Nesta edição ouvimos Nazareno Affonso (MDT), Otávio Cunha (NTU), Cristina Albuquerque (WRI) e Pedro Somma (Quicko) para buscar respostas à crise no transporte público.
O nosso assunto hoje é o transporte público, mas nós lembramos que ontem, dia 3 de junho, foi o Dia Mundial da Bicicleta, um evento internacional criado em 2018 para celebrar o papel que esse veículo leve e barato pode cumprir para uma mobilidade limpa, silenciosa, segura e muito mais saudável.
Por falar nisso, o Ministério da Infraestrutura colocou em consulta pública a minuta do Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito, que trata da Sinalização Cicloviária. A publicação ficará disponível até 1º de julho de 2021 para observações e sugestões. Se você quer participar, é necessário cadastrar-se no sistema Participa + Brasil. O link está aqui abaixo, no final desta página.
Mas, vamos voltar ao transporte público e sua crise grave. Em 2010, segundo um estudo realizado na época pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) já se notava a perda de passageiros do transporte público para o carro individual e, especialmente, para a motocicleta. E um dos motivos era (e ainda é) o tempo que se perde quando um ônibus com dezenas de passageiros fica retido em um congestionamento de carros...carros que levam - em média - uma ou no máximo duas pessoas...Essa questão, alías, já foi levantada pelo urbanista Nazareno Stanislau Affonso na edição passada do Expresso. Foi ele quem cunhou a frase sobre as faixas exclusivas - somente para carros - mas apenas com 30% dos espaços das vias.
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Nós avançamos no assunto e fomos conversar com Otávio Cunha, presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). O dirigente confirma a perda de passageiros no transporte em ônibus, já desde os anos 1990, ou seja há 30 anos... Otávio Cunha lembrou que ele mesmo, na juventude, era usuário do transporte público, do bonde, do ônibus, que na época - segundo ele - circulavam com mais facilidade porque não havia tanto automóvel nas ruas. Cunha reconhece que o sistema de ônibus perdeu qualidade e pensa que o ideal seria a implantação de mais faixas exclusivas e corredores, de tal forma que os coletivos sobre pneus possam circular com a mesma pontualidade e confiabilidade dos trens e metrôs..
Subsídio parece ser uma das palavras-chave para solucionar a crise no transporte público. O presidente da NTU argumenta que para as empresas, o custo dos serviços não tem sido compensado pelas tarifas atuais, o que tem levado ao rompimento de contratos por várias conessionárias que prestam esses serviços às prefeituras. Otávio Cunha lembrou que por lei o "dono" do sistema de ônibus é o poder público, que deve zelar pela qualidade e adequação tarifária do transporte. E para sair desse ciclo vicioso, a NTU está elaborando uma proposta que altera a forma como o transporte público é gerido no Brasil. A proposta está sendo discutida com várias organizações da sociedade, incluindo representações de usuários, e formatada como um projeto de lei, que será encaminhada ao senado agora no mês de agosto.
Também conversamos com a engenheira Cristina Albuquerque, gerente de mobilidade urbana do WRI Brasil, organização que tem trabalhado para ampliar a presença de corredores de ônibus e da mobilidade ativa nas cidades brasileiras. A especialista também vê problemas no sistema de gestão de transportes e, sobretudo, na falta de prioridade à circulação dos coletivos nas ruas do país.
Mas, o que fazer enquanto o país não avança na definição de um novo modelo que permita a sobrevivência e a sustentabilidade do transporte público? Cristina Albuquerque aponta algumas possibilidades baseadas na experiência que o WRI tem acompanhado em outras cidades do mundo. A ideia é agir para socorrer o sistema e depois avançar na construção de políticas permanentes. Cristina avalia que os aplicativos, o transporte sob demanda, e também os sistemas de bicicletas compartilhadas, podem ter um papel importante para complementar a rede de mobilidade, especialmente nas áreas onde o metrô e os ônibus não conseguem chegar.
Pedro Somma, CEO da empresa de aplicativo Quicko, prefere usar a palavra "cliente" para designar esse novo perfil do usuário da mobilidade. Ele defende o uso da tecnologia para permitir que as pessoas possam decidir sobre a melhor forma de fazer seus deslocamento a cada dia, combinando meios e ajustando esse projeto diário de mobilidade aos imprevistos que podem ocorrer.
Essa integração é interessante, mas Otávio Cunha, da NTU, critica a opção de alguns prefeitos por formas alternativas de transporte, como vans, mototáxis e outros meios que escapam ao controle do poder público e podem desorganizar todo o sistema de transportes. Um exemplo é a recente decisão das prefeituras de Maceió e Teresina de regulamentar os táxis de lotação como forma de resolver as crises locais no transporte público. Outro exemplo é a abertura para o serviço de mototáxi via aplicativos, como o Uber. Ele não acredita no transporte sob demanda sem uma regulamentação que o integre aos sistemas de transportes formalizado, inclusive no aspecto da tarifa...
Mas, sem dúvida, o valor da tarifa parece ser a questão central para ajustar os serviços de transporte às condições de renda do país. Um trabalho recente realizado pelo Idec revelou que na média o transporte público "confisca" cerca de 20% do salário mínimo de uma pessoa, apenas para ir e voltar do trabalho.
Pedro Somma, da Quicko, comenta a proposta de Tarifa Zero e avalia que essa medida seria possível se todos os modos de transporte fossem integrados e contassem com formas de financiamento além da tarifa. No entanto, Cristina Albuquerque aponta que a ideia de uma tarifa baixa ou próxima de zero pode ser uma meta, mas lembra que o país ainda está longe dessa possibilidade, especialmente nas grandes cidades.
Mas todos os entrevistados concordam que o tema do transporte público precisa sair das reuniões fechadas entre especialistas e ser levado à sociedade, para uma discussão mais ampla sobre como reorganizar e como financiar esse importante instrumento das cidades. Afinal, será que os governantes, a começar pelo personagem que ocupa o Palácio do Planalto, terão a coragem de tirar os subsídios que hoje são dados ao carro, à moto, e dar prioridade aos ônibus e ao transporte sobre trilhos nas cidades? E mais ainda, como adaptar o transportecoletivo aos tempos de pandemias? Ou, como operar a transição da frota de ônibus para motores menos poluentes ou elétricos?
Um primeiro passo pode ser o projeto de lei coordenado pela NTU e que será encaminhado ao Senado. O para este projeto está aqui nesta página. O assunto é urgente e precisa ser debatido pela sociedade.
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