma integrada, projetando para o futuro, olhando as necessidades de crescimento da metrópole. Isso não é feito. Então, cada modo (de transporte) trabalha de forma isolada. A pandemia colocou tudo isso na mesa.
Hoje, temos todas as empresas sofrendo com baixa demanda. Vai haver vacinação, a pandemia vai arrefecer, a economia vai melhorar com o tempo, mas não vai voltar a ser igual. É preciso trabalho de curto prazo, porque as empresas precisam de caixa para passar por esse período; de médio prazo, para, no máximo em um ano, ter estabelecido uma nova forma de trabalhar com mobilidade. O Brasil inteiro sofre com isso. Só que no Rio de Janeiro, as concessões todas dependem exclusivamente da tarifa.
É um problema dos contratos?
O contrato da Supervia tem mais de 20 anos. E não há modernização desse contrato que olhe, por exemplo, para uma faixa de demanda, para que se o concessionário for afetado ele tenha uma compensação e possa manter a prestação de serviço num bom nível. Seria bom para os dois lados. O reequilíbrio extraordinário, em função da pandemia, deveria ter sido resolvido rapidamente. A Agetransp [Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários, Metroviários e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro] fez uma análise e recomentou que a Supervia tem direito a receber um reequilíbrio extraordinário, do período de março do ano passado até fevereiro deste ano, equivalente a R$ 216 milhões.
Com isso, pagaríamos nossas contas, sem incluir as dívidas. Mas você não consegue receber isso do Estado, que entrou com um embargo contra essa decisão. O governo sabe dos problemas, conhece a gravidade, há diálogo. O problema é a celeridade e a tomada de decisão. Existe caminho? Sim, tem de se construir. Mas se demorar para começar, pode ser que não se tenha o paciente vivo. Numa analogia com a covid-19, se você demorar para procurar tratamento, pode ser tarde demais.
Virá uma revisão de contratos?
A gente acredita que sim, porque o problema é real. Não da SuperVia, mas da mobilidade do Rio e do Brasil. Está afetando muito o setor. O PIB vem crescendo, tem uma euforia aí porque o PIB melhorou, só que está muito desequilibrado. Em alguns setores, vai bem. Em outros, muito mal. Regionalmente, por setor e na questão social também. Como comparar o PIB da Baixada Fluminense com o da Zona Sul do Rio? O nosso público é aquele mais carente, que mais sofre com a pandemia e com a economia. É impensável uma cidade como essa ficar sem a mobilidade. Essa discussão toda virá mais forte, com certeza.
Em paralelo, há um crédito de R$ 200 milhões junto ao Estado?
Temos dívidas de gratuidade (R$ 50 milhões), que conseguimos fechar um acordo com o Governo do Estado, faltando receber uma parcela de R$ 12,5 milhões. Mas tem os passivos que vêm de antes da privatização e não conseguimos receber esse montante (R$ 200 milhões).
Há negociação com o BNDES, maior credor da Supervia?
A dívida com o BNDES (R$ 840 milhões) vem de empréstimos pagos regularmente. Na pandemia, o setor metroferroviário foi beneficiado por um acordo de suspensão desses pagamentos. Deixamos de pagar R$ 200 milhões em dívida com BNDES. Ajuda? Sim, mas a empresa precisa de caixa. E, em função da situação da empresa, do comprometimento já com as dívidas, não conseguimos outros financiamentos para capital de giro. E a gente fez durante esse período todo, esforço interno, ganho de eficiência, redução de jornada e de salário, negociação com fornecedores para parcelar pagamentos.
Conseguimos trazer a empresa até aqui, mas chegou a um limite. Não tem mais condições de prosseguir. Por isso a entrada em recuperação, para ganhar esse fôlego, que seja aí de dois anos e pouco (de reestruturação). Nesse meio tempo, acreditamos que a demanda deve voltar, a expectativa é 2023.
Com a crise hídrica, o custo de energia sobe. Como será?
A gente está no mercado livre. Nosso fornecedor é a Cemig. E a Light. É nessa dinâmica que vamos continuar. Se a crise se agravar muito e tiver possibilidade de racionamento, será uma outra questão, porque o trem não tem alternativa, é energia elétrica.
O dinheiro do Estado do Rio reforçaria o caixa?
A participação do Estado é fundamental. Só a recuperação judicial não vai resolver o problema da Supervia. Quando eu falo de participação do Estado, além do reequilíbrio extraordinário, temos uma série de outras intercorrências que afetam muito o resultado da empresa e o serviço ao cliente. Segurança pública: o número de furtos de cabo nos primeiros quatro meses deste ano foi o dobro do ano passado inteiro. Não são apenas cabos, mas peças e partes metálicas.
O que estão furtando agora é um grampo que prende o trilho ao dormente. O valor número um é segurança, mas para a ferrovia, atrasa o trem, muda a grade horária. E há os tiroteios. Tudo isso, a gente vem discutindo com o governo do Estado. Tem ações que tem ajudado, sim. Mas pela questão econômica, da pandemia, aumentou muito tudo isso. E não estamos conseguindo dar conta.
Cogitaram devolver a concessão?
Já discutimos várias questões, como fechar o ramal menos rentável, devolver tal trecho. Isso tem a dificuldade de afetar a questão social, que tem um peso enorme. Nós colocamos isso, sim, porque afeta a nossa operação. Há trechos de extensão de ramal que dão prejuízo, mas mantemos a operação. É diferente de uma linha de ônibus. Não é uma permissão. É uma concessão, regulada. E cumprimos tudo. Discutimos com o Estado, mas não chegamos a um ponto em comum, a um consenso. A gente não pode parar a operação.
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