Será que as pessoas utilizarão menos o transporte público após a pandemia? Boa parte das viagens ao trabalho serão substituídas por reuniões online? De que forma o aumento do uso da tecnologia durante a quarentena afetará os hábitos das pessoas depois que a covid-19 estiver erradicada?
Essas e outras perguntas deverão ser respondidas por pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP ao longo dos próximos anos, período em que eles irão estudar possíveis mudanças de comportamento das pessoas em atividades que exigem locomoção.
Os trabalhos em andamento englobam duas dissertações de mestrado e uma tese de doutorado, orientados pela professora Cira Souza Pitombo, do Departamento de Engenharia de Transportes (STT) da EESC. Segundo a docente, os resultados que serão obtidos nas pesquisas poderão ser importantes tanto para a sociedade como para os órgãos governamentais, principalmente se for comprovada a redução dos deslocamentos, em especial aqueles realizados com automóveis particulares: "Além de consolidar novas tendências como o teletrabalho, isso impactará a mobilidade, fazendo com que menos poluentes sejam lançados na atmosfera, gerando mais qualidade de vida, e podendo ocorrer um menor número de acidentes, por exemplo", explica.
A especialista ressalta ainda que, após a pandemia, em caso de diminuição do uso de transporte público e aumento da utilização de aplicativos de transporte, haverá uma consequente queda na arrecadação municipal, o que poderá estimular os gestores responsáveis pelo serviço de ônibus a desenvolverem novas estratégias para atrair novamente os usuários.
Por todos esses motivos, é fundamental investigar o quanto esse engajamento tecnológico "extra" que a população está experimentando, o qual mobiliza pessoas de todas as idades, irá afetar o comportamento individual no futuro.
Segundo a professora Cira, o maior desafio das pesquisas tem sido adaptá-las ao cenário no qual estamos vivendo, forçando, por exemplo, os pesquisadores a alterarem perguntas previamente estipuladas ou a mudarem as estratégias do estudo, de acordo com a evolução ou regressão da covid-19: "Será preciso um planejamento dinâmico para capturar o comportamento das pessoas durante e depois da pandemia".
As pesquisas
Um dos trabalhos em andamento na USP é o de Jorge Ubirajara Pedreira Junior, doutorando da EESC. Intitulado "Engajamento Tecnológico e Mobilidade no contexto da Pandemia da Covid-19", o estudo tem como objetivo avaliar se a maior utilização de dispositivos como smartphones, tablets e computadores durante a pandemia de alguma forma forçará mudanças permanentes nas pessoas a médio e longo prazo, como uma menor frequência de viagens obrigatórias. O pesquisador explica que a influência das tecnologias da informação e comunicação na mobilidade é um tema investigado há mais de quatro décadas e a enorme popularização dos dispositivos móveis e a disseminação do uso de aplicativos tornaram a investigação desse fenômeno ainda mais relevante.
"Os principais efeitos conhecidos dessa interação são o de substituição, complementaridade e modificação das viagens realizadas pelos indivíduos, que variam conforme a natureza da atividade e o contexto socioeconômico em que ocorrem. Em 2020, com a pandemia da covid-19, medidas não-farmacológicas como distanciamento social, isolamento e quarentena foram implementadas em diversos países, com implicações ainda desconhecidas", explica Jorge, que é bolsista da Capes.
Para avaliar as possíveis alterações no comportamento das pessoas, o cientista aplicou um questionário para 702 voluntários, que responderam perguntas sobre o perfil sociodemográfico, hábitos de deslocamento e de uso de tecnologias da informação. "Já foi possível verificar por meio de uma análise preliminar uma redução muito significativa do uso de transporte público, migrando principalmente para o uso do automóvel", revela. Os participantes ainda responderão outras duas vezes o mesmo questionário, uma em 2021 e outra em 2022. "É importante entendermos se, uma vez passados os impactos mais fortes de restrição de circulação dos indivíduos, os hábitos de deslocamento e realização de atividades de forma remota prevalecerão", diz.
Teletrabalho se consolidará após a pandemia? Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Apps x transporte público
Outro estudo em andamento na EESC é o da mestranda Carolina Costa, também bolsista da Capes. O objetivo de seu trabalho é analisar especificamente o comportamento dos brasileiros com relação à mobilidade urbana durante o período de pandemia da covid-19, com foco na possível substituição do transporte público pelo transporte por aplicativos. Para realizar o trabalho, a pesquisadora está aplicando um questionário para voluntários a fim de identificar os hábitos de utilização dessas plataformas digitais, as características das viagens mais frequentes, a percepção dos consumidores sobre a qualidade do transporte público, entre outras informações.
A partir da coleta dos dados, a mestranda realizará uma análise para identificar os fatores que mais influenciam os usuários a migrarem do transporte público para o de aplicativos durante a quarentena. Além disso, Carolina pretende comparar os hábitos de mobilidade urbana observados nesta amostra com os de outro questionário aplicado antes da pandemia. "A hipótese que será colocada à prova é que a substituição do transporte público pelo transporte por aplicativo durante a pandemia pode ser influenciada por diferentes fatores socioeconômicos e de qualidade do transporte público, como lotação, tempo de viagem, preço etc." explica.
A pesquisadora diz que busca compreender os fatores que influenciam a escolha do transporte por aplicativo pelos usuários para guiar os operadores de transportes, tomadores de decisão e o poder público no investimento de melhorias da qualidade dos serviços prestados, a fim de diminuir os impactos negativos que poderão ser causados por essa migração. "É preciso garantir um transporte público democrático, de qualidade e seguro, mesmo no contexto de pandemia da covid-19", afirma. A autora da pesquisa ainda está recrutando novos voluntários para participar do atual questionário. Quem quiser colaborar, basta acessar um dos dois links a seguir: link 1 ou link 2.
Por que e para onde as pessoas estão indo?
Entender o que motiva as pessoas a se deslocarem em um cenário de exceção como o da pandemia e quais meios de transporte elas utilizam para tal é o objetivo da pesquisa de Thayanne Gabryelle Medeiros Ciríaco, mestranda da EESC e bolsista da Capes. Entre as perguntas que a cientista pretende responder estão: As pessoas só saem para atividades essenciais como trabalho e mercado? A forma como se deslocam mudou? Os meios de transportes utilizados para os deslocamentos são os mesmos? As distâncias percorridas foram reduzidas?
A hipótese que ela irá estudar é a de que a pandemia gerou mudanças nos padrões comportamentais de deslocamentos urbanos. "Leva-se um tempo relativamente grande para que as pessoas mudem esses padrões, que geralmente estão relacionados a mudanças de ocupação, endereço de residência ou renda. A pandemia trouxe mudanças drásticas e repentinas ao dia-a-dia da população. No atual contexto, esse trabalho revelará quais as motivações que fazem as pessoas se deslocarem nessa situação de excepcionalidade", diz Thayanne.
Os dados serão levantados com a ajuda de smartphones, que irão coletar informações sobre os deslocamentos de voluntários durante uma semana. "Para analisar as mudanças comportamentais é preciso saber como os indivíduos se locomovem diariamente. Como em geral as pessoas se deslocam com seus smartphones, ao ativar o histórico de localização de aplicativos de mapas, é possível armazenar os dados de forma passiva, constante e precisa, sendo possível obter informações de distância e tempo de deslocamento, velocidade, número total de viagens realizadas por indivíduo, entre outras", afirma a mestranda.
O estudo intitulado "Análise da influência da pandemia da Covid-19 nos deslocamentos urbanos" está sendo realizado em Maceió (AL), cidade natal de Thayanne, e a primeira fase de coleta de dados já foi realizada em setembro e outubro com 116 voluntários, sendo que pouco mais da metade é composta de mulheres, com média de idade de 36 anos. Uma segunda etapa está prevista para ocorrer em setembro de 2021 com os mesmos indivíduos.
A professora Cira diz que espera contar com a colaboração de profissionais das áreas de psicologia e estatística para auxiliarem na realização do estudo. Os interessados em participar podem clicar aqui para entrar em contato com a docente.
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