Árvores na calçada: aliadas que podem virar inimigas da mobilidade a pé

Quando troncos e raízes invadem o passeio, a causa pode ser o não planejamento do quê/como plantar ou falta de espaço à árvore em calçadas estreitas. Entenda a questão

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: José Osvaldo Martins/ Mobilize  |  Postado em: 18 de março de 2021

Quem nunca suou ao passar com carrinho de bebê ou

Quem nunca suou ao passar com carrinho de bebê ou de feira?

créditos: José Osvaldo Martins

Ah... as árvores! O que seria de nós sem o verde, sem estes seres estáticos mas tão essenciais à vida? Elas serão o tema deste artigo... mas talvez você esteja se perguntando: o que isso tem a ver com a mobilidade? E eu digo: tudo!

 

Pense primeiro que boa parte do oxigênio que respiramos enquanto nos movimentamos vem delas. E oxigênio é nosso, digamos, “combustível”. Além disso, fornecem sombra, abrigam pássaros canoros que alegram a caminhada, umedecem e regulam a temperatura do ar da cidade, relaxam nossa mente com suas cores. Também balançam bonito ao vento, entre tantas outras coisas boas. Olhe ao redor: elas estão em todo lugar, estão no seu caminho.

 

Já adianto, o tema é polêmico, afinal, quem não gosta de árvores?! Mas é preciso falar que, ao mesmo tempo que ajudam, estes componentes da paisagem podem também atrapalhar a mobilidade a pé. Belo paradoxo, porque, apesar de ajudarem a quem gosta de caminhar, as árvores podem também ser um obstáculo. Quem nunca deu um belo tropicão numa raiz mais saliente, não é mesmo?

 

Raízes forçam o cimento e prejudicam o pedestre nesta calçada de escola pública. Aqui não se levou em conta a biologia da espécie na hora de plantar. Foto: Matheus do Vale Souza

 

Imagine a cena: você está caminhando por uma bela avenida arborizada, carros passam velozmente a seu lado e, eis que surge um tronco largo que toma toda a largura da calçada. Você age naturalmente e desvia, dá alguns passos no asfalto e volta para o passeio, segue em frente. Nada de errado, isso acontece o tempo todo. O problema é quando dá errado... é quando você não dá uma olhadinha, vem aquele carro e... pimba! Hospital ou cemitério. Acredite, muita gente já morreu assim.

 

Troncos ou raízes que tomam toda a calçada são bem comuns, todo mundo já deve ter visto. Mas, por que isso acontece? Cito dois fatores principais: 

 

1. Mal planejamento. A imensa maioria das pessoas plantam árvores sem entenderem do assunto. O único critério levado em conta é estético: pensam na beleza da planta e não verificam se aquela espécie crescerá demais, se suas raízes extravasarão ao nível do solo, ou se as raízes precisarão de amplos espaços para se lançarem; as pessoas não sabem se a copa é baixa, e tem galhos que poderão atrapalhar se não forem podados;

2. Calçadas muito estreitas. Em áreas assim, não sobra o espaço mínimo adequado nem para se caminhar, quanto mais para abrigar árvore e gente no mesmo lugar. 

 

Calçadas padrão

Pelas normas técnicas atuais, a calçada precisa ser plana e ainda ter espaço livre para circulação e para a área de serviço. Essa última é aquela área que comporta o mobiliário urbano - placas, lixeiras, bancos, floreiras e, claro, as árvores. Calcula-se que uma calçada assim deva ter perto de 2 metros de largura. 

 

Ora, sabemos que essa “calçada ideal” é coisa rara na cidade. O mais comum é ver calçadas de um metro e pouco de largura. A regra da calçada ideal acaba servindo mais para ocupar avenidas de alta circulação ou comerciais, onde as lojas dependem de quem caminha para vender. Mas são fantasiosas quando falamos de bairros onde, como já comentei em outros artigos, cada um faz o que quer. Claro, não deveria ser assim, mas é.

 

Aliás, se a calçada tiver dois metros ou mais, o que acontece é que logo vai virar estacionamento ou feirinha de camelô. Afinal, o que dizer de espaços livres numa cidade onde cada pedacinho de chão é disputado a tapa, e esse negócio de caminhar, afinal, nem é tão importante?

 

O mais provável, em muitos lugares, é que tem a árvore e tem você, e simplesmente não há espaço suficiente, já que dois corpos não ocupam o mesmo lugar. 

 

Em bairros e ruas locais, onde não passa muito carro, isso não costuma ser encarado como um problema: todo mundo contorna ou vai andando pelo asfalto, sem sustos. Opa, peraí! Quer dizer, não passava! Hoje é comum que haja fluxo intenso de tráfego em ruas categorizadas como de baixa circulação. A frota de motos e carros aumentou consideravelmente nas últimas décadas, e as ruas de bairro já não são tão seguras e tranquilas quanto os critérios do governo deixam imaginar. 

 

Ruas locais, como são denominadas, têm limite de velocidade de até 30 km/h em São Paulo. Esta é a velocidade estimada para que um adulto saudável (não idoso ou criança) suporte uma colisão com automóvel e tenha chances de sofrer menos danos sérios. É a velocidade a qual um carro ou moto, se bater em você, não vai (em tese) te matar ou deixar inválido. Ocorre que hoje em dia o mais comum é esse trânsito maluco também ocupar essas vias de bairro. Porque, não se pense que os motoristas todos obedecerão ali os trintinha sinalizados nas placas: muitos passarão a 50 e 60 por hora. E sai da frente! 

 

Cidadão desvia de tronco e vai pela rua no anel viário de Guarulhos-SP, via de alta circulação de veículos, onde o limite de velocidade de 50 km/h; e uma colisão pode ser fatal ao pedestre. Foto: José Osvaldo Martins

 

No anel viário de Guarulhos, as pessoas correm ou fazem caminhada esportiva pelo corredor de ônibus (muitas vezes à noite), pois o que se vê é muito canteiro e pouca calçada. Em todo o trajeto, não há área ideal para caminhar, e por isso os riscos ficam por sua própria conta e coragem. Já o poder público parece não ver a situação como problema.

 

Quem veio primeiro, a calçada ou a árvore?

O que fazer então, arrancar todas as árvores? Claro que não. O que está plantado fica, e fica pelo tempo de vida que tiver. Árvores frutíferas em geral não duram muito, mas certas espécies podem alcançar 100 anos, ou mais. O que é preciso então é aliar a busca por mobilidade com o que será plantado daqui para frente. Para isso, deve haver informação disponível e de fácil acesso aos que desejam ter uma muda plantada em frente às suas casas/comércios. 

 

Vale lembrar que, na cidade de São Paulo, embora não exista legislação que impeça o munícipe de plantar em área pública, a prefeitura orienta que seja encaminhada uma solicitação à subprefeitura ou à secretaria do Verde, para o envio de orientações técnicas e para ajudar na escolha da espécie mais indicada a cada local. 

 

Ainda assim, trata-se mais uma vez da questão de conscientização da população. As pessoas precisam saber que cada ato delas não é isolado e influi em tudo ao redor. Hoje o cidadão bem-intencionado acha uma mudinha bonita e logo planta ela ali ao pé do seu muro, sem considerar que aquele bebê vai crescer, talvez muito, e amanhã teremos um ficus elastica de tamanho monstruoso!

 

Uma árvore que viva bem em campo aberto, no espaço urbano poderá crescer “além do combinado”, destruir a calçada com suas raízes, ter seus galhos amputados, sofrer sufocamento e não alcançar nunca sua plenitude. Então, se pudermos usar um conceito humano, diria que ela não será feliz. Nesta era da internet, não seria o caso de a pessoa buscar informações sobre uma ou outra espécie?

 

Desleixo com o canteiro da árvore e com a calçada. Foto: José Osvaldo Martins

 

Havia um tronco no meio do caminho...

Quando eu era pequeno, meu pai plantou uma muda de frente à nossa casa, e no decorrer dos anos pude vê-la crescer enquanto brincava por entre seus galhos. Virou um colosso, e hoje não consigo abraçá-la de tão larga, pois toma praticamente toda a calçada. Descobri que é uma sibipiruna, árvore nativa do Brasil que pode chegar a incríveis 28 metros. Este é um belo exemplo de um cidadão, meu pai, que embora na melhor das intenções, ao plantar não considerou outras questões. 

 

Grosso modo, as árvores se dividem entre coníferas e folhosas. As primeiras crescem em formato de cone, com o tronco mais uniforme, a exemplo dos pinheiros e das araucárias. As folhosas ou frondosas têm a copa mais aberta, com muitos galhos, como os ipês e as patas de vaca. 

 

Mas não pense que basta resolver o problema para quem caminha plantando uma conífera. Imagine: uma folha de palmeira pode cair de 10 metros de altura bem na cabeça de alguém. Não é tão simples. Ao plantar é preciso considerar se a copa será  baixa, se as raízes não vão tomar todo o espaço, se os frutos não são tão pesados que podem cair e ferir alguém, se os frutos e folhas vão deixar o piso escorregadio para quem caminha ou entupir os bueiros, se o tronco vai engrossar demais, e qual tamanho ocupará o berço da arvore (aquele canteiro que você deixa em volta do tronco). Entre outras ponderações... 

 

Saiba que algumas espécies de copa baixa vão exigir poda, o que sempre é um trauma para a árvore. É preciso conhecimento para que a poda seja feita do modo menos agressivo possível. Vale lembrar que em muitos lugares, a poda só pode ser realizada por funcionários da prefeitura, que em teoria tem o preparo para proceder corretamente. Também é comum algumas árvores crescerem tortas, por uma condição genética ou por força externa, e isso certamente vai impactar na sua caminhada. Pense, um coqueiro provavelmente crescerá reto, já uma goiabeira vai crescer como ela achar melhor. 

 

Apertem os cadarços... A calçada sumiu!  Foto: José Osvaldo Martins

 

Nas calçadas, arbustos e plantas em floreiras ou vasos grandes embelezam, mas também podem virar barreiras para quem anda. Quem nunca teve que mudar seu trajeto ao empurrar um carrinho de bebê ou um carrinho de feira?

 

Quando se trata de arborização, tudo isso importa, está interligado e deve ser considerado ao se procurar contornar interesses conflitantes entre moradores, ativistas da mobilidade, concessionárias de serviços e técnicos ambientais.

 

Precisa dizer alguma coisa?! Foto: José Osvaldo Martins

 

Em resumo, precisamos planejar o que vamos plantar. O que fazemos hoje vai impactar todo o território da cidade, este solo que é de todos. Como a cidade pressupõe um espaço urbano organizado, também as espécies vivas precisam estar adequadas a tal espaço.

 

Não vou aqui dar dicas de quais árvores são mais apropriadas para sua calçada, acredito que essa é uma decisão a ser tomada com calma. Você precisará pesquisar, conversar com quem entende, observar os propósitos, enfim, pensar para decidir.Para quem se interessou pelo tema, e quer dicas de árvores indicadas para sua calçada, saiba que as prefeituras costumam disponibilizar, inclusive na internet, manuais de plantio/poda. O município também pode ter seus próprios planos de arborização urbana; consulte os de sua cidade.

E você, o que quer plantar para o nosso futuro? Continue caminhando.


 

*José Osvaldo Martins é jornalista de formação, com especialização em Ensino Lúdico e extensão em Geografia Urbana, entre outras. É trabalhador, pagador de impostos, cidadão, pai, escritor quando há tempo, motorista habilitado, ciclista por prazer, mas no fundo só um caminhante que vive e circula na Grande São Paulo.


 

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