Era domingo pós-almoço quando soube da morte de Paulo Archias Mendes da Rocha. Recordei, imediatamente, como era desafiador entrevistá-lo. Paulo frequentemente questionava as próprias perguntas do jornalista e anarquizava a pauta organizada que trazíamos nas mãos. Aprendi muito nesses diálogos, mas o problema, no momento da edição, era organizar aquele turbilhão de ideias, propostas e provocações.
Pedestre convicto, era comum vê-lo caminhando ao lado de sua mulher Helene Afanasieff nas ruas de Santa Cecília e Higienópolis, em São Paulo. Ele também sempre declarou sua preferência pelo transporte público ao carro particular. Em uma das entrevistas, para a revista Arquitetura e Urbanismo (AU), por volta de 1998, lembrou que conhecera o arquiteto Rino Levi em um bonde, a caminho da escola, em São Paulo. Vejam: Rino Levi dirigia o mais importante escritório de arquitetura da capital paulista, e Paulo era filho do diretor da Escola Politécnica de Engenharia da USP. E ambos andavam de bonde...
Por volta de 2001 eu trabalhava em um projeto de estímulo à eduçação ampla em urbanismo e arquitetura, para todas as pessoas. Fui ouvi-lo sobre a proposta e ele colocou tudo abaixo. "Esse projeto não é necessário...Qualquer pessoa que viva e circule por uma cidade já sabe muito sobre urbanismo, sobre arquitetura..."
Anos mais tarde, por volta de 2010, em uma entrevista para a revista Problemas Brasileiros, Paulo Mendes fez a declaração marcante sobre a necessidade de crianças circularem livres pelas ruas das cidades. O tema da conversa era outro, mas Paulo abria novas perspectivas a cada frase, sempre muito interessantes. Ele dizia que "Uma criança que não experimentou a sensação de ir sozinha à escola, tomando o ônibus e vivenciando a cidade, essa criança não foi a escola alguma..."
A última entrevista foi em 2016, em seu escritório, no Centro de São Paulo. Fazia calor, as janelas estavam abertas e o ruído externo invadiu a gravação. Em dado momento, enquanto discutíamos a dualidade cidade/natureza, Paulo colocou a dificuldade de nossa civilização em encontrar as melhores opções, as soluções para uma boa relação com a natureza, mas que era fácil detectar o que deu errado, como o óbvio excesso de automóveis queimando petróleo.
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