Estamos andando para trás. Infelizmente. Além do rastro de feridas humanas que a Covid-19 tem deixado, a crise sanitária está aproximando ainda mais o homem do transporte individual - automóvel e motocicleta. Ter um carro ou uma moto começa a virar preferência nacional e mundial novamente. Por isso, algo precisa ser feito para resgatar o transporte público coletivo. Pelo bem das cidades, lembra a jornalista Roberta Soares...
Os números já confirmam o temor alimentado desde 2020 por quem vive a mobilidade urbana. E o fenômeno é mundial. Relatório 2021 "Mobility Futures", resultado de 9.500 entrevistas feitas em fevereiro de 2021 com moradores de 13 cidades em todo o mundo - São Paulo entre elas -, constatou que mais pessoas estão usando carros no lugar do transporte público por preocupações com a pandemia. Em grandes cidades como Nova York, Chicago, Pequim, Mumbai e Paris, o transporte público foi o último dos meios de transporte preferidos dos entrevistados. Imagine esse cenário no Brasil? O levantamento foi feito por uma empresa de pesquisas de consumo e divulgado pelo Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum).
O relatório apontou que as viagens de carro tiveram um aumento de 3,8%, enquanto as de transporte público caíram 5,6%. A boa notícia é que as viagens de bicicleta e a pé cresceram, embora menos do que a perda do coletivo: 3% em média durante a pandemia. A fuga do transporte público e a corrida para o carro contrasta com a edição 2020 do mesmo relatório, que previu que as viagens feitas por transporte verde ultrapassariam as de carro em 2030.
Outro levantamento analisado pela WRI Brasil - entidade que fomenta o desenvolvimento sustentável das cidades - a partir de dados fornecidos pela Apple com base nas buscas de seus usuários no aplicativo Mapas, mostra que os deslocamentos de carro tiveram a menor queda entre janeiro e maio de 2020 no mundo. Caiu 31%. E o transporte público, a queda mais expressiva (-78%). A caminhada teve uma redução de 51%. Enquanto os deslocamentos de carro e a pé já começaram uma retomada, a demanda por transporte coletivo segue estável, muito abaixo do usual.
A busca pelo automóvel também tem tido reflexos na violência do trânsito. Com a pandemia, as ruas seguem mais vazias principalmente à noite, devido às restrições do poder público - como tem acontecido em Pernambuco, por exemplo. Só que as ruas mais vazias têm levado os motoristas a acelerarem mais e a desrespeitarem mais as regras do trânsito.
Arte JC Online
O resultado é mais fatalidade nos eventos de trânsito. Dados oficiais das cidades de Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e Campinas, reunidos e analisados pela WRI - mostram que a redução dos sinistros de trânsito foi menor do que a de eventos com vítimas em geral. Porto Alegre e Goiânia tiveram um aumento de 47% e 79%, respectivamente, no aumento de infrações por excesso de velocidade comparando 2020 com 2019. Toronto, no Canadá, teve um aumento de 35%. Em Nova York, em um determinado dia, a quantidade de multas por excesso de velocidade dobrou, e a velocidade média dos veículos aumentou em até 85% em alguns bairros.
Oportunidade de mudança
Para que a previsão das viagens por transporte verde superem as de carro até 2030, é preciso que as cidades, os gestores públicos, os políticos e a sociedade acordem para as transformações necessárias. Que encontrem soluções para tornar o transporte sustentável mais atraente, fazendo uso dos modais coletivos e ativos. Se todos forem para os carros, teremos muito mais congestionamentos, barulho e poluição.
Roberta Soares é jornalista e editora da área de Mobilidade Urbana no JC Online.
Texto originalmente publicado com o título "Com covid, automóvel volta a ser paixão mundial e compromete sustentabilidade das cidades"
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